Eu nunca deixei de me emocionar quando chega essa época do ano.
Minha militância política e minha história de vida, muitas vezes me deixam em maus lençóis com relação a certas defesas que faço. Defender os festejos de Natal e as celebrações de final de ano, para alguns de meus mais próximos companheiros é um crime sem perdão. Uma violação ao bom senso e à realidade histórica a que estamos mergulhados. E deixa eu dizer uma coisa. Minhas contradições vão muito além disso.
Só pra ilustrar, desde sempre, no dia 15 de novembro, primeiro na casa de minha avó, depois de minha mãe e então na minha, montamos a árvore de natal e o presépio a anunciar esse tempo.
Já estou maduro. São 53 anos de vida. Mas sim, o espírito de criança às vezes dá sinal de sua presença. E eu acho muito bom. Afinal, perder a infância é distanciar-se do amor e da paternidade de Deus. Quem sendo cristão não se lembra da máxima em que Jesus alerta:
"Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus."
Ao celebrarmos o tempo do Natal, independente das incongruências que o cercam, seja pelas datas incertas do possível nascimento de Jesus, seja por conta das alegorias misturadas à crenças pagãs, nos dispomos a comemorar um sopro de esperança na dura realidade da Terra.
Em suma, um Criador Supremo de todas as coisas, por amor à sua obra, teria enviado seu filho para que a organizasse e redimisse, deixando ensinamentos e mensagens de união, paz, concórdia e salvação.
O que há de ruim nisso? Aliás é tão bom que povos não cristãos, em muitos lugares e casas acabam por sucumbir, entrando no clima das canções e decorações natalinas.
Claro que sabemos que o Natal traz consigo diversas contradições. A dureza do sustento diário, se torna ainda mais cruel quando um pai ou mãe não consegue presentear um filho. Quando alguém distante de quem ama, não será capaz de visitar ou abraçar seu querido ou querida e inclusive quando a ceia for substituída pelo trabalho forçado atrás de horas extras, ou minimamente reforço do orçamento doméstico. Nem falemos aqui dos desempregados e famélicos.
Por outro lado alguns de nós têm o privilégio de reviver nessa fase do ano, momentos inesquecíveis da infância quando as casas se alegravam com parentes distantes reunidos, cheiro de pernil e alecrim e orações antes do jantar em altas horas.
Minha infância foi assim. O tempo de natal significava férias, chegada dos primos, reunir-se na avó e depois de casado, na casa da mamãe, para orarmos, cantarmos e jantarmos em fraterno laço de família. Morador do interior, vivia a novidade do comércio aberto durante a noite, da cidade enfeitada de luzes e estrelas e dos muitos corais e madrigais espalhados por toda parte. Eventos de caridade e confraternizações eram constantes, como diários eram os cartões de natal a bater às portas de casa com lindas poesias. Abrir o cartão a noite, era compromisso de todos na sala. Ainda, propagandas comoventes, que até hoje ressoam em nossa mente, favoreciam o espírito de um tempo mágico, pelo menos para os alienados que não conheciam as agruras da miséria.
Para aqueles, sobravam as cestas de natal, os panetones e vinhos, presenteados por patrões e outros, como a pedir desculpas pelo ano todo de abandono e exploração.
Mas eu pergunto. O que se ganha se então dissermos que devido a esse contraditório, deixaremos também nós de enfeitarmos as casas, enviarmos mensagens ou participarmos de confraternizações?
Claro que entendo a necessidade de alterarmos as rotas de tudo isso. Defendo enfeitar as casas de sorrisos e abraços, antes mesmo de guirlandas e piscas. Defendo aumentar os lugares à mesa, antes mesmo da quantidade dos sabores nos pratos. Defendo o respeito mútuo e permanente, antes das saudações passageiras do final do ano. Defendo trocar o personagem da Coca-Cola pelo verdadeiro aniversariante.
Contudo, desapegar-se de memórias e não transmitir aos novinhos de hoje as práticas de bom convívio dos bons tempos de nossa infância ou mocidade, não trará nenhum resultado prático.
A prática da concórdia, do perdão, da fraternidade e do amor incondicional, pressupõe sentimentos alimentados pelo espectro de nossa própria vida em família.
Por isso, e não por outro motivo, minha casa continuará a receber familiares e amigos nesta data, abrindo-se para um abraço fraterno e também boas mensagens. E a decoração, em que pese sua aparência nada situacional, me ajuda como incentivo ao retorno de um instante da existência em que, como criança, a sórdida realidade tinha dificuldades em estragar os momentos felizes.
E então, vá lá você também e tire da caixa suas bolas coloridas. Lembre-se da sua infância e se ela não tiver sido como a que ilustrei, dê um jeito para que a de seus filhos, netos ou sobrinhos possam servir-lhes, no futuro, de alento e saudade.
Papai Noel vestido de casaco e botas, pinheiros nativos do hemisfério norte, neve, renas e sinos, distantes de nossa realidade, são menores do que a festa, do que os reais propósitos dela. Mas se você os tiver em casa, use-os. A pandemia, a má política e as mazelas da vida são feias de mais para assumirem o lugar da decoração.
Comemore o natal. Já perdemos infância demais.
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