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Prof. Dr. Nilson Dalledonenilsondalledone@gmail.com
É permanente a necessidade de repor a verdade histórica sobre a II Guerra Mundial, sistematicamente falsificada. Falsificação que atinge o delírio oficial, como sucedeu com as recentes comemorações ocidentais do desembarque na Normandia para as quais a Rússia não foi convidada mas em que, em compensação, estava presente…a Alemanha. Para toda esta gente continua a ser insuportável o papel decisivo da URSS na derrota do nazifascismo.
A História da II Guerra Mundial (II
GM) é alvo de falsificação permanente. A revista do Expresso (7.6.19) fala do
desembarque na Normandia (6 Junho, 1944) como «a maior operação aeronaval de
todos os tempos e o prelúdio da derrota nazista». Mas como escreve Adam Tooze,
Professor de História Econômica nas Universidades de Cambridge e Yale: «o
ataque lançado pela Wehrmacht [ contra a URSS] em 22 de junho de 1941 foi a
maior operação militar única de que há registro histórico. Uma força não
inferior a 3.050.000 homens participou no assalto […]. Nunca, nem antes nem
depois, se travou batalha com tanta ferocidade, por tantos homens, numa frente
de batalha tão extensa»(1).
Apresentar o Dia D como ‘prelúdio da
derrota nazista’ significa apagar da História três anos (!) de batalhas
decisivas. É fake History. A propaganda anticomunista dá nisto. Os
propagandistas enfrentam um problema: a realidade. Em junho de 1944 já a URSS libertara
quase todo o seu território e, com os movimentos de resistência popular armada
em inúmeros países (e o papel decisivo dos comunistas), preparava-se para
libertar Berlim (maio, 1945). Já em agosto de 1941, Goebbels escrevia no seu
diário: «O Führer está intimamente muito irritado por se ter deixado enganar
sobre o potencial bélico dos bolcheviques. […] Trata-se duma grave crise […].
Em comparação, as campanhas conduzidas até aqui eram meros passeios». E em
setembro: «Avaliamos de forma totalmente errada o potencial dos bolcheviques»
(2).
Os nazistas foram pela primeira vez
barrados às portas de Moscou. Para o historiador Jacques Pauwels, foi o momento
da virada: «a Batalha de Moscou […] e, em especial o começo da contraofensiva
do Exército Vermelho em 5 de dezembro de 1941, assinalou o fim da estratégia
até então extremamente bem sucedida de blitzkrieg, ou “guerra relâmpago”. E
desta forma, condenou a Alemanha Nazista a perder a guerra» (3).
A brutal dominação nazifascista
estendia-se, em 1942, a quase toda a Europa. Nesse ano «o exército soviético
combatia contra 98% do exército alemão operacional – 178 divisões concentradas
na frente leste – enquanto que os britânicos combatiam contra 4 no Norte de
África» (4). Os EUA ainda estavam longe de entrar em guerra na Europa. Em 1943
travaram-se batalhas decisivas. Diz Tooze: «A batalha de Stalingrado é o feito
militar e político mais importante da [II GM…]. Entre 17 de julho de 1942 e 2
de fevereiro de 1943, os exércitos do bloco fascista perderam cerca de um
quarto das forças que operavam na frente soviético-alemã» (5). No Verão é a
batalha de Kursk, «uma das mais grandiosas da [II GM…]. O exército fascista
alemão sofreu uma derrota de que já não foi capaz de se recompor…]. A
iniciativa estratégica ficou até ao final nas mãos […] da URSS» (6).
Faltava quase um ano para o Dia D. Em
janeiro de 1944, após quase dois anos e meio, o Exército Vermelho rompeu o
cerco à segunda cidade da URSS. O sacrifício inenarrável de Leningrado custou
mais vidas soviéticas do que o total de baixas dos EUA e Reino Unido em todos
os teatros de guerra da II GM 7. Nos «três anos entre junho de 1941 e maio de
1944, a taxa média de baixas da Wehrmacht na Frente Leste foi de quase 60 000
mortos por mês. Nos últimos doze meses da guerra a sangria atingiu proporções
realmente extraordinárias» (8). O Exército Vermelho foi responsável por 90% dos
soldados alemães mortos na II GM (9).
Tooze sintetiza a verdade histórica:
«É inquestionável que foi na Frente Leste que o 3.º Reich sangrado até à morte,
e foi o Exército Vermelho o maior responsável pela destruição da Wehrmacht»
(10).
