segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Um tal de seu José

 






Marcelo Gomes

Poema ao meu avô José







No mergulho das lembranças mais serenas

Par de olhos cintilando honestidade

Pele rota; uma expressão da lida árdua

Roupa velha desprezando a vaidade


Da origem, pouco nobre, se inclinava

Ante ao lema: de servir que ser servido.

Era um rei usando a pele de um plebeu.

Tendo terras, quis passar despercebido.


Da labuta só parava pra aguardar,

Perdulário da riqueza em alegria

Dedicando toda a vida para a terra,

Os festejos — sua prole reunia.


Pai austero de semblante oriental

Como a rocha junto ao mar que desafia

Pai zeloso que acolhe o pobre enfermo

Como estrela que constante lume guia

 

Conhecia as leis da terra e das monções

Com esmero preparava a plantação

Pelo afago e dos cuidados recebera

Da mãe Gaia a eterna gratidão


Cio da terra na lavoura de café

Ouro verde que o progresso acompanhou

Braços fortes, dedicados, que cuidaram

Gentil solo que a semente despertou


As videiras trabalhadas e vistosas

Floração do cafezal que exalava

Alvas flores com seu manto um bom perfume

Doce vida que das leivas germinava

 

Lindos bosques, arvoredos, capoeiras

Preservados: o fascínio ambiental

Das nascentes cristalinas bela seiva

Mata a ânsia do sedento e do animal.

 

E exibia com esplendor conhecimento

Um agrônomo, geólogo, botânico

Segurava com seus calos sua família

Como um Atlas segurava: um titânico.

 

Mas os deuses que figuram na história

São quimeras, criações da humildade.

Meu avô, de carne e osso, também falho

Sua queda demonstrava humanidade.

 

O prelúdio do retorno do trabalho

Sabiá que no arrebol cantarolava

A enxada junto aos ombros dos colonos

Exibia a linda terra que sulcava

 

Percorrendo aquelas sendas ladeadas

De paineiras que estas sombras projetavam

Um artista cujas tintas eram sonhos

Que na tela da fazenda se expressavam

 

Artesão cujo cinzel era uma enxada

Esculpia a fértil terra bravamente

Fez da vida a mais robusta ferramenta

Como o cedro, seu exemplo é imponente

 

Do vermelho da hematita oxidada

Germinavam lindos frutos como filhos

De seus campos de tombadas terras férteis

Se veriam imigrantes em seus trilhos

 

Nova Espanha desabrocha como um lar

Nos recônditos do estado interior

Juventude junto às praças namoradas

Nesta terra meu avô encontra o Amor


Nas memórias cujos frêmitos das mãos

Com orgulho os seus calos exibia

Agitadas eram mãos trabalhadoras

Mãos afáveis que a todos estendia.


Se um afago ao seu caçula não faltou

Se nas dores e horas tristes nem um ai

Das sementes que caíram em solo fértil

A melhor que despertara foi meu pai


Como as folhas outonais que se desprendem

Foi silente redimir sem pejo e dor

Redimir com mansidão os torpes erros

Tão sublime por amar o próprio Amor



terça-feira, 1 de novembro de 2022

O direito de espernear serve pra tudo?

 

JUS SPERNIANDI: expressão usada no Direito que significa "o direito de rejeitar"

Diante daquilo que eu tenho ouvido ou lido, Bolsonaro não entregará os pontos facilmente e talvez, por apego ao cargo ou receio das penalidades a cumprir por tantos desmandos e crimes que cometeu, tente um “golpe” para não passar o governo e busque impedir a posse de Lula.

Enquanto silente, pois demorou mais de 40 horas para se pronunciar após os resultados, e quando o fez, sequer reconheceu sua derrota, alimenta de maneira irresponsável e criminosa os devaneios de uns tantos que fecharam rodovias, batem boca e até partem para agressões nunca dantes vistas. 

Muito provavelmente, como já fez antes, logo entregará os pontos decepcionando seus seguidores. Mas ainda teremos que assistir alguns absurdos como sua fala de 2 minutos que nada disse de concreto contra quem promove a baderna.

Bolsonaro não é o que se possa chamar de líder fiel.  Já abandonou vários apoiadores ao longo de seu mandato quando esses o prejudicavam ou ofuscavam sua “reluzente” imagem. Quem não se lembra de Alan do Santos, Sara Winter, os próprios irmãos Weintraub e mais recentemente Jefferson e Zambelli?

Sem falar na frustração do fatídico 7 de setembro em que deixou "a ver navios", caminhoneiros e outros integrantes do Agronegócio que viajaram para apoiá-lo no que seria o "dia D".

