quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Motivos, objetivos e meta. Você os tem?

 

Para muita gente, o simples fato de existir pode ser um fardo bastante pesado.  Afinal, quem carrega uma doença grave, ou está vivendo a perda de alguém querido, tem sobre si uma enorme carga.

Também o tem quem está desempregado, endividado ou simplesmente acometido de forte depressão.

Mesmo pessoas assim, despertam todos os dias e querendo ou não, tocam suas vidas, pois como diz o poeta: “Navegar é preciso”.

Se não trabalharmos constantemente a motivação, corremos também o sério risco de ficarmos apáticos e passamos a acreditar que viver é difícil. Algo simples como acordar e arrumar a cama, parecerá a mais trágica batalha.

Aprendi isso logo cedo com minha avó. 

Se ao amanhecer estivesse com dor de cabeça ou meio adoentado, ouvia dela que se não levantasse, tomasse um banho e “desse um jeito na vida”, aquela moleza tomaria conta de mim e a doença me derrubaria.

Com ou sem sono, ela me fazia levantar, lavar o rosto e arrumar a cama.  E se eu reclamasse ela deixava claro um ditado que nunca esqueci: "A vida é dura pra quem é mole".

E isso ficou tão impregnado em mim que quando acordo com mal-estar ou indisposição, aí é que me entupo de afazeres. Cair de cama, pra mim, será o último recurso.

Em dado momento de minha vida, precisamente aos 40 anos, sofri um AVC isquêmico que me pôs fora de combate por um bom tempo.

Com tontura e diplopia, não sentia vontade para me levantar da cama.  Mesmo assim, acordava e tomava um bom banho.  Depois me sentava em uma cadeira na varanda e ficava olhando para o jardim da frente de casa.  Não conseguia ler ou ver TV.  Caminhar era tarefa quase impossível.  E em muitos momentos, fui tentado a desistir de tudo.

Minha mulher e meus pais faziam força para me ajudar na recuperação.  Ganhei uma bengala e fui inscrito em um programa de fisioterapia.

Mas era terrível a ideia de me locomover e então realizar qualquer tarefa.

Tive então que colocar em prática uma tática que me acompanharia por um longo tempo e me faria, não só dar a volta por cima da doença, mas reestruturar toda a minha vida.

Como levantar da cama era um esforço absurdo e aparentemente inútil, eu tive que criar um motivo pra isso.  Foi aí que peguei uma foto da família e a coloquei na cabeceira.  Também a coloquei em meu bolso.

Aquele era enfim o motivo pelo qual eu levantava todos os dias.  A família. 

Minha mulher estava trabalhando sozinha e tomando conta da casa, dos filhos e colocando o dinheiro que nos sustentava.  Eu devia fazer a minha parte.  Então, eu precisava trocar meus filhos, e ficar bom logo para leva-los à escola, aliviando-a de uma parte das tarefas.

Regar as plantas, lavar a varanda e fazer a comida, agora que não podíamos mais pagar a empregada, também poderia ser suportado por mim. E aos poucos, fui assumindo esses papéis.

Enfim, o motivo estava ali e não era pouco.

Assim que o despertador tocava, portanto, e eu via a foto da família, me punha em pé para o banho regenerador e as pequenas tarefas que me eram possíveis de realizar.

No entanto, se por um lado o motivo me fazia levantar, era preciso mais que isso para me manter ativo.  Eu precisava de objetivos.  Então também os criei.

Voltar a trabalhar era um deles.  Ser o mantenedor da casa era outro.  Me formar, já que havia interrompido há alguns anos a faculdade.  Por fim, viajar para o exterior e conhecer lugares novos com a "galera" de casa.

Me pus firme na fisioterapia.  Peguei dicas e receitas de alimentos que me seriam propícios para a recuperação de minha saúde e sistema nervoso.  Passei a caminhar e a meditar constantemente.  Brincava com os filhos na piscina e cuidava do jardim.  Em breve, a força voltara as pernas.  Também o equilíbrio e então voltei a dirigir. Até pintar a casa me desafiei.

Busquei um emprego.  Não seria legal voltar a trabalhar com minha mulher, pois ela estava cuidando de tudo otimamente.  Eu tinha então que ganhar de outra fonte e tentar fazer algo diferente do que tinha feito até então.

Um emprego sem muita promessa, em muito pouco tempo se tornou uma grande oportunidade.  A empresa cresceu e me tornei um diretor.

Não demorou e com incentivo de meu cunhado, me inscrevi em um vestibular e junto com ele e mais tarde com minha mulher, nos formamos.

Erguidos financeiramente, fizemos então diversas viagens para o exterior como casal e também com os filhos.

Mas algo ainda estava faltando.