As causas de fundo da II GM residem na
natureza agressiva do capitalismo. Poucos anos antes, as grandes potências
imperialistas combateram-se na I Guerra Mundial, disputando mercados,
matérias-primas e colônias e tentando vergar, pelo militarismo, a classe
operária dos seus países (11). Mas a chacina teve resultados inesperados. A
guerra termina com os povos em revolta. Em 1917 houve duas revoluções na Rússia
czarista, levando os bolcheviques ao poder e lançando a primeira experiência
histórica de construção do socialismo. A Alemanha foi obrigada ao Armistício
pela revolta dos seus marinheiros, soldados e operários, em novembro de 1918.
No Reino Unido, a efervescência
revolucionária leva o PM liberal Lloyd George a encarar, em 1919, bombardear
cidades operárias em revolta, como Glasgow, Liverpool e Manchester (12). As
potências capitalistas vencedoras aproveitam a derrota alemã para se apossar
das suas colônias e parte do seu território europeu. O Tratado de Versalhes
(1919) impôs-lhe pesadas compensações de guerra, conducentes à hiperinflação
dos anos 20 e arruinando a pequena e média burguesia alemã.
Quando em 1929 eclode a grande crise
do capitalismo, era generalizada a sensação de um sistema em derrocada, ao qual
o impetuoso crescimento econômico da URSS socialista nos anos 30 fazia evidente
contraponto. Logo no primeiro Plano Quinquenal (1928-32) a produção industrial
soviética cresceu 22% ao ano, valores ainda hoje sem paralelo.
Este contexto explica a conivência de
boa parte das classes dominantes europeias com o ascenso do fascismo, no qual
viam um ‘salvador’. Em 1927, Churchill declarou na Itália, após encontrar-se
com Mussolini, que «se fosse italiano, estou seguro de que teria estado ao
vosso lado, de alma e coração, do princípio até ao fim, na vossa luta
triunfante contra as paixões e apetites animalescos do Leninismo» (13). O
Governador do Banco de Inglaterra, Norman Montagu, dizia em 1934, em Nova
Iorque: «Hitler e Schacht [o seu homólogo alemão] são na Alemanha bastiões da
civilização. São os únicos amigos que temos naquele país. Defendem o nosso tipo
de ordem social contra o comunismo» (14). Uma mensagem bem acolhida pelo grande
capital dos EUA (15).
Hitler nunca escondera a sua ambição
de colonizar o Leste europeu, para assegurar o Lebensraum (espaço vital)
alemão. Diz o Embaixador soviético em Inglaterra (1932-39), Ivan Maisky (16):
«Em janeiro de 1933 os fascistas tomaram o poder na Alemanha. No mundo
capitalista […] formaram-se dois grupos de potências: o primeiro, composto pela
Alemanha, Itália e Japão, colocou abertamente o problema da redivisão do mundo
[…]; o segundo grupo, composto por Inglaterra, França e Estados Unidos,
detentores da maioria das riquezas mundiais, tomou partido pelo status quo.
Esforçando-se por ultrapassar a cisão […] os dirigentes do capitalismo […]
pensaram conciliar as suas contradições à custa da URSS. Os homens de Estado de
Londres, Paris e Washington deram a entender a Hitler, por todas as formas, que
poderia procurar o seu ‘espaço vital’ a Leste».
Após a chegada de Hitler ao poder, «a
15 de julho de 1933, foi assinado o ‘Pacto de Concórdia e Cooperação’ entre a
Inglaterra, França, Alemanha e Itália […] no qual se expressava o […] ‘direito’
da Alemanha a rearmar-se sem limites» (17). A ‘Concórdia’ inspirou o compadrio
com as agressões das potências fascistas que marcou a década de 30 e abriria
caminho à guerra.
Igual sorte coube à República
Espanhola e ao seu democraticamente eleito governo de Frente Popular, quando do
golpe militar do General Franco (julho, 1936). Franco recebia o apoio militar
de Hitler e Mussolini, também através do Portugal fascista (21), mas o governo
legítimo foi impedido de se defender pelas democracias burguesas, incluindo o
Governo de Frente Popular na vizinha França. Apenas a URSS ajudou a República.
Escreve o historiador Viñas: «a decisão soviética de ajudar a República com
homens e sobretudo armas, não sendo rápida, teve efeitos muito significativos.
Sem essas armas, e na ausência de fontes regulares de abastecimento
alternativo, o nascente Exército Popular não teria podido resistir durante
muito tempo» (22).