Também já ficou provado, alguns de seus escudeiros mais chegados o abandonaram quando tiveram algum lampejo de prejuízo ali ou vantagem lá. Muitos desses, por sinal, já até cumprimentaram Lula pela vitória, ontem mesmo. Todo vilão, na ficção ou vida real, sempre é cercado por bajuladores fracos e de caráter dúbio. E esse certamente é o caso aqui. 

Conta a história que ao perder o cetro do poder, os “monarcas” veem sua corte imediatamente se reinventar, se vender ao sucessor do rei posto. Por corte, entenda aqueles que, por enquanto, se beneficiam ou se regalam à sombra do palácio.  Essa gente, com certeza, já está se mexendo para se “aconchegar em outros lençóis”, ou então e mais logicamente, desaparecerá nas brumas de seus maus feitos sem querer chamar muito a atenção.

Isolado pelos que o rodeiam, uma hora Bolsonaro deixará claro que perdeu.  Assim que assumir a derrota, seu séquito, com exceção de alguns eleitores muito atordoados, deve abandoná-lo também.

Por isso não haverá golpe, reações muito maiores que as que estamos vendo, ainda que algumas “unidades policiais” façam vista grossa reforçando o discurso de manifestantes o que já foi mostrado em redes sociais. Se fossem professores brigando por salários ou o pessoal do MST, tanto a Polícia Federal quanto o Exército já teriam decido o cacete. Não há dúvidas.

Minha esperança reside na instituição salvaguardada por Alexandre de Moraes que deverá ser lembrado sempre como o grande protetor de nossa Democracia nos últimos tempos. Talvez surja um fato isolado aqui ou ali, quem sabe até chocante, mas nada que mereça preocupação geral e que suscite exército nas ruas, toques de recolher etc. Liderança forte, o Ministro conta com seus pares e é respeitado pelos chefes do Congresso.

Para golpe, mesmo entre os integrantes do governo, há muita divisão e não há firmeza de caráter e nem clima.  As nações do mundo reconheceram a vitória de Lula e o todo poderoso Mercado já está trocando de roupas nesse exato momento.

A mídia também se prepara, pois entendeu finalmente o estrago que provocou nos corações e mentes, desde que ajudou a engendrar o golpe que derrubou Dilma e colocou a Lava Jato no topo do mundo. Jornais, revistas e outros meios de comunicação causaram boa parte de tudo isso e claro, não gostaram nenhum pingo das consequências.

E tem mais.  Logo os bolsonaristas vão se lembrar que Dilma foi injustamente derrubada e ninguém fez nada contra ninguém, jamais provocando violência ou baderna. Igualmente quando Lula foi preso sem provas, ninguém bloqueou rodovias ou promoveu quebra-quebra, a não ser ficar na porta da cadeia manifestando sua lealdade.  Em 2018, Bolsonaro ganhou por conta dessas maquinações e do maior festival de “fake news” até então e novamente, ninguém fez nada para impedir sua posse, aceitando o resultado das urnas resignadamente.

Então eles começarão a perceber na verdade, quem quer implantar terror, ditadura, autoritarismo, ou pintar a bandeira com sangue.  Quem quer transformar o Brasil numa zona de guerra.  Quem não aceita a manifestação da vontade popular da maioria comprovada pelas urnas. Quem é arruaceiro de fato. Quem não observa as tão propaladas "quatro linhas da Constituição".

Além disso, há uma indignação que reputo vítima de manipulação mental. Mas nessas manifestações existem figuras que mostram um fundo perverso inquestionável.

O mais importante, no entanto, é o lado de cá entender que o Brasil sai muito ferido de tudo isso.  Metade de nossa gente não está feliz por enquanto.  Está decepcionada, brava e se sentindo mal. E não podemos descartar que continua sendo alimentada por uma estratégia tecnológica que poucos dominam. Seja do gabinete do ódio, seja das falsas lideranças cristãs que ainda conservam algum poder de dominação.

Ontem conversava com alguém que me perguntava com sinceridade: “Como pode ser se Bolsonaro estava tão na frente das pesquisas?"  E mesmo eu perguntando de que pesquisas ele valava, ele afirmava convicto de que há mais de dois meses Bolsonaro vinha muito na frente de Lula nas pesquisas. E eu sem entender.  Onde ele via isso? Já não tinha visto no primeiro turno que Lula estava na frente?

