Imagem: G1 |
Policiais militares queimando uma
cruz em um ritual de fogo, erguendo os braços em meio à fumaça, enquanto um
brasão flamejante do BAEP brilha no chão.
As imagens, rapidamente apagadas
das redes sociais, mas não da memória pública, acendem um alerta grave sobre a
cultura interna de certas corporações e os limites entre o simbolismo e o
desvio de conduta.
A queima de cruzes é um ato
historicamente associado a grupos de ódio, em especial à Ku Klux Klan,
organização supremacista que utilizava o fogo como instrumento de terror
racial.
Apesar de a Polícia Militar e a
Secretaria de Segurança Pública terem se apressado em repudiar "qualquer
manifestação de intolerância", a gravidade do gesto não pode ser
minimizada.
Não se trata apenas de um
"excesso" isolado, mas de um ato que carrega um simbolismo perigoso,
capaz de corroer a confiança da sociedade nas instituições que deveriam
protegê-la.
O vídeo em questão não mostra um
simples treinamento ou uma encenação rotineira.
A coreografia das chamas, os braços
erguidos e a exaltação do brasão em fogo remetem a rituais de afiliação e
lealdade que transcendem o profissionalismo policial.
Quando agentes da lei adotam
gestualidades e práticas que ecoam discursos de extremismo, ainda que sem
intenção declarada, normalizam-se códigos que podem alimentar comportamentos
autoritários e excludentes.
A PM de São Paulo afirma que
investigará o caso e punirá eventuais irregularidades, mas a pergunta que fica
é: como práticas como essas foram concebidas, autorizadas e filmadas sem que
houvesse, em nenhum momento, a percepção do seu caráter problemático?
A ausência de filtros críticos
dentro da corporação expõe uma falha institucional que vai além dos indivíduos
envolvidos.
A rápida remoção do vídeo sugere um
reconhecimento tácito de seu teor inadequado, mas a sociedade não pode se
contentar com a simples supressão das evidências.
É preciso que a investigação
prometida seja conduzida com rigor e transparência, esclarecendo se o ato foi
uma iniciativa isolada ou parte de uma cultura mais ampla dentro do batalhão.
A polícia existe para servir e
proteger, não para cultivar mitologias internas que possam ser lidas como
afronta aos valores democráticos.
Se o fogo na cruz foi encenado como
um símbolo de "renascimento" ou "purificação", como alguns
rituais corporativos alegam, cabe questionar por que uma instituição pública
escolheu uma representação tão carregada de histórica violência.
Se, por outro lado, houve qualquer
conotação ideológica, a responsabilização deve ser exemplar.
O caso do BAEP não é um mero
deslize de comunicação: é um sintoma de uma militarização que, quando
desacompanhada de reflexão ética, pode degenerar em cultos à força bruta e a
simbologias perigosas.
A sociedade deve exigir respostas
claras, e a PM deve ir além das notas de repúdio, promovendo uma revisão
profunda de suas práticas internas, antes que o fogo do simbolismo inadequado
se torne um incêndio de desconfiança irreparável.
A queima da cruz não foi só um
erro: foi um alerta. E é dever do Estado ouvi-lo.
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