quinta-feira, 26 de setembro de 2019


Ágatha

Texto publicado pelo DL News
 
23/09/2019 
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Indo para escola, passeando ou voltando para casa. Portando uma mochila escolar, um guarda-chuva ou uma furadeira. Trabalhadores, crianças, mulheres.  Quase na sua totalidade negros, pobres, mortos em ações descomprometidas com as mais óbvias regras de segurança. Essa é a triste realidade da violência brasileira com forte destaque para o Rio de Janeiro.
Abatido na frente da família com 80 tiros, no próprio carro, ou morta aos 8 anos pelas costas, ao lado da mãe. No Rio se vai dos 8 aos 80, quando o lema é matar.

Sempre se acreditou na barbárie como resultado da enorme distância social que se agrava nesse país.  Mas tem sido a partir de um discurso inflamado de gente que acredita na violência para combater a violência, que tudo se transformou dessa forma.

Ah, vai dizer que antes estava tudo na paz?

Não. Nunca haverá paz enquanto houver injustiça, desigualdade, preconceito. Mas a morte de inocentes vinda de autoridade, de pessoa eleita para garantir o bem comum, ou de profissionais que deviam proteger, pode desencadear uma guerra civil trágica na nossa sociedade.

Acreditar no poder de fogo, das armas, para promoção da harmonia é visão turva, como é turva e contraditória a fé de quem se diz cristão, mas aposta na morte do pecador e não no fim do pecado.

E as mãos sujas de sangue são de quem manda, de quem obedece e de quem elege ou defende. Algum tempo atrás, alguém achou bonito esbravejar. Falar mal de todo mundo.  Babar com ódio contra isso ou aquele.  Agredir com palavras os discordantes. Vociferar contra as minorias. Defender a posse livre de armas. Combater os adversários com ferro e fogo.  Parece que funcionou.  Deu destaque em quem era tão apagado quanto um nada. Colocou-o no cargo maior.

Dali a pouco, um bando de idiotas passou a pegar carona nessa "vibe”.  Contaminou gente nas cidades e estados.  Uma onda desumana de irracionalidade. Até que um ou outro, passasse a uma posição de relevância e transformasse seu falatório eleitoreiro em plataforma de governo.

Eleito, que bom.  Bora executar.  Pouco importa se é coisa de gente ou de bicho. Da Ibope, manchete.  Bota para quebrar.  "Vamos atirar na cabeça”. Não foi bem isso?
Pronto.  E assim, agora é a pequena Ágatha Vitória, de 8 aninhos, que entra para as infelizes estatísticas.

Em queda de braços, família quer provar que não havia qualquer confronto.  A polícia, por sua vez, declara o contrário. Mas o que importa se era ou não confronto?  Quem morreu?  Quem levou a pior?  Quem foi o culpado?  Quem vai ser punido?  Quem vai trazer a menina de volta?  Quem vai garantir a tranquilidade da boa e honesta gente que mora naquele lugar e que é, sem dúvidas, a maioria?

Eu lamento.  Lamento só, não.  Eu protesto. Pouco adianta meu brado.  Vai mudar nada não.

Mas declaro assim mesmo minha indignação.  Porque acho que não vai parar.  Não vai acabar.  Não vai sequer diminuir se a gente só assistir.
Enquanto loucos estiverem no comando de qualquer coisa e enquanto irresponsáveis continuarem a admirar e eleger esses loucos, que nomeiam outros loucos, nunca terminará.

Por enquanto a comunidade ao Alemão fez uma manifestação pacífica e modesta.  Mas penso que dias virão em que o morro virá a baixo, ou o chão irá acima na defesa de tanta gente oprimida.

Confronto?  Aí sim vai ter. Enquanto alguns promovem campanha de prevenção ao suicídio, bastante séria por sinal, ainda tem gente que comemora o "pseudosuicídio” representado pelo assassinato constante de indefesos que simplesmente e descuidadamente insistem em viver em locais que desagradam e incomodam as elites.