Ou seja, alguém lê alguma coisa que sequer sabemos o que é e de onde vem.  Aprenderam a ignorar os meios formais de comunicação e passaram a seguir apenas seus “confiáveis” canais de notícias e boatos. E isso é muito grave. Uma manipulação inacreditável que explica um pouco o tamanho da revolta que estão sentindo. Me lembrei imediatamente da obra de Aldous Huxley (O admirável mundo novo) que exibe a pregação subliminar nas pessoas desde crianças e rápido pensei no sucesso da propaganda nazista de Goebbels. Sim... perigosíssimo.

É difícil combater isso. Eles creem mesmo nessa realidade paralela. Pra eles aquele cenário é real. Portanto, tudo o que não pode ser feito agora é haver provocação pelos eleitores de Lula. Zombarias ainda que sem maldade.  Também não é hora de cobrar, apedrejar ou impor qualquer pensamento. E as piadinhas nas redes sociais, podiam dar um tempo. Pelo menos até que tudo se acalme. Esperar que isso venha do descerebrado presidente é perda de tempo.

Claro que eu entendo o grito contido na garganta de todos nós.  A necessidade de comemorarmos, extravasarmos. De um modo miúdo, até já o fizemos no mesmo domingo. Só que prolongar mais pode retardar a serenidade necessária para a boa transição, para o pronto restabelecimento de nossas vidas, do sentimento democrático e inclusive de nossa atuação profissional.  

Já já eles mesmos se virão prejudicados ou prejudicando seus iguais, atrasando a Economia e causando problemas a outras pessoas numa terrível contradição de quem se diz patriota.

Estou feliz?  Sim.  Muito feliz.  Realizado de fato com o resultado da votação.  Mas nessa alegria toda há uma lágrima contida pela cisão que se fez sentir. Afinal, uma metade da nação está em pé de guerra com a outra.

Aliás, pela primeira vez na vida, torço que a copa chegue logo. Ela que sempre perturbou os negócios, quem sabe venha ocupar a população e nos colocar juntos outra vez numa só arquibancada.  Sou avesso ao “Panis et Circenses”. Mas também era contrário ao voto útil.  Essa eleição me ensinou muito.

Devíamos esperar os próximos dias. Tenho que lembrar que, por mais que haja um plano maléfico de implantação da extrema direita e do fascismo no país e em certos lugares do mundo, esse, com certeza, não é o objetivo de boa parte de nossos irmãos brasileiros que apenas não comungavam de nosso ponto de vista ou cujos pensamentos estavam desviados propositalmente para outra direção. Acredito mesmo que a lucidez chegará pra todos e veremos nosso Brasil unido de novo.

Quem sabe se possa aproveitar desse grande e histórico engajamento político que a população brasileira assumiu de um tempo pra cá para finalmente envolver a todos num espírito de cidadania, reflexão e consciência política? Seria um ganho imensurável para as futuras gerações e algo verdadeiramente novo.

Claro!  Não defendo “passar pano” e esquecer o que houve.  Os crimes praticados por esse governo, os abusos, a inoperância diante da Pandemia, o discurso ridículo e venenoso do protagonista maior contra as minorias. O estrago ao Meio Ambiente, à Política Externa, à Educação e Cultura, à Saúde e Emprego que seu ministério horrível deixou. Mas defendo que a culpa vá a quem se deve dar.

Minhas redes sociais estão vazias de pessoas que, nos últimos dias, postaram “fake news” ou provocaram. Excluí para evitar mais perdas. No entanto, não deixarei de bem querer ou tratar com cordialidade aqueles que estiverem desarmados de mágoas ou sentimentos de ódio. Conversar e debater sempre. Pois é justamente essa unidade e conciliação que fará de nós um povo realmente patriota, que em nome da nação busque o melhor e o mais justo. Aliás esse foi o discurso da vitória de Lula na Paulista.

Penso que mesmo num vizinho e colega de trabalho que ainda me olham torto, há esperança de braços dados.  Consigo vê-los por trás da imagem do verdadeiro culpado. Bolsonaro é o vilão.  Sua corte (Damares, Salles, Mourão, Braga Neto, Pazuelo, Guedes, Milton Ribeiro, Queiroga, Heleno, Hang, Malafaia, Ciro Nogueira, Lorenzoni e outros) são os grandes comparsas. Podemos até acrescentar os neymares e leonardos da vida.  Mas os eleitores, não deixam, de algum modo, de serem igualmente vítimas dessa corja.

Brasil da Esperança, Rio Preto da Esperança.

É na eleição municipal que a democracia fica mais evidente, pois é nas cidades que os cidadãos de um país podem se manifestar de maneira mai...