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Era para ser uma segunda-feira
comum. Até que, num piscar de olhos, o século XXI desmoronou.
O apagão que engoliu Portugal e
Espanha no dia 28 não foi apenas um blecaute técnico. Foi um espelho. Nele, vimos refletida a
ilusão frágil de nosso controle sobre o mundo moderno.
Em Madrid, os semáforos morreram
de repente, como se um deus caprichoso tivesse soprado sobre velas de
aniversário.
Nas entranhas do metrô, homens e
mulheres tropeçavam como sonâmbulos, dedos crispados em celulares que, de
repente, já não eram smartphones, mas sim toscas archotes digitais.
A frase “Ninguém sabe de nada,” de
uma professora à BBC ecoou como um mantra involuntário pelas ruas.
Ali, num raro momento de
democracia brutal, CEOs de ternos caros e garis de uniformes suados
compartilhavam o mesmo olhar perdido. Todos igualmente reféns, todos igualmente
primitivos, reduzidos ao ato mais antigo de caminhar.
Lisboa não sorriu. Brasileiros
espalhados pela cidade, aqueles eternos desbravadores de crises, encontraram-se
marchando como peregrinos do século XXI, sob um sol que agora parecia zombar da
escuridão elétrica.
Metrô? Fantasma. Táxis? Lendas
urbanas. Ônibus? Latas de sardinha humanas que ninguém sabia quando, ou se,
chegariam.
Nos supermercados, o surrealismo
pintou quadros dignos de Dalí. Carrinhos de compras abandonados como naufrágios
em corredores desertos. Caixas registradoras transformadas em peças de museu. E
o dinheiro, ah, o dinheiro! Aquele velho inimigo da modernidade, agora rei
absoluto. Filas quilométricas diante de caixas eletrônicos como peregrinações
ao deus Mamon numa sociedade que jurara tê-lo abandonado.
Nas redes sociais, a tragédia
vestiu-se de viral. Chefs transformando smartphones em lamparinas medievais.
Pais formando vigílias diante de escolas, como se aguardassem notícias de
guerra. E os rádios a pilha, esses dinossauros tecnológicos, ressurgindo como
únicas janelas para um mundo exterior que, por algumas horas, deixara de fazer
sentido.
E então, o detalhe que fez
tantos engolirem seco. O timing. "Isso acontece semanas depois da UE
nos mandar preparar 'kits de emergência'", lembrou uma voz nas ruas.
A coincidência pesou como uma
ameaça não dita. Nos olhares trocados, a pergunta pairou, não verbalizada mas
presente: acidente... ou ensaio?
O governo espanhol nega
ciberataques. Mas nas ruas ainda escuras, onde o zumbido elétrico da
normalidade ainda não voltou, as garantias soam distantes. Enquanto as luzes
piscam de volta à vida, lentamente, como se hesitassem, uma pergunta ronda a
Península como um fantasma:
E se amanhã for para valer?
Nesta noite atípica, milhões
irão para a cama com lanternas sobre as mesinhas de cabeceira. E no escuro,
antes de adormecer, muitos se perguntarão se aquela tarde foi um acidente... ou
o primeiro capítulo de um manual que ainda não sabemos ler.
Afinal, como descobrimos hoje, o
progresso é apenas uma fina camada de verniz. E por baixo dele, sempre espreita
a escuridão.
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