terça-feira, 7 de julho de 2020

Como ou quando?


Parecia tão simples

A gente cresce, amadurece e as coisas começam a ficar muito complicadas.
Eu me lembro, quando criança, tudo parecia muito simples de entender.
Hoje, se não houver explicações muito bem dadas, nada parece claro o suficiente.
O tempo, o espaço, as formas eram naturalmente detectados pelos olhos, pelo tato.  Mas agora, se não forem montadas complexas equações, ninguém dá a menor importância a nada.
É mesmo necessário complicar tanto assim?
Por que tudo tem que ter um fundamento, uma lógica ou um conceito por trás?
Dia, noite, passado, futuro, chão e céu não precisam ser confusos para a gente.
Tangíveis e intangíveis, explicam o que pode ou não ser tocável.  Mas a gente também usa essas mesmas palavras para exemplificar tantas outras coisas.
Fora a enorme confusão que dá nomes dignos a coisas indignas e vice-versa.
Me ponho a pensar que se até um maluco pode se definir filósofo sem o ser de fato, também nós podemos filosofar ao nosso bel prazer.

Considerações

O Alexandre era um grande amigo em minha pré adolescência.  Aliás, ainda é um grande amigo nos dias atuais. 
Mas mesmo lá, no primário, eu sabia que era bem mais esperto e inteligente que eu.
Juntos, em nossas tardes, criávamos brincadeiras bem diferentes da turma toda.  Uma delas, batizamos de “considerações”.
A gente reunia livros de nossos pais para leituras em voz alta.  Discutíamos o que líamos em um profundo debate.  E então, registrávamos nossas considerações e tirávamos nossas conclusões.
Acredite se quiser, foi assim que descobrimos como as crianças veem ao mundo.  Lendo livros e enciclopédias aos doze anos de idade nas tardes após a aula e anotando cada detalhe.
O mais legal dessas considerações eram nossas anotações que viravam nosso próprio arquivo de aprendizado.
Falávamos de tudo.  Desde botânica, línguas, até história.
Alexandre tinha um jogo de lentes que ganhou do avô que era fascinante.  De luneta a microscópio.
Naqueles dias, não era preciso estudar física além do comum para descobrir os efeitos do som, da luz ou mesmo do impulso.
Ele era mais afeito a números que eu.  Tanto que eu só viria a gostar de física depois de me tornar um quarentão.
E o fato de gostar, não faz de mim um físico.  Talvez um curioso, que ainda observa e anote as próprias considerações até hoje.
Lá, quando criança, o que mandava era mesmo o experimento.  Um empirismo infantil, fruto da inconsequência.
Eu prossegui anotando tudo.  Desde minha primeira experiência com feijões.

Os vários feijões

Certa feita, a professora de ciências (tínhamos uma matéria chamada “agricultura” no colégio), nos encomendou para botarmos um grão de feijão sobre o algodão, em um potinho vazio de iogurte e molhá-lo, observando ao longo dos dias.
Daí, deveríamos desenhar o broto em seu desenvolvimento diário ou a cada dois dias.
Como crescia rápido.
Logo eu tinha umas sete ou oito imagens diferentes da plantinha.  Meu feijão.
Ao entregar o trabalho à professora, me lembro de ter discordado dela ao tentar explicar cada pé de feijão sobre a cartolina.
_Não são vários pés de feijão – disse ela enfática.  É apenas um em suas múltiplas fases.
Mas eu defendia minha tese com ardor.
_Não professora, são vários pés de feijão.  Pois esse é diferente desse que é diferente do seguinte e assim por diante.
Me parecia tão simples.  Tão claro.  Afinal, cada dia ao olhar o experimento, me deparava com algo diferente.  Como dizer que o embrião era o mesmo broto, depois o galho mais avantajado e por fim aquela folha viçosa?
_Ora menino... a planta cresceu.
_Sim e se transformou.  Diariamente foi deixando pra traz quem era para se tornar outra.  E registrei todas elas.
Não me lembro a nota que tirei desse trabalho, mas com certeza não foi muito boa.  E se foi razoável, foi muito mais pela arte em si que pela minha discussão “irrelevante” sobre o pé de feijão.

Os frascos de shampoo

Morávamos numa casa simples.  Portanto, não existiam banheiros e sim apenas um, ao que chamávamos de “banheiro social”.
Acho que ainda é assim que se referem os corretores de imóveis ao mostrar uma casa ou apartamento para alguém. 
Aliás, os banheiros podem ser iguais e conter as mesmas coisas, mas dependendo de sua posição na construção, ganham também outros nomes.  Lavabo, banheiro da suíte, banheiro social ou banheiro da edícula.  Mesmo quando está em um apartamento, mas faz parte do quartinho dos fundos.
Só que é melhor eu deixar isso de lado para focar no assunto aqui.
Cada um de nós quatro (eu, meu irmão e meus pais), tínhamos um frasco de shampoo diferente.
De vez em quando, com os olhos ardendo ou irritados pela água, ao apanhar o frasco de shampoo eu acabava por pegar o errado.  Então marquei o meu.  Era branco.  Havia um mais puxado pro bege e outro meio areia.
Ah, mas o duro era tomar banho ao entardecer.
Se eu acendesse a luz, as cores ficavam confusas e todos os frascos, até por conta da forte luz amarela das lâmpadas incandescentes de então, se pareciam.
Se eu não acendesse a luz, no entardecer, as cores sofriam alteração e eu pegaria o shampoo de meu irmão no lugar do meu.
Caramba.  Tinha que anotar isso nos meus apontamentos.  Afinal, o mesmo frasco se tornava outros quando impactado pela luminosidade do momento.
Acredito que se eu tivesse relatado a professora de então, ela também me teria contradito. 
_Não vê que é o mesmo frasco, apenas observado em horários e sob iluminação diferente?
E então eu diria que não.  Cada frasco seria diferente do outro.
Ah em dias como hoje nos quais todos temos um celular-câmera fotográfica o tempo todo nas mãos. 
Eu fotografaria o frasco em cada horário diferente para provar minha tese. Haveria fotos de vários frascos diferentes.