Se por um lado havia um forte motivo para me levantar todas as manhãs e objetivos a conquistar, era fundamental ter uma meta.  Uma meta.

De início eu não conseguia enxergar algo.  Afinal, essa meta deveria pautar minhas atitudes e pensamentos. Era pra ser "mega" especial.

Um dia, ela simplesmente se apresentou para mim.

Estava em Portugal com minha mulher e procurávamos a casa de parentes em uma região de pequenos montes e muito verde.

Ali naquele lugar, uma casa bem pequena e antiga, cercada de flores, tinha fumaça saindo de sua chaminé.  Embora o clima estivesse frio, havia sol e em uma cadeira confortável, um senhor jazia sentado com um cão aos seus pés, enquanto tomava um vinho e mantinha um livro nas mãos.

Sem falar nada para ela, declarei pra mim mesmo:

“Quero terminar meus dias aqui em Portugal.  Com a idade avançada, quero ler, beber vinho, curtir o clima ameno e sobretudo, estar em paz.  Olhar pra trás e vislumbrar uma caminhada bem trilhada.  Não dever nada a ninguém e principalmente não trazer peso na consciência por ter traído, enganado ou usurpado.”

Pronto.  A partir daquele dia, tudo o que fazia vinha sempre acompanhado desse pensamento.  Algo como a balizar decisões e atitudes afim de não macular aquela visão no futuro.

Hoje, sou cidadão português e enquanto me encaminho para a idade avançada, faço de tudo para livrar-me de qualquer impeditivo que possa me dificultar o alcance dessa meta.

Motivo, objetivos e meta são, portanto, instrumentos ferozes e eficazes para a construção ou reconstrução de nossas vidas.

Digo sempre a quem posso... Encontre ou crie os seus e siga em frente.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

De vergonha em vergonha

 

Não adianta. Tenho uma enorme dificuldade em entender os motivos pelos quais ainda há pessoas que acreditam nessa criatura.

Em meu círculo de convivência, são muitos os clientes, parceiros de negócios, colegas dos tempos do Tiro de Guerra, faculdade, clubes de serviços, além de familiares e amigos de longa data que se postam, em debates calorosos, como defensores de Bolsonaro.

Ainda que estejamos com os dados todos esfregados na cara, seja a inflação galopante, seja o nosso posicionamento ridículo no cenário mundial, o número de mortos da pandemia, os mais variados escândalos de corrupção que vão da família do presidente, até pessoas em altos cargos da Administração Federal, tem gente que não deixa de acreditar no cara.

Sua aprovação popular despenca diariamente.  Muitos apoiadores de primeira hora já “abandonaram o barco” por se sentirem traídos ou decepcionados.  Portanto, me espanta que ainda persistam aqueles que não enxergam o que está ocorrendo.,

Daria para iniciar lembrando lá de trás, quando em campanha, suas palavras eram as piores dentre todas.  Ódio, racismo, homofobia, desprezo às minorias e falta total de projetos.

Podemos ainda viajar no tempo, no período em que por 30 anos foi Deputado pelo Estado do Rio de Janeiro sem produzir qualquer projeto, além de promover seus filhos e mulheres em cargos eletivos, povoando os gabinetes com funcionários fantasmas e depois ficando com boa parte de seus salários nas chamadas “rachadinhas”.

Por fim, chegarmos à formação do Governo com seus ministros invertidos. Destaque para a desastrosa política econômica de Guedes, um cidadão sem qualquer qualificativo para o cargo que ocupa, já testado e reprovado por outros.  Os vários que ocuparam a pasta da Educação e que eram adversários ferrenhos de universidades e universitários.  Aquele que ocupou o Meio Ambiente, mas era inimigo número um da natureza, das matas, dos rios e dos povos indígenas.  Os demais são tão ruins quanto incipientes.  Valendo dizer, no entanto, que em plena pandemia, a dança das cadeiras no Ministério da Saúde não foi suficiente para encobrir as dezenas de tentativas e falcatruas com vacinas e outras picaretagens.

Mas a despeito de tudo isso, para piorar, tem aqueles que abraçam situações incomuns sem vergonha ou preocupações outras, como aliás ocorreu ontem após o discurso nas Nações Unidas. 

Diante do mundo, o presidente mentiu de maneira descarada com números e fatos distorcidos ou inexistentes, facilmente detectáveis pelos simples órgãos do sentido humano.  A seguir, pudemos ver indivíduos o aplaudindo e dizendo que foi “sensacional”. 

Tudo, absolutamente tudo, o que Bolsonaro faz ou fala é vexatório e nada acrescenta de bom aos brasileiros.  Não há qualquer atitude sua, na agenda ou nos seus atos que representem avanço, solução ou algo que o valha.  Em nenhum campo, em nenhum tema.

