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Imagem - Portal do Litoral |
Dom Orani
João Tempesta, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, é uma figura que transita
com naturalidade entre os altares e os asfaltos, entre o silêncio das catedrais
e o clamor das ruas.
Monge
cisterciense de origem paulista, é um homem de serenidade nos olhos e firmeza
no pastoreio, consolidou-se como uma liderança moderada, mas nunca apagada.
Prefere o
diálogo à condenação, a escuta ao apedrejamento. No jogo político-eclesiástico,
é visto como diplomata hábil, um articulador silencioso que causa desconforto
tanto na direita (por recusar fundamentalismos) quanto na esquerda (por sua
cautela estratégica, até demais). Mas talvez essa seja sua missão maior: ser
ponte em tempos de muros.
Antes de
assumir o Rio de Janeiro, Dom Orani já semeava transformações como bispo de São
José do Rio Preto onde dirigiu a diocese de 1997 a 2004.
Chegou a uma
diocese então adormecida e a despertou com um estilo pastoral único. A doçura
monástica aliada à coragem evangélica.
Não era
homem de discursos inflamados, mas de portas abertas e mãos estendidas.
Sob sua
liderança, a Pastoral Social ganhou força, levando a Igreja para as
periferias, não apenas geográficas, mas existenciais.
Ele
acreditava que a fé, para ser autêntica, precisava descer do altar e ajoelhar-se
no chão da vida, onde as dores e esperanças do povo se encontram.
Foi nesse
espírito que nasceu o Grupo de Estudos e Ação Política (GEAPOL),
iniciativa da qual tive a honra de participar ativamente, unindo formação
política, cidadania e espiritualidade.
Na Vila
Maceno, a Paróquia de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento (sob a direção do
Padre Valdecir Dezidério) tornou-se GEAPOL, um centro de mobilização, inspirado
pela Campanha da Fraternidade e pelo Evangelho vivido nas ruas.
Como coordenador
da Pastoral Social ao lado de figuras como o Padre Jarbas Dutra, testemunhei
como Dom Orani fez da diocese um espaço de serviço concreto. Sob sua
liderança as Semanas Sociais foram devidamente praticadas e o Grito dos
Excluídos ganhou as ruas.
Dom Orani
nunca buscou holofotes. Sua força estava na coerência, sua coragem
na ação discreta. Relativamente jovem para um bispo, ele nos transmitiu,
na prática, que fé e transformação social são inseparáveis.
Hoje, no Rio
de Janeiro, cidade onde o sagrado e o profano se entrelaçam nos morros e no
samba , ele continua sendo costura em tempos de rasgão, tentando construir
comunhão num Brasil dividido. E isso, em si, já é um milagre.
Gostaria que
Dom Orani fosse ainda mais progressista e se alinhasse mais com as propostas da
Igreja Avançada, mas nem imagino como seja a política interna nas altas camadas
dessa instituição, apesar de Francisco, ainda lenta e reacionária.
Mas confio nele
e gostaria de vê-lo eleito no Conclave.
Lembro que se emocionou profundamente ao se despedir do
Papa quando de sua visita ao Rio de Janeiro, o que revela certa proximidade de
pensamentos entre ambos, até porque foi nomeado cardeal em seu papado.
Gostaria de
me encontrar com Dom Orani novamente para fazê-lo recordar sua passagem por Rio
Preto. Não por nostalgia. Mas para lembrá-lo de que chamado, é para quem não
tem medo da rua nem das missões. Que a revolução muitas vezes começa no
silêncio e aceitação de quem serve. O que ele, pelo menos enquanto esteve aqui,
provou.