terça-feira, 2 de novembro de 2021

Uma rosa para Lídia


Que papel desempenha uma avó na vida de alguém? 

Essa é uma questão bem difícil, pois as avós, como qualquer outra pessoa, antes são seres humanos e como tal, plenos de virtudes e defeitos, cometendo ao longo de suas vidas, infinitos acertos e erros.

Assim, para uns a avó com certeza está em altíssimo grau de afeto.  Para outros ela pode representar amarguras, seja por sua ausência, seja pela forma como educou a mãe ou o pai que agora e por consequência, deixam em nós os resultados dessa criação.

Felicito sempre meus filhos por ainda terem vivos (encarnados) os quatro avós.  Ressalto que os aproveitem e curtam sua presença. E com essa afirmação deixo claro que não há mais ou menos importância em uma avó do que em um avô.

As duas figuras juntas são uma única e marcante presença na vida dos netos. Pelo menos em geral é assim.

Mas me permito aqui destacar a avó, seja pela sua maternidade, seja pela sua condição de mais carinhosa à medida que seus cuidados incluem aquela comidinha de tempero inesquecível, quando não os afagos de uma mulher duas vezes mãe.

No meu caso, sobretudo, recordo de minha avó materna porque enquanto escrevo essas linhas, o faço em memória dela que ontem, Dia de Todos os Santos, completou seu décimo oitavo ano de partida.

Sempre presente em minha vida, bem como na vida dos demais netos, minha avó nunca deixou de se preocupar e se ocupar com nossa criação.  

Enquanto meus pais trabalhavam duro, por exemplo, ela supervisionava nossa situação em casa, trazendo bolo, ajudando nas orientações de quem cuidava de nós, quando não cumprindo, ela mesma, essa tarefa.

Falar de suas virtudes seria correr sérios riscos de deixar de lado algumas, ressaltando só as que me dizem respeito e portanto não vou arriscar.

Prefiro resumir sua história na mãe que perdeu um filho ainda jovem, aos dezessete anos, no mais trágico acidente de ônibus dessas paragens.  A história dos estudantes mortos no rio Turvo é de conhecimento geral por aqui. O sofrimento que ela viveu, antes de derrubá-la, a fez mulher forte e devotada ainda mais à família.

Também devo dizer que deu a seus filhos todos uma educação bastante sólida.  

Minha mãe, a única filha, foi sempre educada com todo esmero, daí tornar-se uma mulher inteligente e dotada de tantos talentos incentivados por minha avó, dentre eles o piano. Artista de diversas aptidões, minha mãe, uma dama, foi criada com o espírito empreendedor que caracterizou sua casa.

Um dos filhos de minha avó, o mais velho, dedicou-se aos estudos e consequentemente a uma profissão bastante séria como servidor público, desempenhando relevantes posições junto ao fisco federal.

O segundo se tornou um grande construtor na cidade seguindo os passos do pai.  São deles alguns dos edifícios mais nobres de São José do Rio Preto, principalmente os que carregam nomes de estrelas. Um de seus empreendimentos mais conhecidos é o Cemitério Jardim da Paz.

Juracy, o terceiro e que nos deixou recentemente vítima da COVID, era o mais próximo de todos. Trabalhador dedicado, sempre foi o elo de união, jamais deixando de estar presente nas vidas de seus irmãos e irmã.

Com essa segurança de uma mulher multi responsável e presente, meu avô esteve livre para escrever sua história de imigrante que saiu de Portugal "com uma mão na frente e outra atrás", edificando família e nome de grande respeito.

Eu poderia dizer também tais coisas de minha avó paterna, pois dela, dona Amor, sei bastante.  Sua grande devoção pela família, não deixa dúvidas de merecer a mesma consideração.  Até porque vivendo com meu pai, seu filho, tenho constante mostra, indiscutivelmente, de como foi sua criação. Mas com ela não tive a alegria da convivência, posto que nos deixou com sua inesperada morte, nos primeiros meses de minha chegada.

Talvez até por isso, minha convivência única com apenas uma avó faz com que eu tenha por ela o carinho reservado a duas.

O fato é que vó Lídia sempre nos dedicou um amor extremamente maior que qualquer um de nós pudesse retribuir.

Pouco antes de sua morte, eu já adulto, trabalhando na Prefeitura, recebia dela, no meio da tarde, uma ligação para me informar que um pudim recém cozido estava a minha espera.

Seus papos alentadores foram e serão sempre um lenitivo para minhas mais duras provas, pois além das conversas demoradas, bilhetes com anotações para eu não me esquecer de seus importantes conselhos, me eram dedicados num português que talvez pouca gente além de mim conseguiria traduzir.

Minha avó é daquele tempo em que as mulheres deviam trabalhar e por isso não estudou, o que jamais fez falta a sua imensa sabedoria.

Eram dela, para todos os comensais, os conselhos nas ceias de natal.  Eram também dela as mais fortes lições e muitas vezes puxões de orelhas de um jeito indelicado, mas contundente e eficaz.

Não é à toa que os costumes deixados em nós (todos os netos tem hábitos muito parecidos), estão até hoje presentes.

Sua sempre franca opinião, arranhava às vezes, mas sempre era seguida de um suave bálsamo de amor incondicional. E quando não, bolinhos de chuva, sagu, porpetas e outras iguarias, serviam de consolo.

Minha mãe tem se esforçado bastante para ser, aos meus filhos e minha sobrinha, a avó que sua mãe foi.  E tem se saído muito bem.

Mas também isso, por certo, só é possível por que teve em sua mãe o exemplo perfeito.

Assim dedico com grande gratidão essas linhas à memória de minha doce Lídia e peço a Deus que, onde e como quer que ela esteja, a abençoe, ilumine, renove e sobretudo afague como ela sempre fez com a gente.

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