Balbúrdia

Texto Publicado no DL News - 09/09/2019 
Eu sei contar. Mas não sei contar multidão. Também não importa quantidade.  Importa?
Por isso não sei dizer quanta gente passou, no domingo de manhã, pelo anfiteatro da Represa Municipal, onde gente feliz, de todas as partes da cidade, fez acontecer uma balbúrdia daquelas.
Tinha livro, tinha quadro, tinha varal de bordado, tinha música, ginástica, canto e teatro.  Tinha alegria, tinha emoção, tinha partilha e tinha festa. Tinha até café.  Eu tomei.
Protestar assim é o jeito mais transgressor de desobedecer. 
Isso mesmo.  É desobediência celebrar com arte e cultura, canto e poesia, liberdade e alegria, diante de um governo sombrio que aposta na desunião, na tristeza e na carranca.
Lá, entre sol e brisa suave, falou-se de meio ambiente, de igualdade social, de escola e hospital inclusivos, de formas diferentes de amor.  Ouvi algo em torno de comida sem defensivos.  É isso mesmo.  Orgânica, real, saudável... vida.
Tá bom.  Tinha partido também.
Tinha entidade, tinha textura, bandeira, camiseta e cartaz. Não vamos pensar que tudo isso caiu do céu. Afinal, lutar pelo melhor do mundo é coisa pra quem tem cara, posição. Só não tem medo.
Mas eles e elas, ah elas... falavam das mesmas coisas.  De tal forma que no final estava tudo colorido e com todas as cores representadas.
Senti um orgulho enorme.  Grandeza mesmo. Um misto de alegria e vitória, cada vez que me virei e vi um cidadão de bem.  Uma guerreira ou um outro indivíduo igual a mim. Aspirando e expirando, transpirando os mesmos sentimentos meus.  Era a certeza de estar do lado certo. Mais uma vez.  Uma convicção de saber-se um arauto da liberdade, da democracia. Do certo e do justo.
Caramba. Se eu era moleque em 64, agora eu sou adulto. E estou lá. Pra falar de flores, pra brigar pela paz.
Pra ensinar pros meus filhos, para aqueles que convivem comigo, que se a gente não for lá, todo tipo de mudança, será sempre pra pior.
Idosos, crianças, jovens, adultos.  Médicos, encanadores, professores e desempregados.  Andarilhos e ciclistas, casais em passeio e mesmo policiais.  Todos deram as caras.  Todos aplaudiram aqui ou ali.  Todos riram, muitos choraram.  Há quem dançou.  E por isso, há quem dançará ainda mais.
E sabe?  Pelo jeito não vai parar por aqui.  Que bom!
Dessa vez não me furtei ao meu compromisso.  Ao chamado.  À vocação de patriota verdadeiro.
Sim eu fui.  Sem lenço e sem documentos, com a certeza de que amanhã será outro dia e seguiremos caminhando e cantando, como nossos pais já fizeram um dia.

Como se o caso fosse torcer

Texto Publicado no DL News -
6/08/2019 
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Dos 147.306.294 eleitores brasileiros aptos a votar em 2018, somente 39,24%, praticamente um terço do eleitorado, votou em Bolsonaro. Hoje o índice de apoio ao atual presidente é o mais baixo da história, registrado para o mesmo tempo de mandato, consolidado em 33%. Mas observe que nesse caso, o percentual é sobre os entrevistados e não necessariamente só eleitores.
E pasme na coincidência.  É de 17% (alusão ao seu número de campanha) a quantidade de brasileiros que dá nota zero ao seu desempenho. E sou eu quem torço contra?  Sou eu quem não apoia o cara? Sofro acusações desse tipo sempre que posto algo, nas redes sociais, em crítica ao governo.

Então vejamos. Será que dá para definir, em linha geral, quais as principais ações positivas do governo Bolsonaro?  Ou fica mais fácil apontar as "patuscadas”, para não falar dos grandes desastres provocados até agora?

Quando abre a boca, Bolsonaro gera problemas gravíssimos nas relações exteriores, perante grupos de defesa dos Direitos Humanos, com impactos negativos imediatos ao Mercado, junto ao Congresso e resvalando em vários setores da sociedade. Antes mesmo da posse, suas falas desastrosas já davam prejuízos, com exemplo, a saída dos médicos cubanos, causando um "buraco” não preenchido em centenas de municípios até o momento desassistidos.

Enquanto escrevo essas linhas, ainda repercute "no mundo” a deselegância e crueldade de Bolsonaro na sua declaração sobre a morte do pai do presidente da OAB nos porões da ditadura que ele, contraditoriamente, insiste em afirmar que não aconteceu.

Sua agenda é uma piada.  Outro dia, foi ao cinema com a esposa em meio ao expediente.  E teve o famoso almoço com Amado Batista em Goiás.  Sem falar em vácuos inexplicáveis sem quaisquer compromissos, num dia a dia de presidente da República cujo país está desesperadamente necessitando de ações concretas e urgentes. E ainda é preciso lembrar que durante uma viagem sua, o filho, que é vereador no Rio de Janeiro, foi a Brasília para "tocar a agenda” do pai, num flagrante desrespeito ao que seria uma "agenda oficial de presidente”.