Estamos caindo em todas as estatísticas boas e subindo em todas as ruins.  E isso falam médicos, cientistas, professores, artistas, políticos, juristas, jornalistas e o povo em geral, mas não... para os cegos “discípulos” do tirano genocida, certa está essa minoria de apaixonados que atua barulhentamente nas redes sociais, grupos de famílias e outros núcleos de descomprometidos com o país.

Não há explicação para não ter ocorrido o impeachment até agora.  Se compararmos Bolsonaro com Collor e de maneira extremamente inadequada, com Dilma, passaremos a entender que impeachment não é mais um instrumento popular, mas sim da vontade de um único cidadão, a saber, o presidente da Câmara dos Deputados.

Esse desabafo, não é só pelo “papelão” das últimas cenas nos EUA, também não é só pelos múltiplos motivos que citei acima, mas sobretudo porque tenho profunda preocupação com o que vai sobrar em mais um ano e meio de mandato desse “lixo”.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O medo em essência

 



Gabriel Gouvêa Gomes

Estudante de Filosofia



        O medo é algo fundamental na vida humana. Presente em todas as espécies que habitam este grandioso planeta desde o princípio. Ele pode ser algo real, irreal, concreto ou abstrato. Um sentimento tão peculiar e temido, uma sensação única que provém da angústia e pavor. E mesmo assim, um sentimento tão pouco compreendido e valorizado, muitas vezes até difamado. Entretanto, o medo, tem uma função extremamente importante na evolução das espécies, consequentemente, humanos.
        Primordialmente, o medo foi essencial para a sobrevivência humana, pois ele é uma sensação. Essa sensação está ligada a um estado em que o organismo se coloca em alerta, diante de algo que se acredita ser uma ameaça. O medo é um estado de alerta extremamente importante para a sobrevivência humana. O mecanismo mental em situações de pânico é relativamente simples. Assim, quando o cérebro identifica um perigo ocorre uma reação e cria-se a emoção do medo. Ou seja, o medo é um alerta para que o organismo fique atento a qualquer tipo de perigo, fazendo com que as espécies prosperassem. Porém, ele ultimamente vem sendo atrelado a certos receios da modernidade, como por exemplo: solidão, tristeza, etc. Ele é tirado de sua função primária e realocado a dilemas pouco debatidos e que causam espanto. O diminuindo a um sentimento simplesmente negativo e sem importância nos tempos atuais.
         Além disso, na sociedade contemporânea muito se atrela ao medo a questões que são um mistério, como por exemplo, a morte. É muito comum ver alguém que afirma ter medo da morte, mas como se tem medo de algo que não se conhece?
        “Não temo a morte. Já estive morto por bilhões e bilhões de anos, antes de nascer, e isso não me causou o menor incômodo.” Essa frase do escritor Mark Twain mostra que a morte já foi algo que “ocorreu” de uma certa maneira e que isso nunca causou incômodo. O fato é que a mente humana não suporta o mistério, por isso é tão fácil sentir receio pela morte. Muitas vezes o medo da morte está ligado ao ceticismo, entretanto é possível encarar o medo da morte com ceticismo. Tanto a ciência como a filosofia sugerem maneiras de aceitar a morte com serenidade. Existencialismo e niilismo, por exemplo, são filosofias que nos encorajam a aproveitar o máximo da vida, uma vez que, para os pensadores céticos, não existe nada depois do fim - e tudo bem. Temer o desconhecido é comum, entretanto meio irônico, não acha? É preciso lidar com certos mistérios de uma maneira menos pessimista, pois a morte independe de sua vontade. Albert Camus, dizia que devemos abraçar nossos abismos, ou seja, enfrentar nosso vazio e aprender a lidar com ele.
         Portanto, o medo existe desde os princípios da vida, se estabeleceu como uma das emoções mais básicas e importantes para a sobrevivência de qualquer ser vivo. Foi explorado diversas vezes pela arte, com o romantismo gótico, expressionismo alemão, etc sempre buscando as mais profundas sensações. O medo é uma sensação e emoção como qualquer outra, ele é necessário e importante, mas claro, não se pode ser exagerado. Em uma atualidade onde momentos tensos e aterrorizantes são extremamente comuns, é compreensível sentir medo. Todavia, é necessário se entender a importância, mas também garantir um pensamento saudável. As emoções, sensações muitas vezes acabam se transformando em gatilhos, em algumas circunstâncias positivas ou negativas. Basta, tentar ao máximo compreender os sentimentos e emoções e trabalhar em conjunto para que não se sai do controle.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Pai e mãe, garanto-lhes. Está tudo bem comigo.

Fábio Monteiro é um amigo recente.  O conheci por uma dessas felizes coincidências, embora eu realmente não goste de creditar às coincidências qualquer situação, pois penso muito nas ações da Providência. Isso sim.