A «solidão da República» ficou
conhecida como ‘política de Não Intervenção’ mas foi uma forma de intervenção,
assente no ódio de classe, que ajudou à vitória franquista. Em 1936, Churchill
descrevia os Republicanos como «um proletariado empobrecido e atrasado que
exige o derrube da Igreja, do Estado e da propriedade e a instauração dum
regime comunista», contra o qual se erguiam «forças patrióticas, religiosas e
burguesas, sob a direção das forças armadas […] que marcham para restabelecer a
ordem através de uma ditadura militar» (23).
O compadrio deu a estocada final numa
República isolada e em dificuldades. Escreve Maiski: «A 27 de fevereiro [1939]
a Inglaterra e França reconhecem oficialmente o Governo de Franco e rompem
relações diplomáticas com o governo espanhol. Foi apenas o prelúdio. Em 5-6 de
março rebentou uma sedição contrarrevolucionária, chefiada pelo socialista de
direita Besteiro e pelo comandante da frente central da República, general
Casado. O complô foi organizado por agentes [dos PM inglês e francês]
Chamberlain [e] Daladier. […] Os conjurados tomaram o poder. Abriram a frente
ao general Franco e viraram-se selvagemente contras as unidades fiéis à
República, comandadas por comunistas. Consumada a traição, a 1 de abril de
1939, Casado transfere-se para a Inglaterra» (24). Assim caiu a República
Espanhola.
O compadrio atinge o auge na
Conferência de Munique em setembro de 1938. Chamberlain e Daladier juntam-se a
Hitler e Mussolini, na Alemanha, para desmembrar a Checoslováquia, cujos
dirigentes foram excluídos da Conferência. O jornalista W. Shirer descreve o
ultimato inglês aos representantes checos: «Em nome de Chamberlain, [Sir
Horace] Wilson informou-os dos pontos principais do acordo entre as quatro
potências e entregou-lhes um mapa das áreas dos Sudetos que deveriam ser
imediatamente evacuadas pelos checos [para entregar à Alemanha]. Quando os dois
enviados tentaram protestar, o funcionário britânico cortou-lhes a palavra […]
e retirou-se rapidamente da sala» (26).
Em 30 de setembro, «Hitler,
Chamberlain, Mussolini e Daladier, por essa ordem, [assinaram o] Acordo de
Munique, que estipulava que o Exército alemão começaria a sua marcha sobre
território da Checoslováquia no dia 1º de outubro, tal como o Führer sempre disse
que aconteceria». O Acordo criou uma Comissão Internacional que «decidiu em
favor da Alemanha todas as disputas territoriais adicionais […] e dispensou a
realização dos plebiscitos que o Acordo previa […] Os polacos e húngaros […]
desceram qual abutres para abocanhar pedaços de território checoslovaco. A
Polônia […] apoderou-se de cerca de 650 milhas quadradas na zona de Teschen,
com uma população de 228 000 habitantes, dos quais 133 000 checos». O resto da
Checoslováquia foi ocupada por Hitler, em março de 1939.
Coroando a infâmia, as reservas de
ouro da Checoslováquia, à guarda do ‘banco dos banqueiros’, BIS, foram
entregues aos nazistas após a ocupação de Praga, com a conivência direta do
Banco de Inglaterra. Chamberlain, «acionista importante nas Imperial Chemical
Industries, parceiro da I. G. Farben, cujo Hermann Schmitz era diretor do BIS»,
negou a transferência, mentindo perante o Parlamento (27). O ouro da Bélgica
teve igual destino (28).
A traição fora preparada com
antecedência. Maiski diz (29): «Lord Halifax foi encarregue por Chamberlain de
[…] negociar com Hitler um acordo global […]. A Ata do encontro Hitler-Halifax
de 17 de novembro de 1937, publicada […] em 1948, mostra que Lord Halifax
propôs a Hitler, em nome do governo de sua majestade, uma aliança baseada num
‘pacto a quatro’ e deixou ‘mãos livres’ ao Führer na Europa Central e Oriental.
Em particular, Halifax declarou que não se deveria ‘excluir a possibilidade de
modificar a situação existente’ na Europa e precisou que neste âmbito de
questões se incluíam ‘Danzig [Gdansk], a Áustria e a Checoslováquia’. […]
quando em fevereiro de 1938 Eden […] foi substituído no Foreign Office por lord
Halifax […] o Führer decidiu não perder tempo, e a 12 de março de 1938 […]
apossou-se da Áustria […] no mesmo dia em que Chamberlain recebia solenemente
na Inglaterra o Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim Ribbentrop».
