segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Alto risco de eclosão de guerra global.

 

Foto: O GLOBO




Prof. Dr. Nilson Dalledone

nielsennielsen@gmail.com







Um terceiro grupo de porta-aviões, liderado pelo porta-aviões de propulsão nuclear CVN 69 Dwight Eisenhower, está agora no Mediterrâneo oriental, depois de partir da costa leste dos EUA, na semana passada. O porta-aviões norte-americano passou, às 9:00 horas de 28 de outubro, pelo Estreito de Gibraltar. Uma pergunta é inevitável: três grupos de porta-aviões para lutar contra uma pequena milícia cercada e quase desarmada, como o Hamas? Nem o mais ingênuo, entre soldados rasos, acreditaria nisso. A forma de fazer a guerra da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte é conhecida e consiste em devastar com artilharia e aviação países frágeis, para depois lançar a infantaria. Mas três grupos de porta-aviões contra a Faixa de Gaza, um território com cerca de 368 Km2?! Ria! Seria piada de mau gosto. Muitos governos temem que, caso Israel entre na Faixa de Gaza, pode eclodir a Terceira Guerra Mundial. 


Mas se os fatores iniciais da equação forem alterados, pode fazer mais sentido. A República Islâmica do Irã está avisando que poderá entrar em combate, caso Israel entre em Gaza. E isso já está acontecendo, ainda que as forças israelenses e norte-americanas estejam sendo repelidas e estejam sofrendo pesadas baixas nas tentativas de infiltração. O que, ainda, não se sabe é se Israel e os EUA vão iniciar a invasão em larga escala, para destruir o movimento de resistência palestino Hamas ou não. Do lado palestino, é crucial repelir toda e qualquer tentativa de infiltração do inimigo genocida, porque o território de Gaza é tão pequeno que não tem profundidade para recuos táticos. E há o risco de os colonialistas israelenses tentarem anexar, também, a Faixa de Gaza e irem exterminando gradativamente seus habitantes palestinos. Desse modo, por lógica, todas as perguntas anteriores são respondidas por si mesmas.


Qual o objetivo dos EUA, ao entrar numa guerra no Oriente Médio? A extrema direita israelense querer se livrar do HAMAS e dos palestinos da Faixa de Gaza é, apenas, um pretexto para os EUA, já que não faz nenhum sentido o imperialismo norte-americano lutar por uma pequeníssima faixa de terra desértica, mesmo tendo costa marítima. O que interessa para a alta burguesia dos EUA é tentar se apropriar dos recursos naturais de países da região. 


Nos últimos dias, Israel tem bombardeado constantemente os aeroportos sírios de Damasco e Alepo, com a intenção de destruir bases e armas iranianas. Porém, os iranianos já informaram que não perderam nada, porque ocultaram suas armas, munições e equipamentos em outros lugares. Por outro lado, Israel poderia desejar impedir que a Rússia trasladasse milhares de tropas para a região. Inútil, porque os russos já estão fazendo isso e nem Israel nem EUA conseguem impedir. Os aviões de transporte de tropas já chegaram às bases russas na Síria.


O vice-presidente de segurança russo, Dimitry Medvedev disse que a situação, no mundo, continua sendo extremamente tensa e que a culpa é, em grande parte, da OTAN que continua aumentando seu potencial militar, não só ameaçando a Rússia, mas também outros países. Dimitry Medvedev fez essas declarações numa reunião sobre dotação de pessoal das Forças Armadas Russas, referindo-se não só à zona de operações especiais na Ucrânia, mas também aos países vizinhos. 


Diante disso, a Rússia reforçará suas forças e melhorará o abastecimento de suas tropas que operam na parte oriental da Ucrânia. Entre outros desdobramentos, em 2024, será formado outro corpo de exército, com 07 divisões, 19 brigadas, 49 regimentos e uma flotilha. Anteriormente, o KP.RU informou que até o final de 2023 haveria expansão e modernização significativa das Forças Armadas Russas com a criação de dois novos exércitos. É, nesse contexto, que mais mil efetivos russos já chegaram à Síria, desde 10 de outubro. E a Síria é a porta de entrada para a África. Isso significa que a Rússia não diminuirá o combate ao terrorismo islâmico, não recuará diante do conflito na Palestina ocupada e continuará avançando na Ucrânia, onde dois exércitos criados pela OTAN já foram destruídos e um terceiro terá o mesmo destino. 


O enfrentamento é geral. Grupos terroristas, financiados e treinados por países da OTAN, estão preparando ataques na zona de distensão de Idlib, na fronteira sírio-turca, contra civis e tropas russas e sírias, informou o contra-almirante Vadim Kulit, Vice-Presidente do Centro Russo para a Reconciliação das Partes Combatentes (CPVS). Também, informou que a Síria e a Rússia tomarão as medidas pertinentes. Ainda, disse que a aviação da “coalisão antiterrorista ocidental”, lideradas pelos EUA, continua criando situações perigosas nos céus da Síria, por não respeitar os protocolos de desescalada e do espaço aéreo sírio. De fato, a aviação norte-americana dá constante apoio a operações de bandidos e terroristas.


Enquanto isso, o Ministro de Negócios Estrangeiros iraniano, Hossein Amir Abdollahian, disse que se os EUA não cessarem o apoio a Israel, o Irã poderá criar novas frentes contra os interesses norte-americanos. O Irã apelou para que os EUA considerem os interesses de todas as partes e pediu à Rússia que bloqueie, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, qualquer resolução que não corresponda aos interesses do povo palestino. O Irã está em consulta permanente com a China Popular, para criar uma frente unida, na ONU, contra as ações de Israel e dos EUA.


A entrada da infantaria israelense e norte-americana em Gaza pode provocar a precipitação de grandes confrontos no Oriente Médio. O braço armado do movimento HAMAS, a Brigada Kataib al-Qassam, assumiu a responsabilidade pelo ataque com foguetes contra a base militar de Raim, de Israel, localizada perto de Gaza, onde estavam concentradas grandes forças israelenses. Sabe-se que o ataque foi efetivo. Os combates não cessam e há possibilidade de a Brigada Kataib al-Qassam receber, por meio de túneis subterrâneos, novos armamentos iranianos, inclusive, mísseis portáteis antiaéreos. 


No terreno, segundo o Hamas, a invasão israelense e norte-americana já começou, com ataques em três eixos principais, rompendo a linha de frente, em três pontos, no norte da Faixa de Gaza. Também, há fortes combates ao centro. Ainda que os invasores tenham içado bandeiras em alguns prédios, até o momento, seus avanços foram mínimos. Enquanto isso, a resistência palestina cresce continuamente, aumentando as baixas israelenses e norte-americanas. 


O Hamas passou a utilizar táticas de guerrilha, atacando os agressores com armas ATGM e RPG, acossando sem cessar o inimigo e obrigando sua infantaria a combater em túneis estreitos, onde não podem empregar suas vantagens tecnológicas e em recursos. Nos combates iniciais, foi possível perceber o alto grau de preparação e adestramento das forças do HAMAS, mesmo considerando que se trata, apenas, de uma milícia, quando se compara a outras milícias que os imperialistas norte-americanos enfrentaram no Oriente Médio.


A ironia é que o movimento HAMAS foi criado pela Central de Inteligência Americana – CIA e por serviços de inteligência israelenses, para derrubar Yasser Arafat, o grande líder palestino. Por isso, conhecem muitas das táticas usadas pelas forças especiais norte-americanas. Por outro lado, em tempos mais recentes, receberam intenso treinamento no Irã e contam com forte apoio das autoridades desse país. Ainda que se trate de guerrilhas e que não contem com o mesmo adestramento de forças especiais de exércitos regulares, estão melhor preparadas do que os talibãs afegãos que conseguiram expulsar os EUA e seus aliados anões da OTAN de seu país. As guerrilhas do Hamas passaram a ser uma ameaça sem precedentes para os EUA.


É preciso considerar que os palestinos contam com um complicado sistema de fortificações, túneis e bunkers sob a Faixa de Gaza que visam a isolar e destruir qualquer força atacante e foi o que aconteceu às forças israelenses e norte-americanas, no início dos combates terrestres. Não esperavam tamanha resistência palestina. Puderam perceber que as fortalezas que há sob a Faixa de Gaza são muito extensas e perigosas do que supunham. A maior parte dos analistas militares concorda que a sondagem feita pelas forças israelenses, para calcular a capacidade de combate palestina, chegou a conclusões insuficientes. 