O fato é que, dia desses, ao tomar um café com ele, conversávamos sobre pais e filhos, dentre outras coisas aprazíveis.  E foi aí que ele me disse algo que realmente calou-me fundo. Perguntado sobre o que me deixaria mais tranquilo e realizado na vida, revelei a ele que seria ver meus filhos bem, encaminhados e felizes. 

_Pois é!  Os nossos filhos pensam que o  melhor que podem nos dar é orgulho, uma boa formação, estarem ricos ou trabalhando em um bom emprego, quando na verdade, tudo o que queremos deles é que estejam BEM e FELIZES.  

Dai emendou:

_E o que você acha que mais deixaria seus pais, agora idosos, tranquilos, realizados e em paz? Por certo o mesmo que você gostaria de receber dos seus filhos.  

Entendi na hora o recado. 

A gente nasce, cresce, dá um monte de trabalho aos pais.  Estuda, arruma um emprego e casa, sem aliviá-los das constantes preocupações conosco.  Descasa, fica doente, perde o trabalho, enfrenta dificuldades de diversas ordens e agrega, nos agora velhos, ainda mais preocupações. Que presente maior eu poderia dar então aos meus pais, que representasse uma real libertação desse sofrimento permanente, a eles impingido, desde meu nascimento?

Nada seria maior e mais reconfortante do que declarar-lhes que tudo está bem comigo.  Mas não falsamente.  Não de maneira “ensaboada”.  Mas afirmar com convicção o que de fato é, ou seja, fui forjado ao longo de minha vida, no sangue, nome e caráter que eles (pai e mãe) me legaram ou edificaram em mim.

Já por isso, aliás, só por isso, sou capaz de enfrentar quaisquer provas com resignação, coragem e altivez.  Tenho deles o melhor que puderam me dar.  Determinação, vigor, criatividade, honestidade e honradez.  Tivessem me dado apenas dinheiro, ainda que muito, ou se ocupassem apenas em satisfazer-me os caprichos e desejos, por certo hoje eu estaria fraco, dependente, desprotegido e muito desesperado.

Ao compreender isso, prometi ao Fábio que, quem sabe no Natal ou quiçá na próxima visita que lhes fizesse, lhes entregaria, num envelope, uma pequena cartinha contando como tudo está bem.  Como tudo é bom em minha vida e claro, graças a eles, aos seus muitos esforços, preocupações e orações.

O texto seria mais ou menos assim:

“Pai e mãe.  Vim aqui hoje só pra tomar um café e lhes dizer que está tudo bem comigo.  Tudo maravilhosamente bem.  De saúde, não posso reclamar.  E a vida segue saborosa, surpreendente e feliz como vocês sempre sonharam pra mim.  Então, muito obrigado, pois sou e estou exatamente como deveria estar.  Pleno de motivação, gratidão e serenidade.  Cheio de boas lembranças e amor no coração decorado com seus muitos exemplos ”.

O triste é que eu saí daquele café com Fábio, mas logo me distraí com vários outros afazeres.  Dezenas ou mais vezes visitei meus pais desde então, mas não lembro de ter feito a carta ou sequer ter dito isso a eles.

Com atraso, embora nunca tarde demais, agora escrevo.  Em parte pra não me esquecer, mas também para alertar algum desavisado que passe por aqui como a perguntar-lhe:  E você, agradeceu seus pais hoje?  Disse a eles como vai tudo bem? Já lhes deu esse grande presente?

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O GOLPE JÁ FORA DADO




Marcelo Gomes 

Doutor em sociologia




    Nunca será demais lembrar as sábias considerações de Umberto Eco sobre a contemporaneidade e sobre a nossa condição de vivermos sob o legado da Idiocracia. Esse termo, além de ser o título de um filme de humor, se popularizou muito por descrever uma tendência à precarização inerente a uma democracia das massas entregues à sua indigência cultural. Esta, produto de uma péssima educação combinada com uma cultura de massa esvaziada e uma degradação das condições profissionais nos mais diversos setores. O humano por detrás da produção não condiz com o patamar tecnológico ou civilizatório. Chame-se esta crítica de elitismo, mas o fato é que minha geração forjada pelos abjetos e inúteis programas de auditório televisivos fora sucedida por outra geração forjada nas bolhas sombrias e conspirativas da internet. É claro que o fosso seria menor caso houvesse um devido preparo educativo, político e científico do cidadão. Mas não há. 

