quarta-feira, 16 de abril de 2025

A Queima da Cruz e o Sinal de Alerta para os Excessos nas Corporações Policiais

 

Imagem: G1
Um vídeo divulgado pelo 9º Batalhão de Ações Especiais de Polícia de São José do Rio Preto, minha cidade, nesta terça-feira dia 15, escancara um cenário perturbador.

Policiais militares queimando uma cruz em um ritual de fogo, erguendo os braços em meio à fumaça, enquanto um brasão flamejante do BAEP brilha no chão.

As imagens, rapidamente apagadas das redes sociais, mas não da memória pública, acendem um alerta grave sobre a cultura interna de certas corporações e os limites entre o simbolismo e o desvio de conduta.

A queima de cruzes é um ato historicamente associado a grupos de ódio, em especial à Ku Klux Klan, organização supremacista que utilizava o fogo como instrumento de terror racial.

Apesar de a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública terem se apressado em repudiar "qualquer manifestação de intolerância", a gravidade do gesto não pode ser minimizada.

Não se trata apenas de um "excesso" isolado, mas de um ato que carrega um simbolismo perigoso, capaz de corroer a confiança da sociedade nas instituições que deveriam protegê-la.

O vídeo em questão não mostra um simples treinamento ou uma encenação rotineira.

A coreografia das chamas, os braços erguidos e a exaltação do brasão em fogo remetem a rituais de afiliação e lealdade que transcendem o profissionalismo policial.

Quando agentes da lei adotam gestualidades e práticas que ecoam discursos de extremismo, ainda que sem intenção declarada, normalizam-se códigos que podem alimentar comportamentos autoritários e excludentes.

A PM de São Paulo afirma que investigará o caso e punirá eventuais irregularidades, mas a pergunta que fica é: como práticas como essas foram concebidas, autorizadas e filmadas sem que houvesse, em nenhum momento, a percepção do seu caráter problemático?

A ausência de filtros críticos dentro da corporação expõe uma falha institucional que vai além dos indivíduos envolvidos.

A rápida remoção do vídeo sugere um reconhecimento tácito de seu teor inadequado, mas a sociedade não pode se contentar com a simples supressão das evidências.

É preciso que a investigação prometida seja conduzida com rigor e transparência, esclarecendo se o ato foi uma iniciativa isolada ou parte de uma cultura mais ampla dentro do batalhão.

A polícia existe para servir e proteger, não para cultivar mitologias internas que possam ser lidas como afronta aos valores democráticos.

Se o fogo na cruz foi encenado como um símbolo de "renascimento" ou "purificação", como alguns rituais corporativos alegam, cabe questionar por que uma instituição pública escolheu uma representação tão carregada de histórica violência.

Se, por outro lado, houve qualquer conotação ideológica, a responsabilização deve ser exemplar.

O caso do BAEP não é um mero deslize de comunicação: é um sintoma de uma militarização que, quando desacompanhada de reflexão ética, pode degenerar em cultos à força bruta e a simbologias perigosas.

A sociedade deve exigir respostas claras, e a PM deve ir além das notas de repúdio, promovendo uma revisão profunda de suas práticas internas, antes que o fogo do simbolismo inadequado se torne um incêndio de desconfiança irreparável.

A queima da cruz não foi só um erro: foi um alerta. E é dever do Estado ouvi-lo.


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