O ‘Pacto Chamberlain-Ribbentrop’
continuou no dia após Munique, quando Chamberlain propôs a Hitler «cooperação
ulterior para pôr fim à Guerra Civil Espanhola […] e mesmo uma solução do
problema russo» (30). Daladier afirmou, em 1938, recear «que a Alemanha fosse
derrotada na guerra […] e que os únicos beneficiários viessem a ser os
Bolcheviques, uma vez que haveria uma revolução social em todos os países da
Europa […] os Cossacos dominariam a Europa» (31).
A conivência com o nazifascismo e a
recusa de uma aliança das potências antifascistas, que a URSS há muito advogava
e que poderia ter evitado a guerra, acabaria por se virar contra os próprios
governantes de França, Inglaterra e Polônia. Churchill, que mais cedo do que
outros dirigentes ingleses compreendeu que a Alemanha ressurgente também
ameaçava a posição global da Inglaterra (a maior potência colonial da
História), haveria de acertadamente dizer a Chamberlain, após Munique: «Foi-vos
dada a opção entre a desonra e a guerra. Escolheram a desonra. Vão ter a
guerra».
É convenção considerar que a II GM
começou com a invasão alemã da Polônia, a 1º de setembro de 1939. Na realidade
começara antes para muitos povos e a declaração de guerra de Inglaterra e
França no dia 3 foi sobretudo simbólica. A Polônia teve de se defender sozinha,
rendendo-se ao fim de poucas semanas. Não houve combates entre anglo-franceses
e alemães durante muitos meses, até que Hitler invadiu a Bélgica, Holanda e
França (maio, 1940).
É uma falsificação grosseira afirmar
que a II GM resultou da assinatura, em 23 de agosto, do tratado de não agressão
entre a URSS e a Alemanha nazista, um mito que esconde as cumplicidades já
referidas. Maiski expõe a perspectiva soviética: «Em 1939, a União Soviética
estava de novo ameaçada por um perigo grave, de uma eventual agressão das
potências fascistas e, em particular, da Alemanha e Japão. Existia também o
perigo que se constituísse uma frente capitalista antissoviética, pois […]
Chamberlain e Daladier poder-se-iam, a qualquer momento, alinhar com as
potências fascistas e apoiar, duma ou outra forma, um ataque contra a União
Soviética. […] A solução melhor, a que a União Soviética aspirava então, com
todas as suas forças e meios, era uma coligação defensiva de potências que não
tinham interesse em desencadear uma segunda guerra mundial. Na prática isto
significava em primeiro lugar um pacto de assistência mútua entre URSS, Grã
Bretanha e França. […] Mas, devido à sistemática sabotagem de Chamberlain e
Daladier, que visavam um conflito entre a Alemanha e a URSS, no mês de Agosto
1939 as negociações ficaram num impasse. […] O governo soviético tinha perante
si duas perspectivas: uma política de isolamento ou um acordo com a Alemanha.
Na situação de 1939, quando junto às
fronteiras do Extremo Oriente já soavam os canhões [… japoneses], quando
Chamberlain e Daladier faziam grandes esforços para atiçar a Alemanha contra a
URSS, quando os próprios alemães ainda estavam incertos sobre a direção do seu
primeiro golpe – nessa situação, uma política isolacionista teria sido
extremamente arriscada e o governo soviético fez muito bem em recusá-la».
Note-se que no Verão de 1939 os ingleses também negociavam com os nazistas.
Ponting refere, com base em documentos oficiais, que «os britânicos ofereceram
um acordo global [com a Alemanha], baseado num gigantesco empréstimo do Reino
Unido para ajudar a economia alemã […]. Foi dado a entender que a Grã Bretanha
estaria disposta a abandonar os polacos em caso de acordo» (32).
O acordo de não agressão com a
Alemanha e a política dos meses seguintes apenas se compreendem à luz da
convicção soviética de que a guerra da Alemanha contra a URSS, com que Hitler
sonhara desde a primeira hora, se tornara inevitável. Tratava-se de adiá-la ao
máximo e combatê-la nas melhores condições possíveis. Em 1939-40, a URSS
recuperou territórios que lhe foram retirados nas agressões que sofreu após a
Revolução de Outubro e em Brest-Litovsk. Recuperando as suas fronteiras, criou
melhores condições para sustar o embate da Operação Barbarossa que Hitler
desencadearia em Junho de 1941. A História registra como a URSS foi assim capaz
de sobreviver e derrotar o nazifascismo, prestando um serviço maior à
Humanidade.