As caixas d’água

Eu amava ir com meu avô, pelo menos uma vez por semana, em sua chácara.
Ele gostava tanto de reunir a família lá aos domingos, que chamou-a de Chácara dos Netos.  Colocou até uma placa no portão.
Mas o que tinha de diferente é que eu e meu irmão íamos com ele durante a semana, em pelo menos um dos dias.
Meus demais primos só aos domingos.  Isso fazia do lugar, um pouquinho mais nosso.
Meu irmão, bem mais jovem, gostava de bichos e passava o dia caçando ou procurando lagartos, lagartas ou o que o valha.
Já eu me ocupava com as plantas.  E gostava mesmo de ajudar a regar.
Para esse fim, meu avô mantinha uma caixa d’água de amianto, hoje material impróprio (na verdade à época já devia ser, embora de uso comum), com água para a rega.
Não tínhamos medo de mosquito naqueles dias.  Acho inclusive que não dava tempo de juntá-los, pois utilizávamos quase todo o conteúdo cada vez que íamos regar as plantas.
Árvores frutíferas, nos pés das quais ele fazia uma coroa, que eu em seguida com um balde enchia de água.
A cada volta na caixa, me deparava com uma caixa diferente.
À medida que mais vazia, eu conseguia arrastá-la ou virá-la para facilitar a coleta da água.  E quando quase vazia, ele me deixava entrar e limpar lá meus pés.
Eu então gostava dela cheia, pois era aquela que me possibilitaria regar bem as plantas.  Quando mais vazia, me obrigava a movimentos mais difíceis até para alcançar a água.  Até chegar no ponto em que eu adorava.
Cada uma delas, uma caixa diferente a me proporcionar sensações e emoções diferentes.

Os bifes

Todo mundo que experimentou ir ao mercado com fome, gastou além da conta.
Quando criança eu raramente acompanhava minha mãe às compras.  Mas compreendi fácil isso quando em uma noite, ao sentar à mesa para o jantar, olhei com desdém para o bife.
Embora suculento e cheiroso como sempre, naquela noite não tinha pra mim qualquer valor.
Me lembrei que houve situações em que briguei com meu irmão pelo bife mais gordo, ou então pelo mais ao ponto.
Claro.  Um mesmo bife pode ser diferente dependendo de nosso apetite. 
_Você não está bem – falou Maria da Penha.
Mas eu estava.  Apenas não queria o bife aquela noite.
Até que na noite seguinte ela fez apenas um para cada um de nós.  E quando quis repetir ela me lembrou da desfeita na noite anterior.
_Não há nada de diferente no bife de hoje com relação ao de ontem. 
E claro.  Tive que discordar. 
_Sim, há.  O de ontem não me chamou a atenção.  Não me despertou a vontade.  Já o de hoje é diferente.  Seu cheiro, me tortura enquanto não o posso mastigar.
_Ah, menino louco.  O de ontem tinha o mesmo cheiro.
De novo, não era o mesmo cheiro.  Era um cheiro percebido por alguém que não estava com apetite.
Essa incompreensão das pessoas perante minha observação dos fatos, das coisas, ia direto para meu caderninho de considerações.
E então chegava um dia em que eu ia ler os apontamentos.

Apontamentos


Pessoas podem ser como brotos de feijão.  Crescem, evoluem, se aprimoram ou se enchem de manias.  Isso faz delas pessoas diferentes em cada fase de suas vidas, ou em muitos casos, num mesmo dia.
Elas também podem parecer diferentes pelos olhos de quem as percebe, dependendo do momento, do prisma pelo qual são observadas, como os frascos de shampoo.  Até seu humor variam, dependendo de quem as vê e do estado de espírito que o observador está vivendo naquele instante.
O que talvez mais defina, no entanto, as pessoas, mais até do que seu desenvolvimento ou a forma como a observamos parece ser seu conteúdo.  Vazias ou cheias, transbordando generosidade, cortesia ou com ausência total de simpatia, nos causam emoções ou sensações diferentes.
Por fim será nosso amor, nossa vontade ou não de encontrar ou estar com alguém, que fará dessa pessoa alguém que desejamos perto ou longe. 
Tão fácil de entender, sem necessidade alguma de faculdade ou curso equivalente.
Na tosca e infantil análise de situações corriqueiras, eu conseguia formular minhas teorias e compreender melhor o mundo.
Por que cresci? 
Agora se quero compreender algo, tenho dois caminhos.  Estudar muito sobre, ou buscar profissionais que me possam ajudar a fazê-lo.

Don Alexandrino

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por contribuir com sua opinião. Nossos apontamentos só tem razão de existir se outros puderem participar.

Ser uma nova versão.

Muitas vezes eu me ponho a aconselhar pessoas.   Desde os filhos, companheira, amigos e até quem não pede conselho algum. Feio isso, né? A...