    E é por isso que a voz de Umberto eco — com perdão do trocadilho — ecoa soberana. Dizia ele: “a TV já havia colocado o idiota da aldeia em um patamar no qual ele se sentia superior. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. E complementa dizendo que a internet deu voz a uma legião de imbecis. A imbecilidade sempre existiu. Não é monopólio de nossos tempos. Longe disso. Mas ela antes não se arvorava a “senhora da verdade” como o é hoje. Claro que há problemas por detrás do mito da autoridade do especialista, nem sempre certo e, por condição humana, falível. Outro problema era o monopólio da mídia e do jornalismo tradicionais, que se constituíram como o quarto poder justamente por serem capazes de condicionar toda uma nação. Mas se por um lado éramos manipulados por grupos da elite econômica e das comunicações, poderíamos ao menos permanecer nos marcos de certa qualificação técnica. Hoje estamos entregues ao mesmo jogo manipulador, mas agora movidos por gabinetes controlados por milícias digitais e influenciadores tão vazios quanto suas estantes de livros. Ou pior, pelos tios e tias do whatsapp e pelos grupos teóricos da conspiração. O populismo é sedutor. Dizia outrora Castro Alves que a praça é do povo como o céu é do condor. A nova Ágora está tomada pelo povo, mas o povo sem o preparo é presa fácil dos punguistas, aliciadores, charlatães, fundadores de seitas e vendedores de fármacos duvidosos. Vendem-se elixires para os males do corpo e os males da alma, mas todos eles falsificados. A retórica populista encanta os desavisados como outrora os discursos de Hitler nos botequins — antes do idiota da aldeia ser promovido a chanceler — encantava o alemão mal formado e constrangido pela crise da década de 30. Vender respostas simples para problemas complexos é especialidade do populista e origem de grandes tragédias, já que invariavelmente são falsas, como prediz o sábio aforismo de Henry Louis Mencken. 

    Neste 7 de setembro, no dia de celebração de uma independência feita pelo alto, pudemos contemplar todo o horror da idiocracia. Certamente a grande maioria dos cidadãos brasileiros jamais participaria daquela grotesca pantomima criada artificialmente por um governo que claudica e vislumbra a cadeia, mas ainda assim alguns milhares de brasileiros se deram ao trabalho de saírem de suas casas para sustentar o indiscutível pior presidente que já governou o Brasil. E olha que já tivemos muitos candidatos a “péssimo presidente”. Mas este que aí está ultrapassou e muito até a Hermes da Fonseca, Figueiredo ou Collor. Este certamente é um presidente à altura do filme acima descrito, no qual o planeta, devastado por uma crise ambiental e societária criada pela idiotização generalizada, era dirigido por um presidente performático típico destes grupos ou programas de auditório. Como a Itália é o berço da ciência política e de Maquiavel, era de se esperar que ela antecipasse esse movimento em décadas, como foi com a eleição de Berlusconi. Mas convenhamos que nosso “Berlusconi” é muito pior. E é o ícone pop que na idiocracia tem as credenciais para ser um governante, bem diferente do sonho de Platão e de seu rei filósofo. Na política idiocrática vigora o lema paradoxal menos é mais. Levam isso ao pé da letra. 

    Neste 7 de setembro a turba enraivecida saiu aos brados vociferando contra o STF e pedindo ou autorizando um golpe de Estado a ser dado pelo próprio chefe da nação. Parece incrível e surreal, mas esse é o Brasil que temos pra hoje. Uma população que exige uma ditadura, a censura e o fechamento da casa de seus representantes. Também pede destituição dos ministros da suprema corte por estarem fazendo seu papel, que é guardar a constituição e encarcerarem criminosos. Ou seja, é a população que todo Talibã pede a Alá. Essa parte culturalmente miserável da população brasileira clama por um golpe, mas o golpe já foi dado em 2016. Por pior que o leitor queira avaliar o governo de Dilma, ela era honesta, foi democraticamente eleita e sem nenhum truque ou impulsionamento artificial das milícias digitais. Os grupos políticos e midiáticos adversários viram uma oportunidade e agarraram, mas o método usado corrói qualquer democracia. Tribunais de exceção, juízes parciais, vazamentos telegráficos e novelização da temática da corrupção deseducam o cidadão, fazendo-o crer que a política é somente um pardieiro sujo composto por pilantras. Isso destrói qualquer institucionalidade e ninguém se beneficia disso. Os golpistas foram surpreendidos pelo idiota da aldeia que estava no lugar certo na hora certa. Foi alçado a chefe de uma das maiores economias do mundo. Agora temos a economia destruída, um caos sanitário, mais de meio milhão (afora a subnotificação) de mortos pela covid e escândalos de uma família íntima a toda sorte de crime típico das máfias. O Brasil e o povo brasileiro já foram golpeados e agora essa parte miserável da população brasileira precisa ver e ouvir a outra parte que prefere não se expor ao ridículo daquele espetáculo bolsonarista. O governo Bolsonaro afundou antes mesmo do impeachment e é preciso que as pessoas tomem ciência disso.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Da estiagem à independência.