Por que é que Hitler, furando as
expectativas, atacou primeiro a Ocidente, antes de se virar contra a URSS? Não
deve ser subestimado o papel das contradições interimperialistas, que já haviam
conduzido à I GM, e o desejo de desforra da derrota e humilhação sofrida pela
Alemanha em 1918. Hitler queria também assegurar a sua retaguarda antes da
invasão da URSS, e o controle sobre a Europa Ocidental entregou-lhe um enorme
potencial industrial e de matérias-primas. Hitler sabia que o ódio de classe
que levava grande parte da alta sociedade francesa a clamar «antes Hitler que
[Leon] Blum» (33), adubava a «opção pela derrota» (34) que se traduziu na
rendição e no colaboracionismo de Vichy (35). Na Inglaterra também havia
germanófilos (incluindo na família real) e episódios de ‘diplomacia paralela’,
incluindo a viagem de Hess em 1941 (36).
A vitória soviética na II GM não teria
sido possível sem a industrialização dos anos 30. Diz Tooze: «Apesar de ter
sofrido perdas territoriais e uma perturbação que se traduziu numa quebra de
25% no produto nacional total, a União Soviética conseguiu ultrapassar a
Alemanha na produção de quase todas as categorias de armamento. […] Foi esta
superioridade industrial, contrária a todas as expectativas, que permitiu ao
Exército Vermelho, primeiro absorver a segunda grande investida da Wehrmacht, e
depois, em novembro de 1942, lançar uma série de contra-ataques devastadores.
[…] Os triunfos de Jukov e dos seus colegas teriam sido impossíveis, não fora o
excelente material militar fornecido pelas fábricas» (37). A consciência da
importância da industrialização para a capacidade de resistência em caso de
agressão foi um dos aspectos que levou, no final dos anos 20, à opção soviética
pela industrialização acelerada.
Mas a Vitória resultou também da
determinação em resistir, que não existiu noutros países. Falando do avanço
imparável de Hitler até a invasão da URSS, diz Deborin (38): «A situação criada
era principalmente resultado da profunda contradição que existia nos países
europeus entre os meios governantes e as massas populares. […] os governos
burgueses temiam os seus povos mais do que aos invasores alemães». E ainda: «a
guerra contra a Alemanha, Itália e Japão só podia ter êxito enquanto guerra
antifascista, só na medida em que os inimigos dos Estados fascistas fossem
superiores não apenas no aspecto técnico-militar, mas no político-moral. Essa
superioridade não se podia conseguir numa guerra que tivesse caráter
imperialista dos dois lados».
Foi mérito histórico inegável da
direção do Estado e do Partido soviéticos terem compreendido a natureza dos
acontecimentos e terem resistido face às maiores adversidades.
Independentemente de avaliações sobre outros momentos históricos, a Humanidade
deve muito à firmeza de Stalin e do Partido Comunista da União Soviética na II
GM. Negar esse fato é também falsificar a verdade histórica.
Churchill defendeu o uso de armas
químicas – que usara contra a Rússia Soviética em 1919 (40) – contra populações
civis: «‘Podemos encharcar as cidades do Ruhr e muitas outras na Alemanha de
tal forma que a maioria da população necessite de cuidados médicos
permanentes’». Os bombardeios anglo-americanos atingiram proporções dramáticas
em Hamburgo (julho de 1943, 35 mil mortos), Dresden (fevereiro de 1945, 100 mil
mortos) e Tóquio (março de 1945, 100 mil mortos).
O elemento de classe esteve também
presente na forma como, ainda antes do fim da II GM, os ‘Aliados’ imperialistas
viraram armas contra a resistência dos povos que se tinham lançado no combate
antifascista, para impedir que a libertação fosse também social. A resistência
grega da EAM-ELAS (com forte influência comunista) foi aniquilada pela
violência, sob direção anglo-americana, no que inadequadamente se convencionou
chamar ‘Guerra Civil’. E a 27 de maio de 1944, na Marselha ocupada em greve
geral «toda a cidade parecia ter descido à rua. […] De repente, às 10 horas,
aviões americanos ocupam o céu e despejam as suas bombas sobre a população que
disputa a rua aos ocupantes! Os bairros operários são os primeiros a ser
atingidos […]. Balanço: mais de 10 mil casas são atingidas, e 5 mil vítimas
ficam sob os escombros. Nenhum alvo inimigo foi atingido!» (41).