Nos próximos dias, israelenses e norte-americanos tentarão, novamente, fragmentar as linhas de defesa palestinas, porque sabem que qualquer rompimento traria consequências catastróficas para os defensores. A Franja de Gaza tem profundidade nula, sendo ao norte de, apenas, 6 km e ao sul de 11 km, numa extensão de 40 km, numa área que não ultrapassa 368 km2. É um enclave muito pequeno. Por isso, mesmo com as vitórias iniciais da Resistência Palestina, os colonialistas israelenses e norte-americanos, mesmo numa guerra de desgaste custosa, têm todas as possibilidades de vencer, exceto se os palestinos convencerem os agressores de que os resultados da batalha não valerão a pena. O convencimento só terá efeito pela via militar, porque, de resto, simplesmente, não levam a sério e nem dão ouvidos a “conversas”.  


Em outra frente, há dois dias, ao anoitecer, caças F-16 norte-americanos lançaram dois ataques contra grupos pró-iranianos na província síria de Deir Ez-Zor. Os alvos eram o posto de comando, na aldeia de Abu Kemal, e um depósito de armas, na cidade de Mayadin. Segundo informações da linha de frente, não houve baixas e os militantes foram evacuados a tempo. O chefe do Pentágono informou que esses ataques ocorreram como represália por ataques a bases norte-americanas no Iraque e na Síria. Mais uma vez, em resposta, as forças pró-iranianas lançaram ataque com drones contra a guarnição norte-americana do aeroporto iraquiano de Erbil e outro ataque contra Camp Umar, na Síria. Os imperialistas norte-americanos, então, aceleraram a retirada de efetivos do Iraque. 


O desespero norte-americano é perfeitamente compreensível. Com a economia em bancarrota e risco de guerra civil interna generalizada, a alta burguesia norte-americana está tentando controlar todo o petróleo do Oriente Médio, o que é vital, também, para todos os países da OTAN, privados de gás e petróleo russo, como consequência de sanções que aplicaram contra a Rússia, com a intenção ingênua de colocá-la de joelhos, imaginando que se tratava de mais um país quase colônia que dominariam facilmente pelas armas ou de um país, onde poderiam mudar o governo, facilmente, tal como aconteceu, em 2016, com o Brasil.


E as chamas da guerra total vão se acendendo. Ainda, durante sua visita à China, V. Putin ordenou que aviões MIG 31K passassem a patrulhar o Mar Negro, para o caso de ocorrer alguma tentativa da OTAN de chegar às costas da Ucrânia ou caso seja necessário mandar para o fundo do mar os porta-aviões norte-americanos no Mediterrâneo. 


Também, não se sabe quantos Posseidon estão nos oceanos, prontos para riscar do mapa tudo que houver nas costas marítimas dos EUA. O Posseidon é o veículo submarino multipropósito de propulsão nuclear não tripulado equipado com uma ogiva termonuclear de 100 megatons, o que equivale a 6250 bombas atômicas semelhantes às lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. É impensável seu poder destrutivo. Também, mais e mais silos com mísseis Avangard estão sendo posicionados. É praticamente impossível a defesa contra o Posseidon e contra os Avangard. E essas são, apenas, três das novas armas russas contra as quais os EUA não têm defesa. 


Se a alta burguesia norte-americana tomar a pior decisão, o desastre será inevitável. Os acontecimentos no Oriente Médio podem ser o fiel da balança, porque o Irã, também, já avisou que arrasará Israel com seus mísseis hipersônicos Fattah, construídos com a ajuda tecnológica russa... E assim por diante, rumo ao precipício.


Estar pronto para o pior não é aviso de alguém pessimista. Acredite! Ajude a romper o bloqueio dos monopólios da informação do Ocidente. Informe as pessoas. Aguardo as informações de suas fontes. 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

RECONHECIMENTO: OS MUITOS ERROS COMETIDOS POR LULA


Por 

Marcelo Marani

Consultor de Marketing




Não adianta colocarmos a sujeira para baixo do tapete, a história registrará aquilo que guardamos em segredo e que ninguém admite publicamente, nem mesmo os contrários da direita sectária. 

Vamos falar dos erros que o Lula cometeu na sua trajetória política, principalmente quando ocupou o cargo máximo do nosso país, na presidência da república. E, convenhamos, não foram poucos. Enumerei os principais, representando o que mais perturbou e causou espécie entre os opositores, gerando o ódio eterno e infinito que até hoje persegue a sua caminhada, onde quer que vá. 

Para compreendermos a extensão e profundidade desses erros, temos que entender que vivemos num país ocidental, de origem colonialista, terceiro mundista, acostumados a sermos colonizados e adorarmos a elite pequeno burguesa a quem devemos honras e glórias, amém. O nosso povo não sabe viver com independência, em seu subconsciente, carrega a necessidade de ser tutelado por ditos benfeitores que, apesar de arrancarem o seu couro até os ossos, prometem defendê-lo de todo e qualquer mal que venha de fora. Uma dependência mais forte que aquela causada pelas drogas. 

Mais precisamente falando, os brasileiros tem medo da liberdade e da independência, recusam-se a sair das jaulas que estão trancafiados, mesmo que as portas estejam abertas.

Essa questão, Freud tenta em vão explicar e os psicanalistas já jogaram a toalha. 

Num país dominado por estranhos medos e receios, entra um presidente libertário, progressista e anti-imperialista, que abre as portas dos calabouços, arranca do solo os troncos e  pelourinhos, joga fora os chicotes e escancara o igualitarismo e a equidade econômica para todos, ricos e pobres, brancos e negros, gente da cidade e do campo. Êpa! como assim? O carro parou. O que os cachorros que o estavam perseguindo fazem agora? 

Pois foi esse o efeito dos governos petistas entre a população. Alguns entenderam e bem aproveitaram o momento para saírem dos casulos onde se encontravam aprisionados e foram às ruas experimentar o delicioso sabor da liberdade e da prosperidade em um ambiente salubre e propício ao labor e crescimento. Malditos sejam! Vociferavam os que se recusavam a sair das suas masmorras. Voltem para o calabouço, que é o seu lugar! O sol é para os nossos ídolos, não ousem se banhar nos seus raios luminosos! Voltem, voltem, ou os traremos à força!

Lula errou demais ao dar aos pobres a oportunidade de se tornarem médicos, advogados, engenheiros, cientistas, catedráticos, empresários bem sucedidos e mestres em diversas áreas das ciências, das artes e da economia. 

Lula errou em provar ao mundo que um país de terceiro mundo pode ser a bola da vez na economia e importância para todo o planeta.

Lula errou ao governar e admitir que o fazia pelos pobres, pelos desfavorecidos e pelos humildes. Bateu de frente com a casta pequeno burguesa que se intitula dona, senhora e proprietária do Brasil e do seu povo, e que não admite intromissões no seu poder de mando. 

Lula errou ao colocar gente do povo nos seus ministérios; a por à disposição das pessoas comuns o capital do país, os recursos dos bancos oficiais, para que estes se estabeleçam e cresçam com independência e prosperidade.

Lula errou ao demarcar terras indígenas, ao afirmar que o território amazônico é patrimônio da humanidade e intocável pelas mãos ambiciosas dos destruidores de florestas e mineradores gananciosos.

Lula errou a proporcionar uma economia equilibrada, inviabilizando, por ações sociais, a propagação de uma política de inflação desmensurada e fora de controle.

Lula errou ao incentivar e patrocinar pesquisas científicas e tecnológicas no nosso país, em iguais condições com os países mais avançados, e exportar tecnologias, inovações e talentos para todo o mundo. Imperdoável!!! Onde já se viu uma colônia terceiro mundista disputar espaço entre as nações desenvolvidas? Infâmia!

Mas o maior erro de Lula, foi acreditar que a burguesia não reagiria. Que estaria sozinha na contra mão da evolução do país. Que ela não usaria seu dinheiro para retomar o poder e a ganância que se considerava senhora. Esse foi o grande e maior erro de toda a sua trajetória de vida. Lula deveria ter se preparado, e preparado o seu povo para reagir à altura, e não aceitar a volta do açoite ao seu lombo já condoído por mais de 500 anos de subserviência. Não imaginou que parte considerável do povo que foi tirado da miséria no seu governo, pudesse odiá-lo justamente por esse motivo. Que se quedaria novamente ao  jugo do opressor contra a força que o houvera libertado. 

Que os erros do passado do Lula sejam agora devidamente consertados. Que ele se proteja à altura dos achaques que vem recebendo e receberá sempre. Agora já não existem mais máscaras, a podridão dos maus está escancarada, todos sabemos quem são, onde estão e o que desejam. Cabe a cada um de nós, ajudarmos na manutenção das políticas socialmente justas deste governo que promete ser o melhor da nossa história, e não permitirmos um centímetro de recrudescimento. 