Acabar com o horário de verão, flexibilizar leis de trânsito, facilitar o acesso a armas para o cidadão comum (mesmo contrário à maioria da população), regulamentar o ensino domiciliar, foram algumas atitudes do governo que geraram gozação e crítica.  E veja que nem citei o fim da tomada de três pinos.

Sobre as questões que envolvem ou indicam nepotismo, nem dá para a gente se afirmar surpreso.  Não bastasse a contratação de fantasmas como prática anterior à presidência, nos gabinetes da família, a nomeação de um sobrinho para assessor sem cargo já indicava que haveria outros apadrinhamentos do tipo durante seu mandato.  Mas o que ninguém sonhava era com a nomeação do próprio filho, sem qualificativos, para uma embaixada, sobretudo a americana. O ministério montado por ele, além do largo aproveitamento de militares em cargos de primeiro e segundo escalão, também carrega em si, todas as vergonhas do que se poderia esperar de uma equipe de comando da nação.  

Dentre os componentes, o desgaste também é diário.  Como no caso do primeiro Ministro da Educação que gerou polêmicas ao chamar brasileiros de "canibais” ao viajar.  O contingenciamento nas universidades, mal explicado com o uso de chocolates pelo seu substituto, provou depois que trocamos seis por meia dúzia. Ambos, aliás, indicados por Olavo de Carvalho, o guru do presidente que defende que a Terra é plana, ou pelo menos diz que nada refute isso.

Mas continuando a mencionar seu "primeiro escalão”, lembremos das falas desastradas da Ministra Damares que começou com o famoso "menino veste azul” e foi ao manual de bruxaria nas escolas. E não foi só ela quem forjou currículo. Passando rápido pelos demais, lembramos o caixa 2 de Onix, que "arrependido”, foi perdoado pelo colega Moro.  Tem ainda a demissão de Bebianno, num episódio digno de "casos de família”, o despreparo cintilante do Ministro das Relações Exteriores e os vazamentos do ex-juiz e atual ministro da Justiça, que torna dispensável comentar sobre a derrota na questão do COAF.

Eu poderia parar por aqui.  Mas não dá pra esquecer o discurso em Davos de apenas 6 minutos que, por sinal, disse absolutamente "nada”.  Nem posso fingir que não me incomodei com o "lamber de botas” perante o governo norte-americano, sobretudo na entrega gratuita da Base de Alcântara, no "bater continência” para a bandeira estadunidense e na desobrigação (unilateral) do visto para que os americanos entrem no Brasil.

Enquanto se lutou insanamente pela aprovação da Reforma da Previdência, discutível sob todos os aspectos, a economia brasileira se viu prejudicada por contratos rompidos, vendas canceladas e outras represálias de "parceiros” que já preferiram procurar outros mercados.

Enfim, dá para encher folhas e folhas de motivos para que esse governo não dê certo e não deixe o Brasil crescer. Quem faz vista grossa para tudo isso é que não apoia o país.  E apenas para manter uma posição equivocada que defendeu durante o pleito. São cidadãos permanecem na defesa cega de um projeto prejudicial que já promoveu a devassa em riquezas naturais, empresas públicas e outros itens de nossa soberania. Insistir nisso é que representa não torcer pelo país.

