domingo, 4 de novembro de 2018

Café com os pais.

Caroline, minha mulher, fez falta em um encontro recente em casa de meus pais.  Gosto de ouvir a  defesa de suas opiniões e creio que meus pais também teriam se deleitado.
Em um cafezinho com eles no último sábado, vivemos discussões importantes e de altíssimo nível.  Momentos de lágrimas e até de sonhos revelados fizeram da tarde, em meio ao jardim florido de minha mãe,  agradável e instrutiva.
Tudo por conta da ressaca eleitoral vivida após o pleito que levou à presidência do país um candidato da extrema direita e consagrou, mais uma vez, o tucanato no governo de São Paulo.
Meus pais são lutadores inveterados na vida.  Batalharam como empresários e exerceram atividades honrosas pra mim durante toda minha infância e juventude.
De escola de música a confecção, de vendas no porta-a-porta até me legar uma profissão que exerço até hoje com certo êxito.
Professora de música, minha mãe agora, após sua aposentadoria, cuida de algumas confecções encomendadas por empresas (uniformes) e faz seu artesanato com um talento ímpar.
Vendedor de livros e corretor de seguros, meu pai agora escreve enquanto ajuda minha mãe nessa atividade extra do pós aposentadoria. Contos e poesias tomam um pedacinho do seu dia, escrevinhando para a posteridade num estilo romântico que celebra parte de suas memórias.
No entanto, entre uma coisa e outra, ambos foram professores.  E como tal, vivenciaram os graves problemas da educação brasileira que vão desde as escolas rurais com alunos extremamente pobres e classes partilhadas até as salas de aula abarrotadas dos últimos tempos e a crescente indisciplina dos alunos.  E nunca os culparam, entendendo que a educação não evoluiu para abarcar os sonhos e necessidades das novas gerações.
Sempre, no entanto, viveram o abandono dos governos que preferiam outros setores em que investir, deixando de lado o que seria a base da sociedade brasileira.  Mesmo quando se cantava o Hino Nacional e se ministrava Educação Moral e Cívica, as escolas eram relegadas a segundo (ou terceiro) plano.
Professores mal remunerados, principalmente no Estado de São Paulo, tinham que conviver com escolas deficientes em suas instalações e a precariedade generalizada no ambiente que não incentivou a atualização de métodos de ensino e dos próprios agentes da educação.
Meus pais, até por isso, são pra mim um baluarte no tocante a exemplo de vida em todos os sentidos.
Meu irmão, também educado por eles, formou-se e doutorou-se sendo hoje professor universitário em uma universidade pública não menos dependente do Estado em que está.  E com ele também tenho discussões privilegiadas sobre esse e outros temas. Também com sua mulher, igualmente professora e mestra.
Mas o que fez da tarde de sábado tão diferente foi uma profunda análise de nossa vida pessoal, aliada ao que seria o cotidiano dos demais brasileiros.  O que fez com que amigos e familiares próximos, de aparente proximidade cultural e ideológica, de repente se postarem tão distantes nesse momento no que tange a opinião e avaliação dos fatos?
Discutimos, por exemplo, sobre a força da internet.  Sua abrangência ilimitada e seu acesso, quase que universal, em todas as camadas da sociedade.  O que poderia servir como um grande apoio e limitador da má imprensa que por várias vezes teve lado e definiu opiniões, acabou sendo utilizado com critérios semelhantes e serviu a propósitos demasiadamente obscuros.
Pra se ter uma ideia, recebi novamente a foto da faculdade de Piracicaba, Luiz de Queiroz, como sendo a sede da enorme fazenda de Lulinha e sua infinidade de cabeças de gado.  Já desmentida em 2014, após inclusive as investigações da Polícia Federal que nada encontrou de errado nos filhos do ex-presidente, a postagem falsa ainda mantém pessoas espumando de ódio incontido.  E olha que o pleito terminou e Lula nem estava na disputa. Continua inclusive preso enquanto tantos outros vorazes consumidores de propina estão soltos e até concorreram e venceram.
Ninguém também parece se preocupar com o crescimento vertiginoso do patrimônio,  esse sim comprovado, dos filhos do presidente recém eleito.
Mas isso só evidencia que há uma forte tendência de que as forças continuarão sendo aplicadas para que não haja reações ou resistência dos derrotados ao que está posto.
