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| Imagem - ICL Notícias | 
Sob o céu carregado das favelas do Rio, o barulho dos gritos dos vivos se mistura ao silêncio dos mortos.
A mata ainda guarda o cheiro do medo e do sangue
fresco. Documentos revelam que os policiais foram mortos antes mesmo do cerco
se fechar, mas a operação seguiu, desgovernada, como se a fúria fosse método e
a vingança, política de Estado. 
Mais de cento e vinte corpos, número que já perdeu
a exatidão, jazem como testemunhas de uma tragédia anunciada. É o eco repetido
da guerra que o governo do irresponsável Cláudio Castro insiste em chamar de
“sucesso”.
Enquanto o governador se apressa em buscar na
Justiça a liberação de uma refinaria suspeita de ligação com o tráfico, as ruas
do subúrbio são manchadas por lágrimas de mães e esposas que protestam diante
do IML.
Elas não pedem apenas respostas, pedem respeito,
pedem que seus mortos voltem a ser gente. A cena é a mesma de sempre: a dor
coletiva de uma cidade partida ao meio, onde a parte pobre é sempre o campo de
batalha e o Estado, o general distante.
Na Assembleia Legislativa, deputados pedem uma
investigação federal. Querem entender como uma operação policial pode deixar um
rastro de corpos que ultrapassa, em número e brutalidade, os piores episódios
da nossa história recente. 
O que se passou não foi segurança pública, foi
execução em massa, travestida de política. E não é preciso ser militante para
enxergar isso.  Até um deputado de
direita, evangélico e conservador, ergueu a voz para dizer o que muitos tentam
encobrir: “a finalidade foi executar”.
Mas o que se esconde por trás de tanta morte? 
Há quem diga que é o preço do combate ao crime.
Outros, que é o retrato de um poder que perdeu o rumo e agora só sabe usar o
gatilho como resposta. A verdade, nua e dolorosa, é que a periferia continua a
ser o laboratório onde o Estado experimenta sua impunidade. A cada operação,
uma chacina.  A cada chacina, um discurso
cínico de “vitória contra o mal” com uso eleitoral.
Os números, frios e impessoais, confirmam o que o
povo sente na pele.  A letalidade
policial no Rio cresceu mais de 30% neste ano. Cresceu junto com o medo, com o
descrédito, com a sensação de que viver nas franjas da cidade é existir por
empréstimo, à mercê de quem deveria proteger. 
A guerra às drogas virou guerra aos pobres, e o
inimigo, antes invisível, agora tem cor, endereço e CEP.
Entre as árvores da mata e as vielas da favela, há
um país que se nega a morrer e insiste em lutar. As vozes dos que perderam
filhos, irmãos e companheiros ecoam contra o barulho ensurdecedor da
indiferença. 
São as Marias, as Joanas, os Pedros e os Josés que
empunham cartazes diante do IML e gritam que seus mortos têm nome, rosto,
história. Gritam que a justiça não pode ser apenas a palavra fria de um boletim
de ocorrência.
O massacre no Rio não é um caso isolado. É o
retrato cruel de um projeto político que prefere exibir força a promover
humanidade. 
Um governo que chama de “acerto” o que, na
verdade, é extermínio. Que confunde autoridade com autoritarismo e acha que o
medo é forma legítima de governo.
Mas há uma esperança teimosa correndo no sangue
desse povo. Há um país que não se curva ao som dos tiros. Há quem ainda creia,
como nós, que segurança pública não se faz com morte, e que o papel do Estado é
proteger a vida.  Toda ela, inclusive a
vida pobre, preta, periférica, esquecida.
Sob o céu do Rio, entre as sirenes e os
helicópteros, ainda há quem plante flores nas janelas. São elas, essas mãos
calejadas e firmes, que nos lembram que enquanto houver gente disposta a chorar
o outro, a indignar-se, a exigir justiça, o Brasil ainda tem conserto.
 
 
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