Malditos Novos Tempos

Ah, os falsos sorrisos nas redes sociais.
Como é triste constatar tanta felicidade de fumaça.
É alguém realmente feliz a esse ponto? O tempo todo, como faz parecer?
Não confundem essas pessoas todas, instantes curtos de alegria, às vezes até moderada, com felicidade?
Braços dados e abraços com estranhos, pessoas de pouca afinidade.
Copos nas mãos representando a notória necessidade de um apoio moral para suportar o momento, quem sabe a vida.
Quase sempre são festas ou ambientes coloridos, lugares lindos, em que ao invés de admirá-los, na ânsia insana de mostrar a alguém, que na verdade pouco se importa conosco ou com o que estamos fazendo, nos distrai e desvia a atenção, contraditoriamente diminuindo nosso próprio aproveitamento do momento.
Eu mesmo uso muito das redes sociais.
Gosto de divulgar o trabalho da empresa, estampar as atividades do meu grupo político, de quando em vez deixar registrado algum "flash" de família reunida, ou ainda fazer minha crítica contundente e permanente do governo espúrio que fizemos chegar ao poder.
Mas também sei que não tem muito sentido.  Pouquíssimo ou nenhum resultado prático.
Facebook, Instagram, Twiter, WhatsApp e outros, tornaram fácil a comunicação, mas a banalizaram também.
Dezenas de outros aplicativos, aproximam pessoas que são capazes de destruir uma vida, enquanto nos colocam em desvantagem no contato com quem verdadeiramente amamos.
Deviam ser proibidos, vigiados, abertos, afim de que não fizessem tanto mal ao mundo.
As evidentes e indiscutíveis facilidades trazidas pela internet, trouxe também consigo um mundo novo e diferente, que sem perceber, excluiu uma boa parcela de seres humanos.
Gente sem acesso ou das antigas que ainda prefere o telefone ou a campainha da sala, estão de fora desse grande jogo, desses brinquedos impróprios para maiores de 50, 60 anos, ou que vivem em lugares onde nem luz elétrica chegou.
Inadequados para quem ama seus filhos, seu cônjuge, seus velhos pais.
Trazem amigos desconhecidos do alem mar, enquanto nos impedem de conhecer o vizinho da casa ao lado.
O que fazer então?  Desligar-se de todas elas?  Das redes sociais mais conhecidas?  Dos aplicativos de relacionamentos?  Como que numa vacina contra a desumanização e o carinho?
Sim.  Às vezes estamos querendo ali, carinho e atenção que vamos buscar no teclado, desprezando o filho que brinca ao lado esperando as migalhas que quase nunca rolam da escrivaninha.
Palavras fáceis de se digitarem, nos encantam e conquistam, enquanto o companheiro ou companheira espera no sofá da sala com um saco de pipocas para um bom filme que de novo, ficará adiado.
Eu não sei.  Penso mesmo que já não há mais lugar para a felicidade nesse mundo de tão ágil informação.
Apenas para instantes de alegria.  Tão passageiros e insólitos quanto o são os novos modelos de APs a serem baixados e aprendidos.
Tenho acordado muito cedo.  E me dedicado um pouco a leitura. Isso tem me feito muita diferença e minha vida toda está mudando, acredite, muito por causa disso.
Mas só consigo seguir esse plano com disciplina se acordar bem cedinho, pois o faço enquanto todos dormem.  Até que um filho, do quarto ao lado, cutuque o WhatsApp afim de perguntar-me se está na hora de levantar.
Sim, meu filho.  Está na hora de todos levantarmos... da mesa do computador ou a cabeça nos ombros distanciando-nos do celular.  Pois a vida está passando e muitos de nós ficando pelo caminho.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Filé à Cubana

Se vivo o camarada Antônio Roberto Vasconcelos, o Vasco, completaria hoje 103 anos.
Isso mesmo.  Nascido no Rio de Janeiro quando a cidade ainda era  Distrito Federal (capital do país), no dia 20 de setembro de 1916, ele morreu em 31 de dezembro de 2009 vítima de um aneurisma cerebral.
Ainda jovem, mudou-se com os pais para o Mato Grosso e mais tarde alistou-se no exército, cumprindo serviço militar em Campo Grande, dando baixa anos mais tarde como 3º Sargento.
Lá, no Mato Grosso do Sul, conheceu dona Alda com quem casou-se tendo três filhos (dois meninos e uma menina).
Foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) profissionalizando-se e estudando em Moscou Teoria Histórica, Marx e aplicação dialética.  Voltou da União Soviética como quadro revolucionário.
Cumprindo suas tarefas, foi vereador em Campo Grande e quando ia assumir cadeira como deputado estadual, teve seus direitos cassados pelo golpe militar.
Dirigiu o jornal O Democrata que viu ser invadido, destruído e ter seu maquinário descartado em um rio.
Foi perseguido e ficou escondido, longe da família.
Mais tarde o "partidão" o mandou para outras missões.  Foi assim que acabou parando em São José do Rio Preto, embora morasse em Adolfo (cidade próxima) exercendo a função de Contador num escritório indicado.
Foi preso em Mendonça após ser reconhecido por um oficial enquanto almoçava com Dona Alda.
Na prisão, transferido para Campo Grande, nunca foi torturado pois era tido por pessoa dedicada a todos.
Ao longo de sua trajetória conviveu com importantes figuras do partido como Marighella e o próprio Prestes.  Mas foi mais tarde,  encontrando-se com Aloysio Nunes, na época militante do mesmo PCB, que retornou para a ativa, tendo recebido dele, as instruções para as próximas tarefas.
Apreciador de uísque, consta a mim que seu prato predileto era o Filé a Cubana.  Hoje, em sua homenagem, para jantar com meus filhos, foi o meu pedido.
Dentre as muitas coisas que aprendi com Vasco, as que persigo são: manter o bom humor, entender que a roda da história sempre gira e que devemos ouvir primeiro para falar depois (o que ainda me é difícil). No entanto, Vasco aprimorou meus conceitos políticos e me fez querer estudar mais.
Ao seu lado, eu e outros camaradas reativamos,  em meados de 2003 o Partido Comunista Brasileiro em Rio Preto e mirando sempre em seus exemplos, tenho perseguido o entendimento do que é mais importante conhecer quando se deseja melhorar o mundo.
Personagem de muitas histórias, talvez a mais engraçada passagem dele que conheço foi quando Assis Brasil (grande proprietário rural) contratou capangas para matá-lo.  Esses, terceirizando a tarefa, buscaram um matador profissional que cobrou uma fortuna.  Ao receber o dinheiro, o contratado procurou diretamente Assis Brasil para informar que se algo acontecesse ao seu padrinho comunista, ele mesmo mataria o fazendeiro.  Depois foi até a casa de Vasco, sua vítima, para contar-lhe o ocorrido e darem juntos boas risadas.
Vasco adorava bater longos papos com minha mulher, Caroline, que também o adorava.  Dizia pra mim que um bom militante deve ter com quem se inspirar todos os dias.
Não sei onde Vasco está agora.  
Ao contrário dele, acredito na multiplicidade das existências.  Mas seja lá onde estiver, alguma, com certeza, estará aprontando.
Avante Camarada!!!

