domingo, 12 de julho de 2020

A voz do silêncio

            O tempo em que eu dizia que a noite era uma criança, já era... Nessa época eu era ainda um jovem em busca de aventuras ou novidades. Com o decorrer do tempo as características dos acontecimentos foram sofrendo uma metamorfose tão acentuada que as reflexões foram dando lugar a quase uma certeza absoluta de que eu, à noite, era tomado por uma nostalgia que chegava a assustar-me.
            No meu período pós-adolescência eu continuei com hábitos noturnos, agora com objetivos totalmente diferentes, mas que me levavam a me ocupar com as obrigações ou encargos nos horários que deviam estar reservados para o descanso noturno. Lembro-me que as aulas que deviam ser preparadas diariamente, eu as deixava organizadas à noite, assim como, reservava-me o direito de também nesse período, efetuar minhas leituras.
            Inclusive foi também nesse período de minha vida que eu mais escrevi: Três romances, sessenta contos e críticas, aproximadamente umas noventa poesias além de várias frases e pensamentos. 
            Houve um período em que, não bastasse a insonolência, já excessiva que me era imposta por esse hábito arraigado de vários anos, tive de conviver com uma terrível dor de cabeça que, após doze anos de consultas a médicos e idas e vindas a hospitais, me foi diagnosticada como sendo uma tremenda sinusite que após uma receita prescrita por meu vizinho, doutor Palmegiane, foi totalmente debelada e nunca mais me importunou. Isso também me aliviou, pois trouxe a certeza de que eu não era um notívago e sim, que apenas gostava de fazer algumas tarefas e principalmente, gostava de aproveitar esse período de grande silêncio para melhor poder me concentrar em minhas escritas ou leituras.
            Agora, nada me imponho nem é por bel prazer que fico muitas vezes acordado, e sim porque passo horas sem conseguir fazê-lo, permanecendo à espera que se acalme meu físico e me permita cair nos braços de Morfeu que pode ser até que os mantenha abertos, à espera que neles eu me aninhe. Há noites que permaneço totalmente quieto, estático, a observar o meu derredor. O quarto, agora em penumbra, parece totalmente sem vida. Nele, não vejo nenhum animal ou inseto que possa nos dar a ilusão que a vida continua normal e ativa. Procuro enxergar, ainda que através dessa penumbra, alguma barata, talvez. São tão comuns em noites de calor, mas ali não as vejo. Apenas o que sinto e noto são os sons do silêncio. Alias foi aí que descobri que o silêncio tem voz. Auditivamente não sou perfeito, mas tenho certeza de que ouço a voz do silêncio, o que contribui para me enervar por ser a única coisa que parece ter vida nesse ambiente. Ainda que possa parecer um paradoxo, pareço sonhar que em breve, muito breve, estarei ultrapassando todos esses acontecimentos e possa me estirar em meu leito, rolando pelo colchão, sentindo as carícias de meu travesseiro, único ouvinte de meus queixumes de desalento e angústia, sentimentos efêmeros de minhas noites atuais.
            Talvez então, não mais eu venha a ouvir a voz zombeteira do silêncio a me fustigar e provocar e serei eu que o importunarei em vingança a seu atrevimento, exibindo então meu sorriso de escárnio enquanto ele fica relegado à solidão de meu quarto.
            Tudo isso faz com que eu aguarde ansiosamente por esse momento, embora eu esteja consciente de que terei que esperar. Quanto? Não sei. Mas, enquanto eu aguardo, preciso ter em mente que devo ser otimista e confiante de que esse momento chegará. Se não se concretizar fazer o que? O conformismo deverá então ser a minha meta e, resiliente, colocarei nas  mãos de Deus toda a minha sorte e então, aguardarei que ele dite minha futura sorte.

Por: Gomes de Castro
(Carlos Alberto Gomes)

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