Quando falamos sobre leitura, nos chamam de arrogantes.  O fato é que na família, gostamos bastante de ler.  Ainda somos apaixonados pelo cheiro da tinta e da cola, o que faz de nós consumidores de livros de papel.  Isso talvez faça sim diferença perante as nossas opiniões e as daqueles que se baseiam apenas em postagens de internet ou naquilo que as tradicionais revistas e jornais de TV apresentaram durante anos.
É pode-se discordar, mas se alguém acompanhou a trajetória de Assis Chateaubriand e seus Diários Associados, sabe o quanto a comunicação fez estragos por esse país. Que o diga o velho Cidadão Kane. Recentemente foi possível também acompanhar a queda de braço entre o jornal argentino Clarin e a então presidente do país Cristina Kirchner.
Jornais e revistas, canais de rádio e TV, empossaram e derrubaram governantes em várias partes do mundo sempre que quiseram.
Por isso afirmei que a internet poderia ser um antídoto.  Mas ao mesmo tempo, a facilidade com que penetra os ambientes e a liberdade com que produz material, tem feito com que ícones e algoritmos encontrem a pessoa certa para "comprar" a sua verdade e difundi-la em seu meio.
Se hoje consulto uma passagem aérea para o Peru, receberei notícias (sem pedir) de passeios pelo Peru, restaurantes e hotéis daquele país.  De igual modo, conforme posto minhas opiniões, abro espaço e caminho para que outras opiniões semelhantes ou mesmo notícias falsas que contemplem meu pensamento, cheguem até mim recheados de argumentos.
Mesmo meus pais, oriundos de outra geração, são capazes de compreender isso, o que muitos jovens e pessoas talvez mais instruídas, não o foram.  Assimilam aquela imagem e mensagem e se colocam a difundi-la com grande apetite.
Amigos e familiares afrontam nosso bom senso com mensagens e notícias sem fundamento as quais afirmam por verdade, ao ponto de nos taxarem de "inocentes" ou até "burros", como aliás, ocorreu várias vezes durante esse processo eleitoral.
E não adianta tentar desmentir.  Como no caso da Lei Rouanet e seus claros benefícios, transformada em "roubo" pelos incautos.  Também e tão desmentido, o famoso kit gay (que não existiu) atribuído a Haddad. Eles realmente creem nisso e debatem com solidez inesperada, visto que jamais se detiveram a discutir política, economia ou educação em outros "carnavais".  Quantas vezes ouvi nos churrascos de domingo que política não se discutia?  E por parte desses mesmos comentaristas de "tradicional" entendimento do tema.
Por conta dessa luta inglória em prol da verdade, minha mãe pediu com o carinho e preocupação peculiares, ao que foi acompanhada sonoramente por meu pai, que eu deixasse de lado esse tipo de confronto e me detivesse a trabalhar e tocar minha empresa.
Eles avaliam que não vale o desgaste se ninguém quer ouvir ou dar atenção.  E que esse embate poderia prejudicar o andamento de meus negócios e até, quem sabe, a minha segurança.
Não estão de todo errados.  Minha mulher, que assumiu seu lado de forma escancarada, já sofreu na própria pele o desligamento de pessoas queridas por conta de discussões mais acaloradas.  Recentemente, inclusive, foi cobrada por um amigo de uma negociação não efetivada revelando que o embate político faz aflorar questões adormecidas.  Sem falar no fato de que temos, eu e ela, a impressão de não sermos tão bem quistos assim em alguns ambientes. "Vitimismo" de esquerda, quem sabe.
Mas há uma série de coisas a se ponderar aqui e preciso elencar cada uma delas.
Primeiro, essa eleição servirá para que os militantes políticos de todo o mundo, avaliem suas posturas, material de trabalho e capacidade de organizar as ideias e projetos. Por toda a parte, sobretudo após o efeito Trump, as eleições serão diferentes. Depois, ela vem mostrar que há sim, no país, uma casta que concorda em boa parte com o discurso vencedor que extrai alguns ranços que sempre estiveram presentes no caráter e personalidade das pessoas.  Ninguém se tornou racista, homofóbico, autoritário e favorável à pena de morte da noite para o dia.  Isso tudo estava ali como anseio profundo e "oculto" de boa parte da população (não maioria como ficou evidenciado pelas urnas).  Terceiro, os resultados demonstram ainda um governo que estará em disputa interna e que desfrutará de um possível despertar de seus apoiadores ao menor deslize.