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Aceiro


QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO.


Em tempos de redes sociais nos quais as notícias voam, sejam boas, sejam ruins, protagonizar qualquer tipo de situação pessoal ou profissional, pode ser perigoso caso não fique tudo muito bem claro.
A bem da verdade, nenhum ser humano deve satisfação de seus atos, nem mesmo palavras, salvo se pessoa pública.  Artistas e políticos, dado à influência que exercem, devem sim tomar certos cuidados e ser comedidos em atitudes e opiniões.
Quando se trata de pessoas simples como eu e minha família por exemplo, fica até feio querer dar qualquer tipo de esclarecimento sobre assuntos que somente nos dizem respeito.
Então por que escrever aqui sobre minha vida pessoal e a daqueles que me cercam?
Pelo simples motivo de que minha história pessoal escrita por mim, meus queridos filhos e mulher é bonita demais para correr o risco de sofrer rabiscos e rasuras.
Afinal é bem isso que as redes sociais podem provocar.  Deformações num cenário lindo e digno de muito respeito.
As famosas Fake News não respeitaram as eleições presidenciais, não respeitam celebridades e nem mesmo tem preservado a saúde pública, já que dicas de emagrecimento e outras interferências irresponsáveis já provocaram aumento de doenças e outras tragédias em menor ou maior grau de prejuízo.
Imaginem o que não pode fazer em vidas tranquilas e pacatas que simplesmente querem continuar sua trajetória natural.
Daí eu me adiantar escrevendo essas linhas sobre “nós”.  Isso mesmo. Sobre mim e os amores de minha vida. Um aceiro para evitar que chamas indesejáveis atinjam a plantação.