Derrotar a direita não é somente um ato democrático, mas a necessidade mais premente para evitar que o Brasil caia nas mãos dos maus novamente. Se isso acontecer, virão devorando tudo com a voracidade de um enxame de gafanhotos na plantação. Nada mais ficará de pé nos escombros da malha social do país. Cabe a nós, cidadãos conscientes da realidade, defendermos a nossa democracia e o nosso povo. Chega de usurpadores!

sábado, 23 de setembro de 2023

Meu querido, meu velho... meu amigo.


Quando eu era criança, sofria muito para dormir. Gritava de medo.  Tinha sonhos, visões. Sensações horríveis. Fazia das noites de meus pais, um inferno. Até meu irmão mais novo, entrava na dança.

Meu pai, então professor primário, lidava bem com crianças.  Sempre paciente, se deitava comigo a contar histórias afim de me acalmar.  E assim eu podia dormir em paz, embalado por sua voz e por seu talento, nas diversas fantasias que narrava.

A cada dia era um conto novo, ou um repetido com outros finais e personagens diferentes. Criatividade nunca lhe faltou. Emprestava autores diversos como os Irmãos Grimm, Andersen e até Monteiro Lobato, mas também criava seus próprios.

Talvez por isso eu não me curava desse terror noturno que nutri até a adolescência. Afinal, pra mim era seguro e educativo dormir embalado por meu pai.

Uma vez, após algumas coisas estranhas acontecerem em casa, meus pais chamaram um padre para um tipo de “limpeza” do ambiente. Eu já era adulto, meu irmão também, mas na ocasião contaram um pouco do meu caso de infância a ele.  O padre levou o fato para o campo psicológico, alegando um possível receio de perde-los, mal resolvido em mim.  Inconscientemente, eu temia eles irem embora ou morrerem, ao que eu reagia dessa forma, segundo sua teoria, para chamar-lhes a atenção e tê-los por perto ao dormir.

Sabe, pode ser mesmo.  Eu tinha um medo danado de ter que sepultar meus pais.  A maior parte de minhas orações, era devotada a essa finalidade, digo, para distanciar ao máximo esse momento.

Quando eu ainda era um bebê, meus pais perderam uma filha.  Minha irmãzinha que foi muito esperada por eles.  Morreu logo após nascer.  Consta que uma dor forte e muito sofrimento se abateram sobre minha família. Eu então, embora sem entender nada, fui apresentado à morte, a perda, de maneira brutal.  Vi e registrei em meu subconsciente, o que isso causou a eles. Tal coisa me foi revelada mais tarde quando fiz regressão de idade com um terapeuta e depois, novamente, numa sessão de constelação familiar com outro profissional.  Ou seja, cresci com esse receio profundo, do dia em que seria apartado de meus amados genitores.

Hoje em dia, fico pensando em que momento da vida a gente aprende, ou se prepara para suportar e enfrentar esse temido episódio de nossas existências, qual seja, o de enterrar quem amamos que é sempre muito doloroso.

Mas nem todo mundo reage igual.  Alguns e logo, se desapegam um pouco mais que outros.  Vão trabalhar ou morar longe, voluntariamente, aparecendo de quando em quando para rever os seus. Há também quem o faz por força da necessidade e se vê, de uma hora pra outra, do outro lado da Terra, sem poder visitar constantemente seus queridos. Que remédio?  Aceitar.

Em ambos os casos, os encontros passam a ser raros ou fortuitos. Mas não eu. Não consegui.  Morava na mesma cidade e até poucos meses, no mesmo bairro de meus pais.

Os encontros eram constantes e nos falávamos, pelo menos ao telefone diariamente, ainda que eu viajasse para longe.

Os domingos eram juntos e boa parte das tardes, mereciam ser encerradas com um café em sua casa. Éramos uma família unida.  Sem dúvidas.

Aprendi meu ofício com meu pai.  E sempre recebi dele apoio, afeto, carinho. Jamais uma crítica, ainda que eu merecesse várias vezes.

Tudo o que consegui, ou mesmo como me mantenho até hoje, devo a ele em primeiro lugar. 

Corretor de Seguros, me iniciou no ramo que mais adiante me fez fundar minha própria corretora e fazer dela uma grande rede de franquias.

Quando ele se aposentou, ainda motivado e ativo, eu podia tê-lo trazido pra junto de mim, pois sua experiência e “cartaz” perante os grandes do Mercado, ainda era alto.  Não sei porque não o fiz.

Sempre fomos parceiros.  Eu e meus pais sempre nos auto socorremos quando necessário.  Claro, mais eles o fizeram por mim que eu por eles.

No entanto, após contrair um câncer de pulmão, meu pai começou a ficar um pouco mais dependente de mim.

E foi uma honra poder acompanha-lo às consultas, às quimios, às internações, embora ele, sempre muito auto suficiente, o fez por conta própria enquanto pôde.

O que me marcou, foi acompanha-lo diariamente, em sua dor, mas sem compreender muito seus apelos.

Dentre gemidos e outras solicitações, meu pai clamava por algum tipo de ajuda, pois se afirmava com desespero. Como se negava a ir a um psiquiatra, eu então perdia um pouco da paciência e não compreendia os motivos do tal desespero. Ele tinha problemas para dormir e para se acalmar e eu, em momento algum, retribuí suas histórias, seus contos, sua paciência, seu amor profundo, que me dedicou na infância diante do “meu desespero”.

Pudesse então eu deitar-me ao seu lado, segurar sua mão e contar-lhe uma história. Não seria como as suas, sempre tão ricas. Mas eu poderia com isso vê-lo dormir aos poucos e descansar tranquilo.

Não... não o fiz.

Minha mãe, que agora mora comigo, ao arrumar as coisas de meu pai, entregou-me uma pasta que encontrou de seus guardados.  Nela, dezenas de contos, engraçados, inteligentes, sensíveis, inclusive sobre meus filhos. 

Olha isso.  Ainda longe, em outro plano, suas histórias podem embalar meu sono sempre ruim.  Espantar meus fantasmas.  Acalmar, ainda hoje, um pouco o meu coração.

Amor que transcende é assim mesmo.

No seu leito de morte, minutos antes de fechar os olhos derradeiramente, me contou uma última fantasia:

“Diga aos seus filhos que ficará tudo bem. Diga a sua mãe, que estou sorrindo.  Cuide dela por mim.  Diga ao seu irmão, que sou feliz.”

E dormiu, enfim.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Um anjo chamado Angela