Por exemplo, nomeações serão acompanhadas com lupa e os integrantes do governo serão cobrados de sua lisura.  Do contrário cairá por terra o discurso da limpeza e do novo que já não se sustenta ao eleger um deputado de quase 30 anos de atuação parlamentar. Demora, mas a ficha cai.
O fim de alguns ministérios já anunciados, também desmantelam grupos de apoiadores intimamente ligados. Como exemplo esportistas, artistas e ambientalistas que assistiram, em menos de uma semana, a perda de suas pastas especiais, começarão a questionar onde vão parar.  O próprio caso de Moro que prendeu o principal oponente e abalou-se nas férias para negar-lhe um hábeas corpus e agora é premiado com o convite, poem na cabeça de juristas e outros formadores de opinião mais sérios a pulga atrás da orelha quanto ao possível conchavo anterior, que tendo ou não existido, abrirá um ramal de incerteza.
Tudo isso sem falar que esse governo será tão vítima das notícias de internet quanto foram seus concorrentes na eleição.  Já circulam vídeos sobre uma possível farsa da facada e os desencontros de seu vice nas falas públicas.  E contra isso, fica difícil demais lutar, como nós mesmos sentimos na pele.
Então no momento, debater, falar e militar não pode e não deve colocar ninguém em situação de risco, seja risco real à segurança, seja em risco de credibilidade.  Como eu disse, até agora é um governo ainda em disputa.
Numa república, eles precisarão conversar com Congresso e com os tribunais e até ontem, pelo menos, o tato para lidar com isso não era dos melhores.
Meus parceiros mercantis tem ou devem ter a maturidade de ver em mim alguém com pensamento crítico e que portanto, pensando ou não diferente deles, não se submete aos arranjos possíveis, seja lá de qualquer esfera pública, para o bem estar do negócio que é sólido por si só, independente de quem governe a prefeitura, o estado ou o país.
De igual modo, parentes e amigos devem ser solidários e compreensíveis ao jus esperniandi de quem debate à exaustão na defesa de seu ponto de vista, aparentemente derrubado pela votação do último domingo, mas passivo de autocrítica e até de reafirmação, se for o caso.
Claro que há, de ambos os lados, destemperados de toda sorte que não devem ser levados em conta, pois esses no afã de verem suas convicções se firmarem, não porão sob qualquer "peneira" o vigor de seus ataques.  Isso conduz ao erro, ao engano e não logra êxito.
Então é claro que continuarei a trabalhar normalmente, pois como empresário corro até o risco de ser beneficiado pelas leis fiscais e trabalhistas a serem modificadas pelo próximo governo.  Mas também é claro que continuarei a questionar o meu país, meus governantes e quem quer que seja, no entendimento de situações que possam impactar na vida das futuras gerações nas quais estão inclusas a minha descendência.
Ressalto também que não há como dizer-se cristão sem ter agredidos os principais preceitos dessa vocação.  A paz, a fraternidade, a igualdade, a justiça e o respeito as minorias são corolários da fé em Cristo.
As sombras de guerras ou conflitos armados, de uma ditadura de proporções subterrâneas, são apavorantes em nossa memória, ao certo pelo nosso curto espaço de tempo na vida democrática.  Mas também isso dependerá muito de um cenário propício que a unidade internacional possa permitir.
De tradição pacífica e cordial, o Brasil agrega defensores em todas as escalas do planeta.
E claro, não há nenhuma infantilidade aqui.  Sabemos de tudo o que é possível.  Sei inclusive que o que se fala e se escreve, numa tarde de café em casa dos pais, não passa desapercebido por ninguém, nem pelos vizinhos.  E realmente aposto nisso, pois afinal de contas, estar ou tentar estar no lado certo da história é que no final fará toda a diferença.
E eu, longe de ser um ativista, um guerrilheiro ou um ávido combatente, ainda lido com meus conflitos internos e minhas contradições pessoais sendo ao mesmo tempo um filiado na esquerda e proprietário de meio de produção.
Haja sanidade.




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