A FINITUDE DAS COISAS

Muita gente já compra um carro pensando no seu potencial de comércio na hora de se desfazer dele. 
O mesmo talvez aconteça quando pessoas com esse pensamento adquirem um bem imóvel.
Passagens aéreas de ida também são pensadas com relação às opções de retorno antes de serem confirmadas.
Também, ninguém quer assinar um contrato e ficar preso na hora de desfazê-lo ou transferi-lo para outro responsável, o que sugere pensar no seu final antes de subscrevê-lo.
Pois é. Em muitos casos, pensar no fim é importante antes da decisão inicial. Principalmente quando essa decisão é séria e seus efeitos vão perdurar por muito tempo.
No entanto, embora o número de divórcios seja enorme e a separação já não seja complicada do ponto de vista jurídico, eu acredito que pouquíssimas pessoas se casam pensando em quando ou como o casamento vai acabar.
O sim do matrimônio é algo profundo demais.  Há testemunhas, um ritual (civil ou religioso) e um componente que não há em qualquer outra relação de negócios como as expostas.  O amor.
Instituído num passado remoto, ainda pelas tribos nômades, o casamento é uma das tradições mais antigas da humanidade.
As mudanças históricas o marcaram e o transformaram ao longo do tempo.  A maior influência veio do cristianismo, mais particularmente do catolicismo, onde seus líderes visavam proteger os interesses das coroas aliadas à Igreja.
Os primeiros modelos de casamentos, contudo, surgiram bem lá atrás, nas comunidades tribais para impedir que os grupos familiares ou de afinidades se desfizessem, o que incluía mesmo o casamento entre irmãos ou primos.
Mais tarde, os anglo saxões passaram a utilizar desse expediente (o casamento) para estabelecer alianças importantes e relações diplomáticas entre seus países, reinos e terras, protegendo interesses econômicos ou políticos. 
O casal era então o que menos importava e quase todos os casamentos eram infelizes, sem amor ou fidelidade, alguns dos quais celebrados entre adultos já velhos com crianças inocentes.  Horrível e incrível, né?  Mas costumeiros e bem aceitos por toda a sociedade da época e sob as bençãos de Bispos e Papas.
Sua indissolubilidade era fundamental para evitar que esses casais infelizes se separassem pondo fim ao “pacto” entre coroas.  E de novo, a Igreja foi essencial para garantir isso, estabelecendo regras de alta condenação aos “infiéis” que decidissem pôr fim à essa avença consubstanciada na união conjugal. Uma “ofensa direta contra Deus”, pregavam.
Só no século 15 começou a discussão em torno da dissolução dos casamentos que passou a ser parcialmente “aceita”, ainda que com grande restrição e preconceito. 
Cerca de 300 anos depois, o casamento começou a deixar de ser ato exclusivamente religioso e independente de crenças ou inexistência dessas. A união civil passou a ser praticada em algumas sociedades, sem qualquer vínculo religioso.
Se formos avaliar, ainda hoje, a discussão em torno da instituição casamento, seus formatos e sua eficácia, persiste sem muito consenso.
Ninguém ignora o “bafafá” que gira em torno do casamento homoafetivo em algumas regiões do planeta e até de nosso próprio país.
E devemos sempre lembrar que a hipocrisia nunca deixou de estar presente na relação matrimonial, mesmo das melhores famílias ou coletivos de alto nível social.
Parece até que, quanto mais posses na família ou sobrenome de peso, menos feliz ou verdadeira é a união.
Sabemos muito bem que sempre houve grandes casamentos de fachada.  Seja para “encobrir a barriga” de uma gravidez não planejada, seja para ocultar a homossexualidade de um dos cônjuges.  Tudo para perpetuar um “bom” nome ou herança.
Por toda parte também há quem dê mais importância às músicas, decoração ou fotos, enfim à cerimônia, do que ao próprio futuro do casal e ao compromisso que estão assumindo. 
Não raro, esse tipo é mais presente entre gente de classe média que sempre sonhou em ascender a outra condição na escala social.  Por isso querem encenar a entrada triunfal rumo ao altar, como nobres se aproximando de um trono.  Mas quer saber?  Isso já está meio que caindo por terra.  Nem todo mundo pode mais se dar a esse luxo. Cerimônias de casamento costumam ficar caríssimas e quase inviáveis para grande parte das pessoas.
Graças a Deus, pois maior que esse teatro é a firme aliança entre noivos e seus familiares mesmo que celebrada em um quintalzinho simples da periferia.
Na minha opinião o que o casamente realmente tem de bom é a possibilidade de reunir duas almas que se querem bem, encontram lógica em construírem juntos um futuro e constituir uma família estruturada material e emocionalmente.
Assim, quem celebra em público ou intimamente essa decisão, na maioria das vezes, deve ter esse desejo e propósito e tão somente isso. 
Ao contrário de décadas passadas, ninguém se casa mais só pra fugir de um pai ou mãe repressores, morar junto com alguém que goste ou justificar qualquer outra questão.