As lições da II GM são múltiplas.
Ganham maior importância quando de novo se adensam os perigos duma guerra de
enormes proporções, fruto das contradições de um sistema capitalista em
profunda crise sistêmica, incapaz de resolver os grandes problemas da Humanidade,
e que só conhece a guerra como forma de dirimir as suas rivalidades e travar as
aspirações dos povos a um mundo melhor.
(1) Adam Tooze, The Wages of Destruction, Penguin Books, 2007, p. 432 e 480. Não leva em conta quase 700 mil soldados de outros países que participaram no ataque, como referido em Jacques Pauwels, The myth of the Good War, James Laurimer & Company Publishers, Toronto, 2015 (ed. Revista), p. 66.↲
(2) Citações em Domenico Losurdo, Stalin. Storia e critica di una leggenda nera. Carocci editore, 2008.↲
(3) Jacques Pauwels, op. cit., p. 9.↲
(4) Clive Ponting, Churchill, Sinclair-Stevenson, 1994, p. 566.↲
(5) La Gran Guerra Patria de la Unión Sovietica, Editorial Progresso, 1975, pp. 195-6.↲
(6) La Gran Guerra Patria, op. cit., p. 223.↲
(7) Jacques Pauwels, op. cit., p. 113.↲
(8) Adam Tooze, op. cit., p. 513.↲
(9) Jacques Pauwels, op. cit., p. 73.↲
(10) Veja-se Jacques Pauwels, 1914-1918, La Grande Guerre des Classes, Ed. Aden, 2014.↲
(10) Adam Tooze, op. cit., p. 429.↲
(11) Veja-se Jacques Pauwels, 1914-1918, La Grande Guerre des Classes, Ed. Aden, 2014.↲
(12) Jacques Pauwels, op. cit., 1914-1918, p. 763.↲
(13) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 350.↲
(14) Citado em Jacques Pauwels, Big business avec Hitler, Ed. Aden, 2013, p. 162.↲
(15) Veja-se Jacques Pauwels, Big business avec Hitler, op. cit., e Charles Higham, Trading with the Enemy: an exposé of the Nazi-American Money Plot 1933-1949. Robert Hale ed., 1983.↲
(16) Ivan Maiski, Perché scoppió la Seconda Guerra Mondiale?, Editori Riuniti, 1965, p. 325.↲
(17) Deborin, La Segunda Guerra Mundial, Editorial Progreso, 1977, p. 20.↲
(18) Ou seja, anti-Internacional Comunista.↲
(19) Deborin, op. cit., p. 15.↲
(20) Idem, p. 28.↲
(21) Ivan Maiski, op. cit., p. 344 e 388.↲
(22) Ángel Vinas, La República en guerra, Crítica contrastes, 2012, p. 21.↲
(23) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 390.↲
(24) Ivan Maiski, op. cit., pp. 460-1.↲
(25) Deborin, op. cit., pp. 59-60.↲
(26) Shirer, op. cit., pp. 417-421.↲
(27) Higham, op. cit., pp. 5-7.↲
(28) Idem, p. 8 e 16.↲
(29) Ivan Maiski, op. cit., pp. 473-4.↲
(30) Shirer, op. cit., p. 419.↲
(31) Clive Ponting, 1940, Myth and Reality. Cardinalo, p. 48.↲
(32) Idem, pp. 38-39.↲
(33) William L. Shirer, The Collapse of the Third Republic, Pan Books, 1970, p. 359.↲
(34) Título dum livro da historiadora francesa Annie Lacroix-Riz, Le choix de la défaite, Armand Colin, 2.ª ed., 2010.↲
(35) O Governo colaboracionista de Vichy foi chefiado pelo Marechal Pétain e reconhecido pelos EUA. Segundo Deborin (op. cit., p. 97) foi aceite por Hitler para não permitir que o Império colonial e a frota naval francesas fossem parar às mãos dos seus concorrentes.↲
(36) Ver Clive Ponting, 1940, pp. 73, 95, 111-115, e Deborin, p. 147.↲
(37) Adam Tooze, op. cit., p. 588.↲
(38) Deborin, op. cit., p. 311, 87 e 91.↲
(39) Clive Ponting, 1940, op. cit., p. 539. Citações seguintes pp. 627-8 e 640.↲
(40) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 237.↲
(41) Charles Tillon, Les F.T.P., Ed. 10|18, p. 278.↲
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