O mês de setembro traz consigo uma campanha pela prevenção ao suicídio. Os fatos que culminaram na escolha do mês e da cor amarela que o simbolizam, ficam pra outra oportunidade. Hoje, no entanto, quero falar de algo que aconteceu muito próximo a mim. 
Falar de suicídio é bastante delicado. A gente nunca sabe quando ajuda, ou quando atrapalha quem está com isso passando pela cabeça. Espero ter cuidado aqui. 
Em 18 de setembro, uma amiga, se viva fosse, teria completado seus 54 anos. 
Uma de minhas melhores amigas, então com 17 anos, deu fim à própria vida, com um tiro no coração, em novembro de 1986, deixando amigos e familiares perplexos. Só isso já é motivo suficiente para eu odiar a liberação de armas ao cidadão comum. 
Ângela era pessoa extrovertida e alegrava o ambiente em que estava. Sempre rodeada de amigos, sua casa vivia recheada de gente e seus pais, bastante receptivos, jamais negaram as várias festas que fazíamos por lá. E que festas. 
Eu estudara com ela no fundamental (antigo primário) em um colégio de padres onde fizemos juntos nossa Primeira Comunhão e anos mais tarde, nos reencontramos na Igreja onde militamos juntos em um grupo de jovens. Nossos pais eram bastante amigos e participavam do Convívio de Casais com Cristo.
Inteligente, divertida, trocávamos muita ideia, inclusive confidências sobre nossos amores adolescentes. Eu, ela e um terceiro amigo, sofríamos muitas desilusões e chorar junto era confortante. Geralmente uma boa garrafa de vinho ou algo assim, um salgadinho e música boa, nos fazia atravessar anoite entre lágrimas e gargalhadas. 
Outros amigos, mais próximos, também tinham nela uma grande companheira e por isso estávamos constantemente juntos. A cidade, que até então não tinha shopping, oferecia uma gama vasta de salas de cinema e casas noturnas interessantes. Mas só. Assim, frequentávamos juntos cinemas e karaokês, mas nada substituía as festinhas em nossas próprias casas. E não havia uma, na casa de Ângela, para a qual não nos convidava a todos. 
Se alguém me perguntasse, dentre os jovens que me cercavam, qual pessoa aparentava ter algum tipo de propensão ao suicídio, na minha opinião, Ângela ficaria em último lugar. Eu jamais poderia imaginar isso. Os fatos que já somam 37 anos, não me são todos conhecidos. Mas muitos de nós, carregamos para sempre, um “cadinho” de culpa durante anos. 
Coincidência ou não, na noite anterior à sua partida, havia uma festa na minha casa, e eu não a chamei, pois era um outro grupo diferente de pessoas que não a conheciam. Consta que ela tenha passado por lá e visto o movimento, ficando decepcionada. 
O outro amigo, aquele que citei antes, fez aniversário no dia de sua morte, portanto, na véspera (o mesmo dia da minha festa) também aconteceu em sua casa uma festa surpresa, organizada por amigos e familiares dele, motivo pelo qual ela também não estava. Quem organizou a surpresa é quem convidou os presentes e pelo que se sabe, ela também passara por lá, aumentando seu desapontamento. 
Ela estava querendo falar com alguém, pois estava bem arrasada e depois de ir às nossas casas, procurou por uma prima, com quem conversar. Não me lembro agora se a encontrou ou não. Mas, no final, a noite chuvosa, fez com que ela, ao guardar o carro em sua garagem, avançasse sobre a parede da sala e além de derrubá-la, amassasse bastante o carro de seus pais. 
Claro, deve ter tomado reprimendas. Imagine o susto da família. 
Mas havia mais em seus sentimentos. 
Um casal amigo também carregou o peso sobre os fatos acontecidos. A moça, próxima dela, teria iniciado o namoro com um amigo de ambas que, sem saber, tinha a afeição inconfessada de Ângela. Juntos, nós 4 e mesmo seus pais, entendemos que, de algum modo, poderíamos ter tentado aliviá-la. Mas como saber?
No dia de sua morte, ela estava sozinha em casa enquanto os pais participavam de um evento da Igreja com sua irmã. Vestiu-se muito bem e até recebeu o convite de alguns amigos para sair. E pegando a arma de seu pai, colocou ponto final na sua linda juventude e no que seria a história de uma grande figura. 
Ângela deixou uma carta. Não culpara ninguém, mas pelo contrário, pedia desculpas, pois sabia que causaria grande sofrimento, principalmente aos pais e à irmã caçula, sua mais fiel amiga. Mas, todos nós ficamos com aquele “e se” na consciência. 
E se ela tivesse entrado em minha casa e se divertido a noite toda? E se eu tivesse ligado pra ela no dia seguinte, um pouco mais cedo e a convidado para um cinema? E se, ninguém da família tivesse saído de sua casa naquele domingo? E se os amigos a visitassem em bando como de costume? E se...? Ela nunca apresentou nenhum sinal de tristeza, de desânimo, de depressão. E se nenhum de nós percebeu?
Ângela não só perdeu as chances de ver sua vida brilhar, pois era uma “baita” amiga, aluna e filha. Ela perdeu a chance de ver sua irmã crescer e vencer a vida. Além disso, deixou, sem querer, um rastro de profunda tristeza em todos nós, mas com proporções inimagináveis nos pais e na irmã. Ou seja, seu auto sacrifício foi uma perda generalizada e sem sentido. 
Muitas outras coisas se sucederam depois disso. Era difícil para nós encontrarmos seu pai ou sua mãe, antes tão felizes, então tristes e sem vida. E como na maioria das vezes, a família de quem morre se desmancha. E aos demais, de tempos em tempos, as lembranças cobram o “e se” de novo e de novo. Isso marcou minha juventude e a de nossos amigos em comum. E não é raro falarmos sobre ela até hoje. Ninguém nunca mais foi o mesmo. 
Só consegui dormir direito quando numa noite sonhei com ela. 
Ela estava em uma linda Igreja e eu fui vê-la. Não podia sentar perto, mas ela olhou pra mim enquanto cantava e acenou com as mãos. No final da celebração, ela saiu e me encontrou lá fora. Ao perguntar como estávamos todos, eu disse que estávamos tristes. Que sua família, principalmente a irmã que era bem novinha, precisavam dela. Ela então me deu um grande abraço e pediu desculpas. Disse que não queria deixar ninguém mal e que sabia que tinha feito algo que não era a melhor saída. Não lembro as palavras exatas, mas em resumo: 
“O suicídio não é solução para nenhuma tristeza. Ele só a aumenta e transborda em quem está perto. Ele encerra um episódio ruim, mas evita que se possa ver a mudança que certamente virá com novidades e coisas boas. Agora eu sei. Mas deixe meu abraço a todos.” 
Acordei com a nítida certeza de que a visitei. E por mais que eu tenha ficado bravo com ela, pelo que fez, agora estava grato. Transmitindo-me paz, deu-me também uma linda lição, pois todas as vezes que estou mal, posso não saber o que fazer para melhorar, mas com certeza sei o que não fazer para piorar.

domingo, 3 de setembro de 2023

Modelo e Resultado

(Imagem extraída do
site Pro Franquias)

Desde o ano de 1999 o Mercado de Franquias deu um salto considerável no país. E até hoje se mantém entre os melhores negócios para se investir, tanto do lado do franqueador, quanto do franqueado.  Se há controvérsias e exceções é preciso estudar caso a caso,  Mas o fato é que, para aquele que deseja investir no próprio negócio com baixo risco ou para aquele que deseja expandir sua marca pelo Brasil adentro de modo rápido e efetivo, o modelo continua sendo o mais adequado.

A discussão em torno do nascimento do modelo de franquias é bastante antiga.  Há quem defenda que se iniciou com a partição do poder dos reis que delegavam a senhores o direito de cobrar impostos em seu nome.  Mas no mundo da economia moderna, replicar a operação e garantir a outros a exploração da marca e distribuição de produtos e serviços, passou até pelas super fábricas de automóveis no sistema de concessionárias.


Mais recente, com o modelo de vendas da Singer, foi só na metade do século passado que o franchising, como conhecemos hoje, tomou corpo e destaque com as franquias de "fast food".  No Brasil, no entanto, de maneira meio atrasada, as franquias de maior repercussão foram as de vestuário, em meados dos anos 80s com o crescimento da cultura dos shoppings. 

A explosão e mudança de comportamento, que gerou a ascensão vigente, passou pela ação inovadora de alguns profissionais, com destaque a um visionário empreendedor que tive a honra de conhecer de perto.

Foi a partir da Microlins, naquela época dirigida por seu fundador José Carlos Semenzato, que se percebeu mudanças que, se de um lado complicariam a vida dos futuros empreendedores do setor, por outro tornava a vida de franqueados mais completa.

Se a legislação vigente então, que prescrevia algumas poucas obrigações ao franqueador de marcas, era fraca, o formato de trabalho de Semenzato era desafiador.  Entregar bem mais do que era definido "no papel".

Assim, ele criou suporte generalizado a seus franqueados que ia do marketing à gestão, do atendimento à publicidade, do apoio jurídico ao mecanismo de contratação e treinamento.

Embora com altos e baixos em sua história, tanto a marca, quanto seu fundador deixaram sinais indeléveis no franchising e até hoje, quem quiser vender uma franquia terá que oferecer algo mais que a marca e o manual de procedimentos.

Foi saindo do "ventre" da Microlins que tantos profissionais se lançaram como especialistas em alguma ou todas as áreas do negócio.  Uns se puseram a oferecer treinamento e consultoria, outros criaram universidades corporativas.  Há quem lançou lojas de suprimentos e aqueles que oferecem expansão.  Sem falar num considerável número de novos franqueadores.

A cidade em que esse "milagre" ocorreu, se tornou símbolo e nascedouro de grandes marcas por onde desfilam escolas, piscinas, limpeza e cuidados, seguros, óculos e alimentação, dentre outras.

Se alguém deseja transformar seu negócio em uma rede, vai encontrar vasto catálogo de formatadores na cidade, além de um numeroso grupo de consultores de expansão, captadores de leads e agências de publicidade voltadas a isso.

Tendo eu próprio trabalhado em algumas redes, formatado e expandido outras tantas, também fundei marcas próprias.  E isso me deu escopo para acertar e errar e portanto saber alguns detalhes fundamentais.

Como destaque preciso enumerar os principais:

* Unidade Piloto

* Apoio Operacional de Início

* Filtragem Prévia de Candidatos

* Acompanhamento, Cobrança e Fomento de Resultado dos Franqueados.

É possível se criar uma marca de sucesso sem a existência de uma unidade piloto.  Mas é uma loteria de consideráveis problemas.  Como divulgar e replicar um modelo que só existe na teoria?  

Quando se tem uma operação em andamento é possível criar métricas, uniformizar procedimentos positivos e combater, antes de espalhar, o que é negativo.

Já o apoio no início da operação precisa existir.  Um treinamento ao novo franqueado e principais envolvidos no dia a dia da franquia, deve ser seguido de um bom e robusto manual, além da consultoria de implantação até que a operação comece a rodar sozinha.