AS NOSSAS ESCOLHAS

Quando conheci Caroline, em final dos anos 80s, encontrei alguém com sonhos, ideias e pretensões muito próximas as minhas.  Por isso o namoro se prolongou.  E foi firme, diário e concreto até seu termo 10 anos depois quando decidimos nos casar de vez. Até então, uma única briga séria nos tinha afastado por 30 dias.
Era uma relação bem normal entre adolescentes.  Daquelas em que ambos se veem todos os dias, contrariando os pais e irritando os amigos num grude “insuportável” para quem não está apaixonado e divide o mesmo espaço.
Mesmo assim, sempre soubemos de nossas pretensões nada confluentes no futuro.  Que em algum momento nossas vidas tomariam rumos diferentes.  Caroline mesmo, sempre me contou seu sonho de morar no exterior e pasme, não em um lugar fixo.  Mas que lhe permitisse estar constantemente em trânsito, conhecer o mundo.  Se vai ou não fazer isso algum dia, não me pertence.
Isso só fez aumentar em mim uma grande admiração por aquela menininha.  E esse plano repito, ela nunca escondeu de mim e nem o perdeu com o passar dos anos.  Nem com as conquistas da última década, quando nossa vida se transformou bastante, colocando-nos mais confortáveis.
Eu, por outro lado, sempre ligado à política, nunca escondi meu apreço pela militância constante e dedicada.  Portanto, estava claro que após a família criada e constituída, começaríamos a dar nossos passos em direção, cada qual, ao seu projeto.
Realizá-los era e é secundário. Planejar e sonhar isso é que sempre foi legal.  Afinal de contas, o mais gostoso da viagem é o percurso.
Enquanto juntos, sob o mesmo teto, o que já perfaz 30 anos, eu e ela celebramos demais nossa união.  Vivemos a construção diária de nosso lar, morando em casas sempre agradáveis e calorosas, mesmo quando não luxuosas ou grandes, mas que nunca compramos por motivos óbvios. 
Geramos lindos filhos.  Por nós dois foram, são e serão sempre extremamente amados.
Os criamos com ótimos princípios, embora trouxessem, eles próprios, características e caráter lindos. 
Nunca deixamos de imprimir-lhes na personalidade o gosto pela busca contínua de conhecimentos, o apreço às artes e a ciência, as práticas da retidão e o amor incondicional à humanidade em todas as suas formas.
Sempre juntos, como pai e mãe que seremos eternamente, estaremos ao lado de cada um dos três, mesmo que distantes ou já donos de si por completo.
Ao mesmo tempo, fomos edificando um belo castelo. 
Erguemos com trabalho e afinco, tijolo a tijolo, sem esmorecimento e repletos de coragem, um sólido negócio.
Sempre com apoio de amigos, sócios e colaboradores ao longo do tempo, enfrentamos dias difíceis, situações assustadoras e momentos de grande provação, que incluíram até doenças.
Hoje, ao olharmos para traz, podemos nos dizer realizados quanto à vida profissional, ainda que pese não termos, nenhum dos dois, seguido de fato a intuição ou aptidão de cada um.  Ela a medicina, eu o jornalismo. Nos formamos juntos em Administração Pública, o que acabou por ajudar.
Como parceiros amalgamados nas ideias, Carol e eu permaneceremos à frente de cada uma das empresas que compõem o grupo, ao lado de Edinilson, cuja força tornou possíveis as maiores tacadas.
Ele aliás já era amigo de Caroline antes de eu a conhecer, sendo hoje, meu amigo especial, sócio e irmão que comigo e com ela, divide o peso e a alegria dessas realizações.