O período é de uma seca sem igual.  Eu, particularmente, não me lembro de uma estiagem tão prolongada e tão devastadora quanto essa. Perdi a conta do tempo em que estamos sem uma chuva de verdade.
Rios baixos, plantas morrendo, poeira por toda a parte e ar sem umidade.  Acho mesmo que a Terra, pelo menos nesse quinhão onde me localizo, está definitivamente se transformando em um grande deserto. 
Já me falaram que aqui, no interior de São Paulo, não chove nos meses que não trazem "r" no nome.  
Mas a escassez não é só de água. A danação é a escassez de consciência, de um mínimo de responsabilidade e bom senso por parte de uma fatia da população desse país, que insiste em defender o indefensável.
Ocupado com afazeres pessoais dos últimos dias, havia me perdido das notícias, vídeos e tantas outras informações acerca da política nacional que sempre gostei de acompanhar.  
“Refazedor” em amplos sentidos, meu final de semana me proporcionou entrar em contato novamente com os canais que sigo e tomar conhecimento de vários comentários nas redes sociais.
Me deparei com coisas risíveis e outras nem tanto.
Aliás sobre isso, antes de mais nada, quero salientar que pouco me importa a questão moral que envolve a vida afetiva do presidente.  “Corno” ou não, o fato é sua conivência e contribuição em um processo escandaloso de peculato a ser investigado mais a fundo e punido rigorosamente afim de registrar, de vez, que Bolsonaro jamais esteve alheio às rachadinhas ou a qualquer outro ato de corrupção praticado pelos seus cônjuges, filhos e protegidos.
Também não me causa interesse as afirmações de Maia quanto a orientação sexual do Bozo. Como presidente da Câmara dos Deputados que era, ele então devia ter apresentado, enquanto podia, os muitos pedidos de impeachment que recebeu contra o presidente e manteve engavetados.
Essas coisinhas acabam, ainda que involuntária ou indiretamente, por apequenar a gravidade do momento, que consiste nas ameaças dirigidas às instituições de poder e seus representantes, feitas com total clareza e desinibição.
Iniciadas pelo próprio inconsequente que habita o Alvorada é repetida pelo seu séquito de perigosos descerebrados sem a menor cerimônia. Alguns vão muito além do exagero a ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal de morte.
Bolçonaro, acuado por um mar de acusações contra si e seus filhos, não consegue se concentrar em mais nada. Por isso convocou seguidores para manifestações de rua no simbólico 7 de setembro. Inflamou gente maluca com seus impropérios.  Gerados por uma competente maquinação cibernética, esses cordeiros, não só se encaminham para o cumprimento inquestionável das ordens de seu “mito”, como contribuem financeiramente ou por meio de postagens que exibem, sem filtro, a ignorância do que apoiam.
Nesse cenário que acaba por vexatório, estamos diante de um golpe anunciado, embora improvável, que pra vergonha de todos nós, fica como está, sem qualquer outro tipo de reação ou atitude, seja por parte do Judiciário (mais atacado), seja das tímidas lideranças políticas do país. Uma ressalva para as atitudes corajosas e precisas do Ministro Alexandre de Moraes que não tem dado descanso esses agentes do caos.
Com relação às pretensões do presidente, ficamos observando de um lado as Forças Armadas e os muitos militares das polícias estaduais que nos são ainda uma grande incógnita, sobretudo por conta de certa divisão que ainda se vê nos quartéis. Por outro lado, nem devíamos ter esse tipo de dúvida. Servidores públicos cuja função é a garantia da democracia e a defesa da Constituição, já teriam por lógica sua posição nessa questão. Vamos ver.
Mas e aí?  O que nos cabe nisso tudo?  Ficar sentados em nossas salas de estar esperando o desfecho dessa aflição?  Assistindo as mobilizações de rua de ambos os lados e torcendo como quem segue um campeonato de futebol? Ou vamos também para as ruas reforçar nosso lado sem saber ao certo o que fazer?
Setores da esquerda conclamam para manifestação paralela como que a medir forças e inibir os pró governo no que poderia acabar em um perigoso confronto. Sempre valorizei os manifestos.  Mas há coisas a se lembrar aqui.
Primeiro que os autoproclamados “patriotas” do presidente, fizeram primeiro o chamamento para esse dia 7. Além disso, precisamos estar alertas para não “tocar tambor pra malucos” ou correr riscos desnecessários fornecendo instrumentos para os adversários.
Quem pode ter forjado uma facada, pode ir além. Puxemos na memória episódios inesquecíveis como o escândalo do Rio Centro. Devíamos ter aprendido que não se briga frente a frente com quem joga sujo.
