terça-feira, 1 de dezembro de 2020

E se eu bater na sua porta agora?


Cansado e triste, João Pedro tentou muito naquele dia.  Foi a bancos, pois já conhecia o oficio de escriturário, caixa, atendente, mas também foi a lojas.  Achou que conseguiria, em final de ano, uma vaga para vendedor, carregador, empacotador e até mesmo segurança em um estabelecimento qualquer.

Já tinha tentado ser motorista de aplicativo, mas agora, nem carro tem.  Então o que restava?  

Sempre criativo, já tinha procurado idosos no bairro para oferecer de fazer compras, acompanhar a médicos ou coisa parecida.

Até pensou em fazer jardim, trocar torneiras e lâmpadas, para o que não era preciso ser nenhum expert.

Mas nada tinha dado certo.  Ninguém nunca lhe dera qualquer tipo de oportunidade.  Quando muito, ouviam até o fim seu pedido, sua proposta.

Chegou no bar.  Não ia beber.  Não queria beber.  Não precisava beber.  Mas estava com fome.  Uma coxinha de frango não lhe mataria.  Ainda restavam alguns trocados da última parcela do auxílio desemprego.

Se sentou no banquinho e folheou novamente os classificados que tanto olhou naqueles dias.

Mas sua atenção foi despertada por dois sujeitos que conversavam alto.  E um deles parecia ter todas as respostas para o outro que, mais tímido, tentava argumentar.

_Eu acho que vai ficar muito mais difícil que está agora e nós temos sim que aceitar que se faça alguma coisa pra essa gente.

Era uma quarta-feira, ainda em horário comercial.  João não pode deixar de pensar que aqueles cidadãos, por certo, tinham suas vidas resolvidas já que estavam a tomar uma cerveja gelada aquela altura da tarde.

O interlocutor da conversa, deu um gole com vontade em sua cerveja gelada quase engasgando para responder ao amigo.

_De jeito nenhum. Nunca ninguém me deu nada. Tudo o que eu tenho foi conquistado aqui - disse batendo no braço com força.

O outro argumentou insistente:

_Cara, mas e se não tiver emprego pra todo mundo?  O número de desempregados é enorme.

Chamando o balconista para pedir mais uma cerveja, seu amigo riu alto.

_Ah, conta outra.  Pra quem quer trabalhar, não falta 10 metros de quintal pra limpar. É só bater nas portas por aí.

João não queria encrenca, mas levantou-se gritando com ele.  Um misto de esperança com revolta.

_E se eu bater na sua porta agora.  Você tem quintal pra eu limpar?

O cara olhou pra João meio assustado, mas não se fez de rogado.

_Eu limpo meu próprio quintal.

Mas João persistiu.

_Ora, o senhor tem outras coisas para fazer.  Emprego, lazer, coisas enfim. Enquanto isso estará me dando uma oportunidade.

O cara abaixou a cabeça.  Mas levantando arguiu.

_Por que está fazendo isso?

João não entendeu.

_Fazendo o que?

_Oras, me testando.

João puxou um banquinho perto do cara.  Depois colocou as mãos sobre o ombro dele.

_Não amigo.  Você não entendeu.  Eu estou procurando emprego, trabalho na verdade.

O cara riu e cutucando o amigo falou:

_Veja aí. - apontando para João - Bem vestido, falando bem.  São os esquerdinhas querendo bater boca.

João disse convicto.

_Esquerdista?  Nem sei o que é isso.  Só quero comer amanhã.  Esse salgado que eu ia comer era o resto do meu seguro desemprego.  O finzinho dele.

O cara se levantou.  Enxugou a espuma na boca. 

_E você deixou pra procurar o que fazer no último dia?

João sorriu.

_Não amigo.  Desde o primeiro dia do meu aviso prévio eu estou procurando.  Quando ainda podia pagar meu pós pago.  Só que ninguém tem nada pra mim.  Nem lojas, nem açougues, nem padarias e nem quintal pra limpar.  

Tentando consertar as coisas, o rapaz que havia ficado calado até aquele momento, pediu a conta para o dono do bar e falou aos demais.

_É isso que eu tentava dizer.  Não tem e não vai ter emprego para todo mundo.  

Pagou a conta, puxou o amigo pra fora que não se despediu de ninguém, mas saiu pensativo.  Talvez tentando imaginar como alguém melhor aparentado que ele, estivesse naquela situação.

João ficou vendo-os sair do bar.  O balconista o chamou:

_Rapaz!

João pensou feliz.  "Vou ganhar uma oportunidade no bar".

Mas o balconista prosseguiu:

_Se puder escolher logo seu pedido, eu tenho que fechar daqui a pouco.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por contribuir com sua opinião. Nossos apontamentos só tem razão de existir se outros puderem participar.

Brasil da Esperança, Rio Preto da Esperança.

É na eleição municipal que a democracia fica mais evidente, pois é nas cidades que os cidadãos de um país podem se manifestar de maneira mai...