DIAS DE DECISÕES

Quando completei meus 50 anos, no ano passado e Caroline “sua idade atual” (nunca se revela a idade de uma mulher a ninguém), enfim nos pusemos a pensar e a projetar os próximos passos de nossas vidas.
Conforme planejado, conquistamos nossa cidadania portuguesa e por um ano inteiro, seguimos dando andamento aquilo que sabíamos não poder mais ser adiado.
Assim, fomos todos, nós e os filhos, novamente a uma viagem à Europa, dessa vez de 21 dias, para avaliarmos uma porção de detalhes.  Dentre eles a possibilidade ou não de manter um ponto de apoio e porque não dizer, um QG por lá.
Ficou bem certo que ela seria a precursora a levar para além do Atlântico, as marcas que nos sustentam hoje no Brasil.
Ora, nada mais correto que começar a jogar sementes de um negócio vitorioso aqui, para que continue seu crescimento também no exterior. Além de tudo é questão de reforçar a solidez, segurança e proteção aos nossos parceiros.  Eles, os franqueados, verdadeiros aliados e envolvidos em nossa odisseia.
A escolha do país se reforçou na nossa ancestralidade, no mesmo idioma que falamos e se baseou, sobretudo, a uma oportunidade gritante de Mercado a se explorar. 
Pesquisas demonstraram o quão propício está o Mercado português ao nosso formato de operação. 
Não nego, no entanto, que nossa escolha considera também o fato de sermos empurrados por uma política desinteressante praticada pelo atual governo brasileiro e que não nos representa.
Ainda que mude, o que sinceramente espero, poder dar a meus filhos as condições objetivas de viver em outra terra me alivia.
Uma vez decididos era então preciso explicitar, principalmente aos mais íntimos, pais, demais familiares e amigos, o que estava por vir.
Uma separação que ocorreria com data marcada, só que sem brigas entre nós, sem ódio, sem que nada de errado tenha sido feito por qualquer um dos protagonistas. E com a manutenção de uma parceria quase celestial.
Nem todos são capazes de compreender isso.  Fato.
Apesar de não precisar, seria bom também explicitar aos conhecidos, colaboradores, parceiros e outros, o porquê dessa decisão, até para não correr o risco da situação ficar à mercê das interpretações.
Interpretações essas que podem machucar ou macular uma comunhão maravilhosa de duas almas.
Se optamos no passado ao casamento público, sujeitar seu encerramento da mesma forma ao conhecimento geral é no mínimo adequado e respeitoso.
Principalmente quando marido e mulher partilharão o trabalho, os filhos e os projetos arrojados de uma internacionalização.  Sobretudo quando permanecem muito amigos, cumplices e solidários em todos os campos de suas vidas.
Sócios até mesmo em alguns projetos pessoais.
Não se pode permitir invasão da privacidade além do desejado e nem consentir que cizânias sejam plantadas, por quem quer que seja, para corroer a confiança que norteia nosso futuro.  Antecipar-se então parece ser a melhor maneira de evitar tudo isso.
Arrojada, Caroline organizou uma festa de despedida.  Seu “bota fora” para Portugal.  A princípio sem revelações mais íntimas.  Com explicações apenas sussurradas aqui ou ali. 
A festa contribuiria muito para os passos seguintes. Por isso o convite a familiares e amigos mais próximos.
Na sequência, a viagem sozinha e demorada de 30 dias para Portugal que visava preparar terreno e arquitetar o passo a passo para o início do plano.
No seu retorno, trouxe a lição de casa e juntos começamos a execução do projeto. Em sua bagagem de volta, análises, planos de negócios e o mais importante, contratos que deverão ter início de vigência imediato.
Agora, o desfecho.  Mudar-se para outro endereço e começar sua vida de peregrina, sem as amarras do casamento e permitindo aos meninos, um desapego, sem diminuir-lhes carinho e afeto.
Não há mais volta.  Sua rotina, bem como a minha e de meus filhos, estão violentamente transformadas.  Mas a solidez emocional de todos está assegurada, garantida pelo planejamento que traçamos todos juntos e as claras.
Carol agora viverá de maneira itinerante, lá e cá, além de buscar novos portos onde fincar nossas bandeiras.  Até chegar um momento, que não voltará mais, salvo para matar saudades de sua terra natal e daqueles que ficarem por aqui.
Mas por onde andar, fincará as bandeiras do grupo, de suas tão sonhadas marcas e caberá a nós segui-la nesse desafiador caminho, erigindo escritórios e sucursais mundo afora.  Deus assim o permita.
A mim, cumpriu o dever de ao lado de meu sócio e da estrutura matriz, reforçar a raiz e permitir esse crescimento consciente e sustentável mundo afora de nossas marcas.  Dois de meus filhos já estão comigo e até o pescoço nessa tarefa.
Como sempre quis, em paralelo, vou retomar minha atuação nas fraternidades e partidos políticos que nunca deixei de fato, mas atenuei por anos.  Vou recomeçar o mais audacioso projeto de crescimento cultural, intelectual e político que jamais ousei finalizar.
Não que a vida a dois o impedisse, mas sobrará ainda mais energia.  E que fique claro, o incentivo maior veio de minha companheira de sempre com quem manterei a mais estreita e leal amizade.

E AGORA JOSÉ?
Como em todos os casos parecidos, os amigos bons torcerão favoravelmente, mesmo que pensem diferente.  Os que nos amam de verdade, darão sempre sua cota de contribuição em preces, ombros e mesmo presença constante em nossas vidas.
Já os curiosos, aqueles que existem por toda parte, mas que nem por isso são maus ou dispensáveis, ficarão pensando:
Será que vai dar tudo certo para vocês?
Será que seus caminhos (meu e de Caroline) vão permanecer entrelaçados para sempre?
Como ficarão seus filhos?
E com muito respeito e gratidão pela preocupação que sei ser sincera, respondo com tranquilidade, acreditando que Caroline concorde com cada palavra minha:
Tudo dá certo quando realizado com vontade, perseverança e competência, pilares que nunca faltaram a mim ou a ela em qualquer empreendimento de nossas vidas, sejam pessoais ou profissionais.
Nossos caminhos são irremediavelmente entrelaçados.  Somos almas gêmeas.  Amigos antiguíssimos na espiritualidade. A felicidade de um é o que mais interessa ao outro.  Nada e ninguém nos pode separar os corações.  Ainda que vivamos em continentes diversos, ou que um ou outro resolva unir-se a outro alguém em um novo relacionamento, a forma correta e sincera com que tudo se processou até aqui jamais implicará no final de um grande e verdadeiro amor.
Já nossos filhos ficarão onde sempre estiveram.  No centro, princípio e finalidade de tudo.  São os frutos muito amados de nosso amor incondicional.  O elo que nos une indissoluvelmente nessa e em qualquer outra dimensão.
Juntos e misturados, morando unidos ou em separado, somos e seremos uma linda família.
Quando o divorcio ocorre antes ou sem experimentar o fim do amor, evita que os deslizes, ódio ou decepções possam destruir as chances de uma história linda e que dure para sempre entre os dois.
Será que tudo ficou bastante claro?

FEDERAÇÃO

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