quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Engole o Choro

Resultado de imagem para Engole o choroQuando as forças se vão e todo o chão desaparece por sob os pés, mesmo os mais experientes padecem.
Homens choram, mulheres fortes sofrem.
Tudo escurece e aquele tom de cinza cobre o jardim, pinta o céu e passa a fazer parte mesmo das roupas.
Se emagrece ou até se engorda demais. As rugas ficam salientes, destacam-se as olheiras e mesmo os cabelos se tingem.
Uns comem sem vontade e outros não tem a menor vontade de comer.
Tem aquele que só quer ficar na cama, mas há quem passe o dia todo fora, com medo de voltar pra casa.
A isso denominamos tristeza.
E a tristeza existe desde sempre, bem ali, ao ladinho da felicidade.
Alguém pode dizer que hoje a tristeza é maior que antes.  Que mais pessoas são ou estão tristes do que nos tempos idos.  E a depressão, de fato, já passou a ser tratada por todos como se fosse um resfriado, aquele pequeno desconforto que aparece de quando em quando e a todos submete sem distinção.
Pois é.
Crianças, jovens, adultos e idosos, parecem estar sempre cabisbaixos.  Não encontrando muita razão para suas vidas.  Uns por estarem velhos demais, outros porque não crescem nunca.
Nem dá pra jogar a culpa na classe, pois pobres e ricos são tão tristes ou tão felizes quando podem, desprezando o que possuem ou renegando o que jamais possuirão.
Muito magro, muito gorda, desajeitado, tímida.
Ansiedade, pânico, bipolaridade.
Escuta-se sobre doenças oportunistas que fisgam os tristonhos.  Fala-se de aumento dos suicídios.
Não parece haver saída pra ninguém.  Uma epidemia de apatia, de desarvoramento.
Ora enche as igrejas e templos de desesperados, ora lançam os acometidos desse "mal" ao descrédito total de qualquer ação divina.
O fato é que tudo isso pode até ser verdade.  Mas em comparação a que?
Como podemos quantificar a dor da tristeza se ela é sentimento?
Saudade de quem partiu, de quem partiu pra outra.  Saudade do que se viveu ou vontade daquilo que não se vai viver. Isso é real.
Então, por que sabemos tanto sobre isso, se não temos um cenário de comparação?
Pior que temos.  O tempo todo a comparação com a enorme felicidade, prosperidade, alegrias, bom humor, festejos, beleza, encantamento nos é exibida pelas telas dos celulares e computadores.
Como são felizes e sorridentes os personagens do Instagram, do Facebook. Como são perfeitas suas famílias, suas viagens, seu trabalho.  Como se divertem todos.  Como vão a festas completas.  A qualquer dia da semana.  Quanto dinheiro. Quanta beleza.  Carrões, lindas roupas. Corpos sarados.  Amigos e "peguetes" ao redor em todas as ocasiões.  Mesas fartas.  Copos na mão.
Esse comparativo é portanto o grande responsável pelo cultivo à tristeza, ao desânimo que enchem os consultórios.
E mesmo esses acometidos, feridos, atingidos, acabam por repetir o processo a ferir e maltratar as almas reais, legítimas de fora das redes sociais, só pra não ficarem por baixo.
Não que não haja a tristeza verdadeira, oriunda de perdas, dores, falta de perspectivas e mesmo incapacidade de busca das realizações pessoais.
Mas a tristeza "crônica" que parece dominar a humanidade em uma enorme crise existencial, provém sim da observação quase que permanente de "felicidade" virtual que acreditamos ser verdadeira e disponível, mas que não atingimos, pelo menos nessa plenitude.
Não seria normal que nos sentíssemos felizes ao ver tanta gente feliz e realizada?
Sim no mundo perfeito.
Quando em excesso, essa "felicidade" que todos fingem estar vivendo, deixa nas demais pessoas a frustração ou a dúvida de que se possa atingir aquele sentimento algum dia.
Por isso, cada vez mais são repetidos os "mise en scene" individuais que querem parecer ou se acreditar felizes e o círculo vicioso se propaga.
Quantos despertam pela manhã sequiosos de verem seus amigos e o que fizeram na noite anterior?
Não pra comungar de suas conquistas, mas para desejá-las com furor.
Há que se entender que a tristeza está na mesma linha da felicidade.  Se oscila para um lado aumenta a felicidade.  Se caminha para o lado inverso, aumenta a tristeza.
Se percebermos a frugalidade de quem posta tudo, desde o prato do almoço que acabou de preencher até o novo sapato comprado naquela tarde, entenderemos que nossas vidas não são tão diferentes assim de qualquer um desses de "sorriso fácil".
Qual o real objetivo de se mostrar em uma balada, em uma reunião, em um aeroporto, que não afirmar-se, de algum modo, completo e vencedor?
Não seria mais interessante curtir os momentos que registrá-los provocando em outros a inveja ou minimante a tristeza?
Cada dia mais profissionais da saúde mental tem dito, que ao abrir mão desse comportamento doentio a que está submetida toda a sociedade, 24 horas por dia olhando para uma tela com a obrigação de preenche-la, bem como à espera de uma outra imagem de vida alheia, então vamos começar a viver tristezas com causa e alegrias mais duradouras e menos fabricadas.
A tristeza com causa, tem fim, quando arrefece o motivo que a gerou.  Como a morte superada, o divórcio encarado, a dor curada etc.
A alegria verdadeira provém de dentro de nós.  Fruto, claro, de nossa decisão de prioridades, de realidades.
Essa partilha com as falsas realidades do mundo virtual, se assemelham, olha só, ao psique de quem, vendo uma novela todos os dias, já se imagina pertencente ao roteiro, amigo dos protagonistas e até mesmo do diretor.
Só a convivência real é capaz de fazer surgir em nós a luz que dissipa as sombras que cobrem as almas.  As chamas que aquecem o coração e faz derreter a espessa camada de gelo que o cobre.
É assim que recobramos a razão e sentimos eclodir a primavera, florescer os campos e colorir nossas paisagens.
No abraço sentido, consentido e por que não dizer, inchado de sentimentos, nossa história volta a fazer sentido.  Até porque é nossa e não mais aquela que procuramos nos outros. Nos completos e felizes cenários da internet.
Demorou.  Foi difícil, mas estou finalmente redescobrindo a alegria.  Compreendo que felicidade é mais completa e duradoura. Talvez seja, como diz a canção, "brinquedo que não tem".
Mas a alegria já me basta por enquanto, posto que é capaz de expulsar, com fúria, a ameaça da tristeza sem sentido que corrói a tudo que encontra pelo caminho.
Já não comparo mais.  O que não se pode tocar de verdade é só imagem.  Pixels.
Estou ciente dos vazios d'alma que povoam e emolduram as publicações quase todas.  E acordado para isso, finalmente entendi que não mais adormece, quem de fato desperta.



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