terça-feira, 29 de junho de 2010

Crônicas de meu pai



Meu pai, Carlos Alberto Gomes, escreve muito bem.  Trabalhador dedicado, nunca deixou faltar nada em casa, sobretudo boa educação.  Muito do que somos hoje, eu e meu irmão Marcelo, devemos à dedicação de Carlos e Darci.
Sob o pseudônimo de Gomes de Castro, sobrenome de sua família, ele tem escrito poesias lindas e de vez em quando, brinda-nos com alguma crônica.
Escolhi duas para transcrever abaixo. 

VIAGEM CONTURBADA

Na década de oitenta, sendo agente de seguros, constantemente precisava viajar para São Paulo.  Certa vez, já cansado pela labuta do dia, resolvi ir de ônibus, o que me proporcionaria chegar a São Paulo tranquilo e, tomando o metrô, chegar ás portas da Companhia.
Como o "Cometa" sairia às vinte e três e dez, minha mulher e filho levaram-me à rodoviária.  Logo que o coletivo estacionou na plataforma de embarque, após despedir-me deles, tomei meu assento.
Ali, sentado em minha poltrona, verifiquei que, aos poucos, todas as demais estavam sendo ocupadas.  Ao meu lado, a poltrona continuava vazia.
Meu olhar percorria a plataforma de embarque distraidamente quando chamou-me a atenção para um "cara" que devia pesar no mínimo uns cento e quarenta quilos.  Automaticamente meu olhar dirigiu-se para a poltrona ao lado.  Sem dúvidas, não caberia ali.  No mínimo, uns quarenta quilos iriam invadir meu espaço.  Antecipei-me todo o desconforto que por certo teria durante as cinco horas de viagem naquele ônibus.
Acompanhei-o com os olhos e observei quando subiu o primeiro degrau que dava acesso.  Imaginei que ele iria tombar.  Lentamente, o desconhecido avançava pelo corredor.  Olhava os números das poltronas e, passo a passo, avançava. 
Quando já me preparava para dar-lhe passagem, dei um suspiro de alívio.  Ele continuou sua trajetória pelo corredor.  Passei a ser novamente feliz e despreocupado, já pus-me de olhos cerrados.
_Com licença, moço.  É meu lugar.
Dei-lhe passagem, despretenciosamente observando-o.  Alto, magro, barba por fazer.  Imaginei estar diante de um camponês o que, mais tarde, veria estar redondamente enganado.
Logo que o coletivo tomou a Washington Luís, o motorista apagou as luzes e eu me ajeitei para dormir.  Queria realmente descansar. 
-Moço, desculpa.  Mas que cidade é aquela lá?
Sonolento, verifiquei que a dita cuja ficava à margem esquerda da rodovia.  Consultei meu relógio.  Pouco passava de meia noite e, logicamente, era a cidade de Catanduva.  Comuniquei-lhe e virei novamente a cabeça afim de poder conciliar o sono.  O sujeito continuou falando qualquer coisa, mas não lhe dei atenção.  De repente, outra cutucada no ombro.
_Moço, olha que cidade grande!  Qual é, hein?
Novamente consulto meu relógio.  É Araraquara.
Bem, o fato se repetiu em São Carlos, Rio Claro e Limeira.  Nesta última, aconselhei-o que procurasse dormir um pouco.  Só que agora, quem perdera o sono fora eu.  Arrependido de tê-lo mandado dormir, resolvi estabelecer um diálogo com o meu companheiro de viagem.  Acabáramos de passar por Americana.
_O senhor vai para São Paulo? - perguntei.
_Não senhor.  Vou para Americana.
_Santo Deus! - puxei imediatamente o cordão que solicita parada e o ônibus logo estacionou no acostamento.  Fiquei com pena do matuto e disse-lhe:
_O senhor terá de voltar uns três quilômetros pois já passamos da entrada de Americana.
Ele me agradeceu, pegou sua matula e desceu do ônibus.  Ao olhá-lo no acostamente, confesso que tive muita pena dele.
Ao chegar em São Paulo, tive de ligar para um sobrinho que mora no bairro da Aclimação, pois minha carteira, havia desaparecido...

O Presente de Meus Sonhos

Eu sempre sonhei em ter uma bicicleta.
Esse sonho, durante muito tempo me perseguiu e creio que jamais me abandonaria, mesmo porque, nos meus aniversários e natais, era tanta a minha ansiedade que eu sequer conseguia conciliar o sono nas vésperas.
Num belo dia de Natal, no entanto, logo que acordei, percebi que meu quarto fora invadido por um cheiro característico.  Eu não tinha mais dúvidas.  Era cheiro de bicicleta e bicicleta novinha em folha.
Sentei-me rapidamente na cama e, com os olhos regalados, percorri todo o meu quarto.  Ninguém jamais poderia calcular a felicidade que, naquele momento invadira meu coração.  Não conseguia mexer-me.  Os músculos, tesos, não me obedeciam.  A voz, sumira!
Passei alguns minutos em deslumbramento total, mas por fim, pude me recompor e, levantando-me, dei um grito que acabou por preocupar a todos, principalmente quando viram a minha expressão facial: apalermada...
Saí com a bicicleta para a rua.  Nunca havia andado de bicicleta e, quando voltei pra casa, trazia os cotovelos e os joelhos totalmente esfolados...

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