Por isso, particularmente, penso que não é dessa maneira que mostraremos garra ou unidade. Negligenciar ou desfazer de tudo isso também não é alternativa. Fingir que está tudo bem e que o “cachorro morto não morde” não vai ajudar a trazer de volta o espírito fraterno de nossa combalida e dividida pátria.
Mesmo porque podemos ter uma oportunidade nesse cenário. Vai que conseguimos realizar o livramento, tirando de vez o auto imposto “rei” de seu trono.
Eu disse "auto imposto", mas será?
Dor, tristeza, morte, devastação, atraso e o ápice da corrupção, são resultados inefáveis que encontram, no autoritarismo dos tiranos, seu “adubo”.  A humanidade já viu seus tiranos de outrora.  Eles não chegaram em naves espaciais.  Nasceram entre sua gente e muitas vezes foram eleitos democraticamente. Foram alçados ao poder com apoio inegável.
Para nosso consolo ou esperança dos historiadores, no entanto, é também a partir das sanguinolentas tiranias, ou precisamente da revanche a elas imposta, que a civilização acorda para ações de lucidez que geralmente impulsionam para o resgate da liberdade e progresso.
Ainda assim, teria sido melhor que a semente da tirania bolsonarista tivesse perecido no seu brotar, sem a necessidade de tanta perdição. O atraso a que fomos submetidos pelo retrocesso desse desgoverno carecerá de décadas para ser subjugado.
Bolsonaro é desses tiranos eleitos.  Mas como isso aconteceu afinal?
Tudo começou, não custa repetir, por brasileiros terem dado ouvidos a um imbecil como Aécio Neves, que perdendo a eleição, recusou-se a aceitar.
Também tem culpa o segundo mandato de Dilma por não exigir da mídia que quase lhe causou a derrota, um compromisso com a verdade e principalmente depois por deixar figurinhas gananciosas como Temer e Cunha respirando no centro do poder com canetas nas mãos.
Por fim inclua-se a ingenuidade do povo que acreditou na “faxina” chamada Lava Jato que gerou, isso sim, um estrago sem tamanho no país. 
Seus promotores no Paraná, chefiados pelo falso “superman”, esculhambaram com a Economia brasileira aprofundando uma crise sem precedentes e assinada por Moro, Dallagnol e sua patota. 
Desde o golpe que nos tirou uma presidenta honesta até chegarmos aqui, não há o que contar de bom, de razoável ou de singelo que tenha valido à pena. Mas quem arquitetou esse golpe e que por esse intermédio nos legou Bolçonaro, acabou conseguindo o que queria.
Eles são os mesmos de sempre e que atuam na defesa de pesados interesses. São "despachantes do poder" que ocupam espaço no Legislativo aos poucos. Hoje, boa parte batizada de bancadas da bala, da bíblia e do boi. 
Votam suas leizinhas facilitam um negocinho aqui, outro ali e vão levando de governo em governo.
Vorazes, queriam avançar ainda mais. Então precisaram de um "laranja". 
Mesmo tendo tirado o principal oponente do rumo das urnas, não emplacaram nenhum dos nomes que tentaram construir. Foram então buscar uma pobre alma, estúpida o bastante para exaltar um torturador em plena "Casa do Povo".  Um “zero a esquerda”, membro do “baixo clero” e que jamais produzira qualquer coisa de útil.  
Inflado e encantado por esses "obreiros do inferno", Bolsonaro começou a demonstrar certo jeito pra coisa. A força maior veio de Bannon e dos mecanismos de comunicação por ele arquitetados.
Adorador dos Estados Unidos e deslumbrado pelo poder, o ex-deputado foi o alvo perfeito. Só não imaginavam que um dia lhes fugiria ao controle.
Esses monstros, disfarçados de bons cidadãos, possuem uma agenda e provavelmente a jogaram em Bolsonaro assim que eleito.
Há o grupo que defende a liberação das armas com a desculpa da proteção patrimonial enquanto que o que quer é garantir o domínio nos latifúndios.  Para um cara com possíveis ligações com a milícia carioca, liberar armas não custava nada e Bolsonaro pode até ter tido um enorme prazer em faze-lo.
Outra parte é composta por aqueles que dizem defender a liberdade religiosa, a família e os bons costumes. "Homens de fé" que desejam mesmo é continuar a explorar gente humilde e de boa vontade ensinando inclusive pelas rádios e canais de TV que para receber de Deus, antes é preciso doar para os CNPJs das igrejas. 
Por fim uma terceira turma salvaguarda das demandas do agronegócio. Não o agricultor da economia familiar, mas as grandes corporações sem compromisso com o combate à fonte, sem qualquer contrapartida na promoção de emprego e completamente adversária do meio ambiente.
Piores que Bolçonaro são esses que ainda precisam dele para distrair nosso povo.  Por isso seguem mantendo engavetados os pedidos de impeachment  enquanto se refastelam nos banquetes financiados pelo tesouro nacional.