Isso é bem fácil quando e se no princípio de tudo houve uma escolha com filtragem de candidatos afim de avaliar-lhes a aptidão e disponibilidade.

Um dos grandes erros que cometi, foi negociar unidades com pessoas que não iam assumir diretamente a operação mas colocar parentes, conhecidos ou contratados.  Se um negócio próprio, robusto e cheio de investimentos é arriscado sem os "olhos do dono", não é diferente em uma franquia.  E exigir que o comprador, até para não macular a marca, ficasse com "a barriga no balcão", deveria ter sido regra "sine qua non".

Por fim, criar alternativas, produtos, serviços e mecanismos de ampliação de ganho permanentemente, favorece a todo mundo na rede, desde clientes mais satisfeitos, franqueados mais felizes e franqueadora sólida.




quarta-feira, 26 de julho de 2023

Um ano para não passar em branco.

Quando enfim chegarmos a 2024 estará vencido um ano do novo governo.

Com certeza, já terão sido aprovadas medidas importantes como a Reforma Tributária e o Arcabouço Fiscal.

Nossas políticas sociais, há pouco pausadas e abandonadas, deverão então estar em pleno vigor e recuperação.  Estará restituída a imagem do Brasil no exterior, revelando seu protagonismo em muitos assuntos, sobretudo os comerciais.

Destacar-se-á nossa presença marcante no BRICS, Mercosul e grupos internacionais, em diálogos que envolvam clima e combate a fome. Ainda, teremos garantido influência perante a União Europeia, a China e outros parceiros relevantes.

A Cultura, Saúde, Tecnologia, Meio Ambiente, Educação e outras áreas desassistidas pelo governo anterior, terão sido enfim socorridas e colocadas “nos eixos”. Iremos finalmente celebrar o importante aniversário de um ano da derrota de Bolsonaro e a despedida do que foi sua desastrosa presença no cenário nacional.

Ainda que seja preciso ressaltar incessantemente o quão agravados foram os males de nosso país face ao recente e atrasado governo que gerou o bolsonarismo, fenômeno composto por negacionismo, armamentismo, defesa do agrotóxico, política de ódio, desregramento ambiental e mentiras, dentre outras mazelas, não só por essa lembrança, no entanto, 2024 será especial,

A data ajudará lembrar outros aniversários que trazem à tona, episódios inesquecíveis e transformadores que, durante um século inteiro, vivenciamos a construir um país que cresceu na arte da política e da democracia.

Momentos que completarão décadas a exigir que não deixemos a data passar “em branco” sem realizarmos profundas reflexões históricas. Afinal a história não é a salvaguarda da verdade e onde todas as injustiças se desfazem? É também preciosa guia para futuras gerações em termos de experiência e valiosas lições.

Por óbvio não teremos simplesmente apagado as consequências e o trauma de nossa, de certa forma, curta biografia nacional, que carrega até hoje o peso e as marcas da escravidão que manteve vigente por longo tempo, os efeitos das injustiças sociais perpetuadas e tantos equívocos mais.

As “comemorações” que o próximo ano representa, resumem um pouco do que foi o avanço político no Brasil durante esse período, e que é preciso lembrar para que possamos descer, de vez, uma pá de cal sobre a infrutífera tentativa de implantar aqui um fascismo à brasileira, embora sinais de sua maléfica presença insistam em se fazer notar, sobretudo em lamentáveis episódios como as agressões recentemente sofridas pelo Ministro Alexandre de Moraes e familiares em Roma por ditos “patriotas” nada brasileiros.

Assim, quem sabe façamos de nossas recordações e memórias um antídoto contra essa semente ruim já parcialmente queimada pelo último processo eleitoral, mas não totalmente extinta.

Podemos começar lembrando os cem anos da Revolta Paulista de 1924 que, embora debelada, teve importante resultado ao terminar fortalecendo a Coluna Prestes que percorreu o país denunciando os desmandos das oligarquias. E seguindo adiante, fecharmos com a lembrança dos 40 anos do inesquecível Comício das Diretas em 1984, organizado por Franco Montoro na Praça da Sé em São Paulo, que unificou movimentos sociais, partidos políticos e outras entidades populares, além de artistas e intelectuais de toda sorte, pondo fim a ditadura de duas décadas.

Há que se lembrar, no entanto daquilo que ocorreu entre um e outro desses eventos, por exemplo, os 90 anos da Constituição que garantiu o voto as mulheres e a criação da Justiça Eleitoral no ano de 1934.

E não há jamais como deixar de pensar no que representou a morte de Getúlio e os fatos que o levaram ao suicídio em 1954, bem como destacar a comoção geral que esse fato iniciou surpreendendo o país e alterando suas rotas.  A esse respeito, não seria má ideia aproveitar, nessa memória de 70 anos de sua partida, para clarificar, às atuais gerações, quem foi Vargas no contexto geral de seu longo governo, que embora controverso, não permite falarmos de Brasil sem compreender o getulismo.

Por fim e com certeza, até para elucidar os confusos e incautos é preciso, também e fortemente, detalhar o que foi o golpe militar de 64 (sessenta anos no ano que vem) com suas consequências assombrosas e nefastas, debatendo ao mesmo tempo as eleições, dez anos depois, que abalaram a ditadura no ano de 1974 em que parlamentares opositores do regime quase alcançaram a maioria do Congresso Nacional.

Recentemente “aclamado” e sugerido por malucos, o golpe militar ganhou nuances equivocadas.  Pessoas e grupelhos nas ruas apelando por um novo AI5, pela implantação de um “estado de sítio” e intervenção militar na política com fechamento de instituições democráticas e tudo, comprovam o quanto falta de entendimento real de parte de nosso povo do que foi esse triste e vergonhoso episódio no Brasil e seus similares em países irmãos como a Argentina e Chile.  Só por isso já valeria destacar 2024.

Na verdade, o que realmente propõe esse artigo é que cada um dos fatos aniversariantes aqui citados seja fruto de lembrança, estudo, discussão ampla e sobretudo avaliação.

Tenho convicção de que instrumentos de informação como jornais, rádios e universidades promoverão artigos, documentários e debates alusivos a essas datas, mas penso também que cada um de nós, a nosso modo, devemos dar contribuição a esse conjunto de ações para não permitirmos o esquecimento de cada gota de sangue ou de tinta derramada de corpos e tinteiros impressos no registro da história da democracia brasileira.

Boa parte das pessoas não são conscientes de todos os momentos cá mencionados o que enseja concretamente a necessidade de abordarmos com elevado cuidado e integridade cada um deles.

Escolas que formaram gerações mais próximas, que a esse respeito se limitaram a passar rapidamente, com pouco destaque, desconsiderando muitas vezes que por um bom tempo, um certo “enredo” foi incluído ou excluído no currículo ao bel prazer dos interessados de então, tem maior obrigação.

A nós, enquanto testemunhas presentes, os relatos e apontamentos corretos devem ser feitos afim de protegermos o porvir político nacional de espectros pouco humanos e nada justos, ameaçadores não só da liberdade quanto do avanço.

terça-feira, 6 de junho de 2023

E por que não ele?

 

Imagem tirada do site do Tribunal Superior Eleitoral

É de Leonel Brizola, grande figura de nossa política, a frase: 

“Divididos, seremos sempre degraus para a direita subir”.


Não por não ser nova, mas sobretudo por ser certa, essa frase ganha imperativos no cenário político de Rio Preto a cada novo pleito.

O episódio que encenamos nas eleições de 2020, claro que sabido, seria justamente isso.  E foi.

Embora tenhamos usado os microfones de vários cantos diferentes, falando e denunciando o que era preciso, não conseguimos triunfar, seja em número de votos, seja em cadeiras do legislativo, quase sempre bem mais importante que a própria Prefeitura.

Por certo o cenário era outro. Uma eleição pedagógica, cheguei a pensar.  Diante da pandemia, do avanço da campanha virtual, da nova legislação a proibir o abuso, parecia não haver barreiras para candidatos mais simples, menos apadrinhados.  Afinal as distâncias entre os mais financiados e os menos robustos de verba ficaria encurtada. Ou deveria ter ficado.

Ledo engano. 

Potencializando e impulsionando postagens, muitas vezes sem verdade e escrúpulos, alguns candidatos “do lado de lá” aproveitaram a onda das fake News incentivadas por um governo despudorado e surfaram à vontade.

Só que nem é disso que estou a tratar.  Desejo focar é no ato da irresponsável partição entre possíveis aliados que, ao contrário, deviam é ter se colocado todos num mesmo “balaio” a unir suas militâncias ressonantes de uma discórdia que nem existe. E não existe mesmo, basta participar de um ato público para sentir sua unidade.