Espalhando o medo e aversão ao comunismo, prometem que os pobres poderão usufruir daquilo que eles propagam, como outrora fizeram os conquistadores se utilizando de espelhinhos e retalhos de seda.
Sem escrúpulos, não se importam se com isso causam revolta contra um partido político ou contra um simples ativista como o padre Lancellotti.  Só querem que o povo se ocupe contra si próprio enquanto eles continuam sua ação devastadora nos corredores do Congresso.
E Bolçonaro?  Como um bobo da corte, é por eles permitido, suportado, enquanto ainda útil. Desprovido de bom senso, ele nem se vê como tal, acreditando mesmo que comanda o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e as forças da natureza.
Extrapolando por culpa de quem o aplaude sem critérios do cercadinho todos os dias e pelos bajuladores (militares e civis que compõem sua corte), acredita-se capaz de comandar uma revolta sem precedentes. 
Exaltado ao extremo, ele quer dar seu grito de independência, livrando-se das amarras dos demais poderes e das ameaças iminentes contra si e seus filhos, suspeitos até os cabelos da prática de vários crimes.
Olha, temos uma oportunidade aqui. 
Quando Collor recorreu ao apoio popular, foi empurrado ladeira abaixo pelo povo
De repente, no caso de Bolsonaro é o que nos resta a fazer a partir de sua própria iniciativa.
Afinal, temos tudo para vencê-lo de maneira correta.
Uma constituição incrível, comunicações livres, tanto para suas mentiras, quanto para os esclarecimentos necessários e desnudar das FAKE NEWS.  Contamos ainda com o olhar do planeta que foi negligenciado pelo nosso presidente desde que assumiu.
Como vínhamos de uma boa relação com os outros povos, dá pra dizer que a Terra inteira está preocupada com nossa democracia.  
A exemplo de outros, como Trump, Bolsonaro pode ser defenestrado a qualquer momento e não haverá quem o socorrer.
Para tal, no entanto, não podemos ficar alheios. Não digo ir para o enfrentamento das praças.  Não hoje.  Só que devemos nos importar, conversar, estabelecer troca de impressões.  Devemos nos manifestar nas redes sociais, nos grupos de famílias e mesmo diante de amigos e clientes com quem muitas vezes evitamos o debate afim de não prejudicar as relações. Desfazer as névoas que encobrem as mentes e corações de tantos companheiros iludidos pela força de algoritmos a serviço do mal.  Precisamos fazer isso urgente, pois estamos agora tratando de liberdade, de modelo de vida, de futuro e de esperança.
Para nossa ação contundente, não faltam argumentos.
Temos um presidente que não fala em emprego, não fala em combate à fome, não fala em justiça social.  Não defende a educação. Menospreza o meio ambiente.  Deixou rasteiros e lobos controlando a saúde. Escarnece da cultura e das artes.  Briga e planta discórdia entre tudo e todos, dentro e fora do país.  Distrai as turbas enquanto o “vendilhão” da Economia atua a sequestrar as riquezas naturais nos muitos conchavos que esvaziam nossos cofres e celeiros.  E pra piorar, diverte e alimenta aluados de “boa vontade” que saem as ruas se achando patriotas a gritar por armas, intervenção militar e outras asneiras démodé e ilegais sob a gargalhada do “centrão” e suas bancadas da miséria.
O discurso dos defensores desse governo é uma reedição do modelo fascista, que vencido no passado, foi ressuscitado por falsos moralistas, fanáticos e doentes da alma.  Desse discurso não sobra um só pensamento em favor do Homem, da vida ou da harmonia. 
E poxa, no fim a data é propícia. 
Durante anos no 7 de setembro, ocupei com companheiros diversos os desfiles cívicos de minha cidade, mas não para exaltar a falsa festa da independência.  Fazíamos questão de invadir as fileiras e erguer cartazes para alertar contra as ações sub-reptícias que a cada ano liquidavam nossa soberania e os direitos dos trabalhadores.
Como independência não tivemos mesmo até hoje, quem sabe agora, o grito dos excluídos não se faz ouvido e mais alto que o reclame dos vorazes e cegos mantenedores da exploração que encontraram, na causa dos bolsonaristas, a distração que precisavam para alardearem sua podridão sem serem notados?
Se de uma só tacada, livrarmos o Brasil desse louco e da corja de legisladores que o alimenta, teremos concretamente motivos para festejar a independência
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Brasil da Esperança, Rio Preto da Esperança.

É na eleição municipal que a democracia fica mais evidente, pois é nas cidades que os cidadãos de um país podem se manifestar de maneira mai...