E agora mesmo, enquanto escrevo essas linhas, fico a assistir outros que lançam suas campanhas antecipadas sem respeito às normas legais, a costurar grupos gigantes com promessas de alianças promissoras e já deixar ver o que será colocado no palco quando tudo começar de fato.

Ah, me digam companheiros e camaradas se vamos ficar aqui chupando os dedos ou dando milho aos pombos enquanto essa gente derrotada na última eleição federal reconstrói seus acampamentos?

Não e claro que não.  E nem vamos ficar esperando um “mahatma” (messias está proibido) a liderar-nos. Não vai brotar ninguém de nossos círculos sociais, das comunidades ou dos movimentos a empunhar a espada da vitória.

O que temos, temos e é o bastante.  Tem história, tem estofo, tem garra, tem coragem, tem vontade, tem luz e tem a nós, militância aguerrida, consciente e forjada nas lutas.

Não é hora de inventar a roda, mas de realmente entendermos que se demorarmos, mais uma vez, será tarde demais.

Eu até imaginei que poderia respirar fundo.  Refletir mais.  Falar com meu grupo, com o outro grupo.  Ouvir tendências, apelos... qual nada. Hoje está claro para mim.

Como sempre é cada um correndo atrás do prejuízo.  E por isso e justamente por isso, nós não podemos esperar mais.

Espero do fundo do meu coração que eu não tenha que ser mais explicito, mais direto.  Temos candidato a prefeito.  Nos falta uma bela chapa de valorosas cidadãs e cidadãos para o legislativo e o resto a gente costura, alinhava e defende depois.

Gosto de jiló.

É bem essa a realidade.

Vale muito mais começar do zero absoluto, que manter algo que não dê prazer, alegria ou esperança de melhora.
Mais sensato apartar-se do que incomoda, entristece, enfraquece ou causa irritabilidade, do que garantir a comodidade das coisas como são. Só porque são como são.
Perde-se no primeiro instante, mas ganha-se no tempo.
Toda dor é superada, senão esquecida. Toda saudade, se bem regada a vinho e música, se torna luxo.
As glórias dos dias idos, não garantem e não prometem virórias e grandezas no futuro. Mas são boas memórias e nada mais além disso.
Novas conquistas, já ao contrário, são glamorosas, inquietantes, desafiantes e animam. Dão tanto sabor à vida, que nem se adoece e nem de dormir se tem vontade.
Ainda que sem jeito, sem recurso ou sem promessas, arriscar e ir pro novo, sempre, energiza a alma. E se o medo aparecer, que se vá com medo e tudo.
Até porque, no final, vencendo ou perdendo, tudo volta a ser memória de novo e coisas novas, serão necessárias.
Sou assim...
Duro é conseguir me entender, se nem eu mesmo me entendo.
Gostar de recomeçar, de mudar, de desbravar... Só não é pior que gostar de jiló, que também gosto de montão.

terça-feira, 30 de maio de 2023

O polêmico aumento de salário dos vereadores

Imagem extraída do site agoralitoral.com.br

É fácil compreender porque o tema do aumento de salários dos vereadores causa tanta indignação. Afinal em um país que está em crise há algum tempo, tanto econômica, quanto política, parece-nos absurdo imaginar que entes políticos inflarão seus recebimentos enquanto todo o resto do povo permanece a se equilibrar nos cambaleantes “andaimes” da vida.

Eu pessoalmente acredito que as distorções são gravíssimas, posto que tantos são os profissionais, de diversas áreas, mal remunerados a aguardar por anos a fio, justiça em seus holerites sem vislumbrarem ações nessa direção.

O que me causa preocupações, no entanto, não é esse compreensível grito da sociedade face a essa decisão de se auto promover dos membros do parlamento municipal e sim o fato de que as bravatas, que carecem de reflexão mais profunda, sejam simplesmente aceleradas e potencializadas por mecanismos e entidades cuja obrigação talvez fosse a provocação ao debate e não a mera definição do que é certo ou errado, bonito ou feio, decente ou ultrajante.

Acredito que não basta dizer “sou contra” ou “sou a favor” a qualquer que seja o projeto, lei ou mesmo opinião, sem antes uma dissecação completa e metódica do assunto em pauta. Seria uma redução triste e empobrecedora da participação popular justamente num momento de nossa história em que o envolvimento dos cidadãos nesse tipo de diálogo parece ter ganhado alguns avanços nos últimos tempos.

Terão sido medidos todos os componentes? Estudados os cenários?  Quais são os pressupostos que evocam a necessidade do aumento? E por que o valor “x” ou “y”?  O que aconteceria no orçamento municipal se porventura o aumento se verificasse?  É mais importante o que o vereador recebe à luz, do que aquilo que a escuridão poderia deixar passar despercebido?  Qual o mérito, em dinheiro, de um bom agente que se desvencilha da vida profissional para se dedicar por inteiro a um trabalho exclusivo em prol da sociedade?

Tenho certeza de que, de modo acalorado, alguns até botaram esses pontos na mesa. Precisa só saber se foi contundente ou tergiversado.

Talvez fossem essas as questões a se defender primeiro e com real capricho. 

Valem outros senões.  Um salário mínimo para participar apenas uma vez por semana das sessões da Câmara seria muito dinheiro para alguém e sai caro pra cidade ao mesmo tempo em que dez salários talvez possam ser  pouco para quem se dedica “nellum tempus” a qualquer tarefa.

Possivelmente ainda há que se pensar que pessoas melhor preparadas, seja por cursos universitários apropriados à gestão pública, ou ainda trabalhadores dedicados e competentes em suas áreas, que mesmo sem o terceiro grau, poderiam se colocar ao dispor dos eleitores, se inibam de deixar para trás bons empregos e remunerações para se dedicarem à vereança por salários abaixo dos seus.

A produtividade real também não parece difícil de ser medida com um pouco de boa vontade.  Quantos projetos, indicações, participações em plenário e enfrentamentos o edil escolhido apresenta em seu currículo?

O foco no salário tira da questão principal toda a observação necessária para se consertar de fato o que acreditamos descabido.

Vale salientar que aqui não se advoga em prol do aumento, mas sim em prol da ampliação da discussão.

Fazer coro ao discurso irresponsável que coloca todos os políticos em pé de igualdade, faz apenas com que caiamos em armadilhas do tipo que deixa livre o ringue de disputas para quem sempre se valeu da omissão e do desinteresse popular.

Por isso e de uma vez por todas, querer moralizar a prática da política na cidade ou país, carece de um pensamento que vá bastante além da mera moral.

Tenho vontade de participar de uma audiência pública que possa me permitir opinar à vista de todos sobre isso.  Não escondo, entretanto, que me causaria certo constrangimento defender “ao vivo” os pontos ora apresentados. Já sei como a maioria reagiria, ainda mais respaldada pela adesão de entidades ou aparelhos de amplificação de opiniões.

Mas como acompanho o resultado de meus votos, e sei amplamente o que faz ou o que defende, o que evita e o que economiza para o erário aquele ou aquela em quem depositei minha confiança nas urnas, o faria de maneira e consciência tranquilas.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Cthulhu, o princípio de Lacerda e o pão nosso

 



Por
MARCELO GOMES
Prof. Dr.




Há muito tempo atrás, no território de terra brasilis, também chamado por cartógrafos seiscentistas de terra incógnita, um ciclo larval se repetia. De tempos em tempos ovos de uma criatura nefanda eclodem. Em vários momentos da história desse país “pessoas de bem” cuidam de acondicioná-los em ninhos tépidos e enchem-no de cuidados. O momento que nos importa agora ocorreu na virada da década de 40 para 50, quando Getúlio Vargas se candidatava à presidência. Uma grande parte da elite econômica e política de nosso país via com muita preocupação a aliança varguista e trabalhista e se punha em alerta ante uma evidente virada ideológica do antigo ditador complexo. Como voz altissonante e representativa dessa elite, se erguia Carlos Lacerda, figura desprezível que era muito zelosa no cuidado dos ovos do fascismo eterno — conceito muito bem construído por Umberto Eco.  Lacerda também construía armas semânticas e sua mais conspícua frase fascista foi sobre a eleição de Getúlio. Diria ele à época: “o Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

                   Com isso, ele riscava uma claríssima meta para a elite e seus aliados. Por mais defeitos congênitos da democracia burguesa, ela ainda pode guardar perigos para os proprietários e capitalistas. Por vários mecanismos a democracia burguesa filtra os interesses antagônicos de sua classe e de seus representantes, preservando os interesses desta classe proprietária. Mas ocasionalmente, principalmente diante de figuras carismáticas não totalmente alinhadas, parece entrar areia nas suas engrenagens. E por isso mais uma vez instrumentalizavam os sentimentos ancestrais de parcela da população e o fascismo eclodia na década de 50. Todavia, o suicídio de Vargas teria jogado um pouco de água nessa fogueira que só foi reacender uma década à frente, culminando no golpe de 64. A elite brasileira, em geral autoritária, colonialista, escravocrata, racista e ignorante, sendo inclusive incapaz muitas vezes de ser uma classe para si, não hesita um só instante em se valer da violência para defender seus próprios interesses. Se nas eleições elegemos seus representantes, então nos dão alguns anos de paz na arena política, ainda que os mesmos anos sejam de chumbo na arena econômica, sendo que pretos e pobres os recebem os tais chumbos literalmente nas margens da geografia urbana.

                   E o que esse princípio de Lacerda tem a ver conosco hoje e com o pão nosso de cada dia? É simples. O mesmo princípio vigorou contra o segundo governo Dilma. A partir de 2014 a presidente Dilma Rousseff teve uma enorme dificuldade em governar. De início, Aécio Neves e uma súcia tenebrosa do PSDB assumiram esse papel lacerdista. Depois, foi a vez de Eduardo Cunha. E por fim a intrusão de guerra híbrida imperialista instruindo processos no Brasil via Lava-jato. Conseguiram mobilizar as massas para resguardar apoio popular ao seu golpe inusitado e parlamentar. Mas agora é a vez de Lula. Novamente o pacto desta elite para impedir a governabilidade se faz visível. Os óbices colocados no congresso para as medidas do novo governo federal, o discurso único e agressivo da grande mídia hereditária e proprietária e a teia de comunicação fascista já indicam a ofensiva. Isso não quer sugerir que sejam todos fascistas. Não. Existe muita gente “polida” e “limpinha” que não é fascista na teoria, ainda que não hesite um só instante em abraçar e fazer coro com os movimentos fascistas engendrados e eclodidos no Brasil desde junho de 2013, quando então o ensaio do poder popular de uma esquerda atônita, perdeu as ruas para um movimento golpista que antecipava, por parte da elite, o basta marcado para a eleição de 2014.

                   Como sempre os movimentos de direita e seus porta-vozes sequazes vociferam contra o absurdo do Estado, repetindo a capenga e pouco científica cantilena liberal. Para estes o Estado é de fato como o temível monstro hobbesiano, o Leviatã. Assim, se aproveitando em parte dos assombros do inconsciente, da vulnerabilidade do sistema límbico dos indivíduos e a performance arquetípica e simbólica junguiana, o extremismo de direita vem instrumentalizando um princípio liberal depreciar e demarcar o Estado como o mal eterno e figura lendária que se interpõe entre os indivíduos e seus desejos incompatíveis com a vida coletiva e civilizada. Estes mesmos indivíduos que se escandalizam mais com uma assistência social do que se compadecem da penúria do famélico que bate ao vidro do seu carro nos semáforos de cada grande cidade no Brasil hoje. E então esse movimento traça duas metas precisas. Uma delas é privatizar tudo. A outra, impedir a esquerda de chegar ao poder ou governar. Para atingir a primeira meta, necessitam atingir primeiro a segunda. E como o ovo do fascismo que estava chocando desde 2013 eclodiu com a vitória de Jair Bolsonaro, puderam engendrar com competência as duas metas. É verdade que o governo ilegítimo de Michel Temer e o governo assassino de Bolsonaro privatizaram empresas estatais. Mas o fantasma do Leviatã estaria sempre lá para assombrá-los. Por isso, foram mais fundo no princípio Lacerdista e instauraram a terra arrasada. Tentaram destruir uma grande parte das instituições e braços do Estado que não lhe interessavam. Conseguiram. Mas não só. A sagacidade desse movimento foi perceber que mais do que destruir um Estado que pode estatizar empresas, seria mais conveniente e eficaz privatizar o próprio Estado. Foi o que fizeram ao votarem a chamada “autonomia do Banco Central”. Autonomia de quem? Ora, do poder de Estado e, portanto, do poder republicano. Conseguiram com isso garantir, desde que manietando corretamente as indicações ao comitê, um governo vitalício dos proprietários, ao menos no que diz respeito à política monetária, algo nada trivial para uma economia nos tempos de capitalismo financeiro.

                   Pois é aqui que entra o princípio de Lacerda. Lula ganhou as eleições e poderá tentar governar, mas de fato agora não é apenas o jogo político do congresso, ora legítimo ora mero clientelismo, que se erguerá como único obstáculo. O Banco Central tem um enorme poder e dita os rumos de nossa economia, deixando ministério da fazenda e ministério do planejamento de mãos atadas. E essa estratégia lacerdista ficou mais do que evidente na última ata do Copom, da qual transborda mais ameaças políticas do que notas técnicas. Sob a presidência de Roberto Campos Neto, braço do capital financeiro à frente do BC, a política monetária instaura o maior juros do mundo em nosso país já castigado pela crise econômica interna deixada pelo governo Bolsonaro e pela crise mundial. A justificativa do BC para a manutenção de juros estratosféricos é servir para contenção da inflação, única variável pela qual parecem operar políticas monetárias, ainda que não haja inflação de demanda no Brasil hoje, única forma inflacionária realmente sensível à elevação da taxa de juros. Sabemos, contudo, que a meta da inflação nada mais é do que a sinalização do quanto será a taxa real de juros pela qual rentistas engordam seus bolsos ao final de um mês de investimentos ou meras especulações. Privatizaram o Estado para que o Estado não possa trabalhar numa lógica republicana.

                   Aliado a isso existe a chamada política de PPI praticada pelo conselho da Petrobrás. Simplificando, a adoção dessa medida faz com que nosso petróleo extraído aqui por mãos e tecnologia brasileiras seja vendido no mercado interno pelo preço internacional do barril. Outro fator que incide sobre o preço dos combustíveis é o fato de o governo Bolsonaro ter privatizado e vendido muitas refinarias brasileiras. Com isso, sobe o preço dos combustíveis e o preço do frete que justamente irá encarecer as mercadorias consumidas, uma vez que adotamos o transporte rodoviário como meio quase hegemônico. Esse nível de preço internacional é o que possibilitou à Petrobrás, empresa que deveria ser pública, distribuir o segundo maior dividendo de lucros no ano passado no mundo inteiro. Pagamos caro o combustível para que acionistas encham seus cofres de dinheiro. E isso se reflete também no preço do pão e de tudo que consumimos.

                   Mas não nos enganemos. A oposição da pior composição parlamentar já vista em nossa história e a privatização do Estado vista acima não estão sozinhas como princípio lacerdista. Este Cérbero tem ainda outra cabeça e a mais feia delas. É a cadela do fascismo como diria Brecht. Pra combater o suposto anedótico fantasma do comunismo, parecem ter evocado no Brasil a tenebrosa figura literária de H. P. Lovecraft, o monstro Cthulhu. Um gigante meio humano, meio polvo, que fazia com que seus observadores fossem levados à loucura, trouxe o terror para combater o outrora chamado Leviatã. Mas a metáfora encontra aí seu limite, uma vez que o fascismo anseia a conquista do Estado justamente para poder operar sua máquina de terror, eliminando as oposições para poder desbastar os efeitos colaterais das democracias que permitem contornos populares.

                   Sendo assim, sabemos que estas forças não estão derrotadas e não deixarão Lula governar. Mais que isso. O governo Lula é na prática uma grande coalizão contra a barbárie e por isso não é de fato um governo popular. E se mesmo assim está impedido de governar para a elite, que dirá para os trabalhadores. E é por isso que o simples voto numa urna não é o fim da democracia, mas o começo. Os movimentos sociais e a população trabalhadora precisam entender que devem ganhar as ruas e lá demonstrar sua força e seus desejos. Petrobrás, Eletrobrás e demais empresas estratégicas precisam voltar ao nosso poder e servir aos propósitos de desenvolvimento nacional e social. Precisamos exigir o fim da farsa da autonomia do Banco Central que não é nada autônomo em relação ao capital financeiro e está matando a economia brasileira. Enfim, a vitória nas urnas, tão suadas, não pode virar motivo de descanso, ainda que merecido. Todo esforço precisa ser feito na árdua luta contra o fascismo e contra o domínio do capital sobre a vida humana e ecologia.

 

quinta-feira, 30 de março de 2023

QUEM TEM CARA DE LADRÃO?

 




Prof. Dr.

Marcelo Gomes





O fascismo brasileiro, reeditado de tempos em tempos desde o período de Plínio Salgado, guarda similaridade com quase todos os fascismos no mundo. É violento, supremacista e autoritário. Mas não apenas isso. Também é misógino, racista, hipócrita, corrupto, irracionalista, mentiroso e asqueroso, como todo bom fascismo. E se é assim, por que é tão difícil combater o fascismo perante os “homens de bem”? A resposta guarda complexidades, mas também algo simples. O fascismo representa uma alternativa fácil às tratativas humanas e por isso ele é muito sedutor, sobretudo aos grupos mais limitados e recalcados.   Fazer política democrática e humanista dá muito trabalho. O fascismo resolve isso facilmente ao abolir a mediação política que não esteja calcada na destruição e eliminação dos grupos e teses concorrentes. Perdendo na argumentação e racionalidade, preferem abraçar o atalho da violência. Outro fator importante da sua difícil erradicação é sua instrumentalidade para as classes proprietárias. Em que pese a democracia burguesa apresentar uma miríade de ilusões sobre a real autonomia do indivíduo, a liberdade dos processos decisórios ou a participação no poder, ela apresenta brechas pelas quais as classes mais baixas podem atuar, desde que organizadas devidamente. O fascismo é sempre uma carta na manga das classes proprietárias.

                   Mas e a decantada imprensa livre e republicana? Não é atacada no fascismo? Não tem como escopo ético a denúncia das injustiças e perversidades do sistema? Sim, a imprensa cumpre certo papel civilizatório na sociedade burguesa, mas tendo como limite claro a propriedade privada e o lucro. Como empresa, a imprensa não transgride seus próprios interesses e por isso não é raro fazer vista grossa a todos os absurdos do corolário do sistema capitalista de exploração. E também não é raro fazer vista grossa aos absurdos e escândalos do fascismo. E no Brasil os escândalos são mais escandalosos.

                   Há anos estamos assistindo a um golpe das elites brasileiras contra nossa democracia. Arquitetaram um impeachment fraudulento contra uma presidente que não cometeu qualquer deslize ético, criminal ou contábil, como ficou claro nas declarações do ministro do TCU ao dizer que de fato não houve “pedaladas” no governo Dilma. O mesmo ocorrendo com o arquivamento pelo MPF desse mesmo processo. Também assistimos a recomposição desta elite econômica e política que agiu rapidamente após o golpe para apertar ainda mais o sistema previdenciário e afrouxar quase à extinção das leis trabalhistas. Os superlucros e a superexploração estavam novamente garantidos. Aí assistimos à ascensão de um xucro fascista ao poder. Uma mistura de bufão como Berlusconi, ignorante como Bush filho e truculento como todo bom fascista, ainda que sua truculência só apareça nos momentos em que está de fato se sentindo seguro. Fora isso, um conspícuo covarde, como evidencia sua biografia atual e de antanho. Aí, pelas mãos e dolo desse fascista, assistimos nossos amigos e parentes morrerem em parte pela doença e em parte pela ignorância e influência de quem, como presidente, cometeu deliberadamente esse crime. Charlatanismo ao prescrever cloroquina e panaceias. Atentar contra a saúde pública quando promoveu a propagação do corona vírus e atuou contra a vacinação ao negligenciar sua compra e, depois, ao propagar mentiras sobre sua eficácia e consequências. Quis associar a AIDS à vacinação além de outros absurdos. Mas também assistimos ao desmonte do Estado em áreas fundamentais. Assistimos à militarização do Estado Brasileiro e distribuição de prebendas. Afinal, a política fascista não tem projeto claro que não seja a perpetuação do poder e a destruição e desintegração das instituições e vida social civilizada. Os gangsteres assaltaram o poder e toda espécie de atividades de contravenção foram autorizadas. O meio-ambiente agonizou como os doentes da Covid19.

                   Ao fim do processo que ainda está em curso, pudemos assistir, por parte desses grupos, a uma desesperada tentativa fraudulenta de permanecer no poder, com direito a compra de votos escancarada, abuso de poder político e econômico, ameaça a trabalhadores, mentiras contra as eleições e até assassinatos de opositores. Ainda assim perderam. Mas assistiríamos ainda à relutância em aceitar a democracia por parte deles. Bloquearam estradas, sitiaram quartéis numa mise en scene autopromovida e invadiram os três poderes da república no dia 8 de janeiro. E mesmo com seu “líder” já homiziado nos Estados Unidos, descobrimos que o rastro de destruição era ainda maior. Houve de fato um genocídio arquitetado contra o povo Ianomami. Os escândalos e possíveis crimes da família Bolsonaro só aumentaram. E finalmente descobrimos que isso pode ser apenas a ponta do iceberg. Recentemente a notícia de que a família Bolsonaro recebeu e tentou desviar joias no valor de milhões de dólares engrossou a lista de delitos que poderão ser incluídos ao rol de crimes de lesa-pátria. Afinal, estamos apenas começando a investigar o volume de joias que foram recebidas, bem como investigar os motivos para tão inédito “gesto de generosidade” por parte de autoridades da Arábia Saudita e Emirados Árabes. E os lotes de joias desviadas não param de aparecer.

                   Mas a pergunta é: quem de fato se escandaliza? No dia de ontem, pudemos ouvir, estarrecidos, o defensor da família Bolsonaro, Ciro Nogueira. Em uma tentativa jocosa buscou retirar a sombra de culpa criminosa de Jair Bolsonaro. E digo culpa e não suspeição porque Bolsonaro e Michele admitiram a posse das joias. Pelo visto, creem na absolvição pelo tribunal da opinião publicada quando admitem a posse e providenciam a devolução do produto desviado ou furtado, a saber. Como um bom e cínico paladino, Ciro Nogueira ressuscitou as ultrapassadas teses do médico Cesare Lombroso, para quem o crime era inato e o criminoso exibia nas suas feições e anatomia a criminalidade como estigmas atávicos. Ciro alegou que não adiantaria atribuir culpa a Bolsonaro, uma vez que “todos” sabem que o ex-presidente não tem “cara de criminoso” (sic). E o argumento parece palatável para muitos dos amantes civilizados do fascismo, uma vez que o racismo estrutural e o sistema carcerário brasileiro parecem mesmo estabelecer um vínculo entre feições étnico-raciais e criminalidade. Para aqueles, talvez a inocência exale da pele branca tanto quanto a culpa exala da tez de quem vem para São Paulo num pau de arara. Para esse sistema de justiça, a morosidade dos processos e o princípio da ampla defesa são contraproducentes. Daí que atalhos lambrosianos aplicados por não-técnicos de teorias anacrônicas e pseudocientíficas são complacentemente aceitos. No universo ideológico dessa elite podre e hipócrita, o branco de olhos claros não pode ser bandido e punguista. Não pode ser assassino ou genocida. Então sem a menor vergonha decidem quem é culpado ou inocente, fornecendo o assombroso aval para aquele que, não tendo “cara de criminoso”, pode praticar seus crimes às claras. Mas pasmem, não os absolvem nos tribunais, mas nas capas dos jornais. Para quê precisamos de tribunais e magistrados? Bastam as declarações dessa mesma elite que faz vista grossa tanto aos crimes do fascismo quanto aos crimes e roubos de indivíduos que comprazem com seus interesses de classe. O ex-juiz Sérgio Moro também não teria absolvido numa coletiva de imprensa os crimes de caixa dois confessados por Onix Lorenzoni? E a simples declaração não serviu de alento e funcionou como absolvição na prática? Poucos se moveram incomodados com tudo isso, pois os donos do poder são cúmplices da abominação jurídica e abominação política quando lhes convém. No entanto, para o justo, muitas vezes a hipocrisia é mais odiosa do que o próprio crime. O silêncio reina constantemente na grande imprensa e nos salões dos tribunais. E o próprio Sérgio Moro agora conta com o silêncio da Mídia a respeito das denúncias documentadas de Tacla Duran que acusa Moro e a lava-jato de terem-no extorquido e exigido vínculos advocatícios com o sócio de Rosangela Moro.

                   A lição parece clara. A depender da cor de sua pele, da sua classe social, da sua designação partidária e dos interesses que seu grupo defende, qualquer crime, por mais hediondo que seja, pode ser cometido impunemente no Brasil de ontem e de hoje. Mas como essa leniência espúria não é um dado da natureza, cabe a nós todos que temos um projeto de nação, uma ética humanista e uma vida coletiva e civilizada a defender não deixar o silêncio reinar sobre as vítimas das nefastas ações criminosas dos fascistas. “Anistia a criminosos nunca mais” deve ser o lema. A hipocrisia é uma vergonha. A cumplicidade é uma vergonha. E ambas não devem mais ser admitidas. Para instaurarmos um novo pacto social é preciso que os crimes e criminosos sejam todos punidos dentro das leis. Ainda que alguns acreditem que de fato que podem rasgar o Código Penal e substituí-lo por manuais farsescos de medicina lambrosiana ou por silêncio no horário nobre.

Brasil da Esperança, Rio Preto da Esperança.

É na eleição municipal que a democracia fica mais evidente, pois é nas cidades que os cidadãos de um país podem se manifestar de maneira mai...