quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Liberdade recusada voluntariamente. O preço de se entregar de graça.

Em 1563 foi publicada a obra Discurso da Servidão Voluntária de Étienne de La Boêtie.
No livro, o autor fala da obediência consentida dos oprimidos.
Alerta que o súdito de um rei perverso e tirano é quem, na verdade, concede a ele seu poder.
Reis fracos, franzinos, com moral questionável, muitas vezes, dominavam com crueldade homens aos montes pelo poder de sua "imagem" e não por sua força física ou efetiva.
Um poder que lhe era atribuído de maneira integralmente voluntária pelos servos. Seja por costumes, seja por "magia" revelada por histórias passadas de pais para filhos, seja por influência religiosa.
O autor questiona de onde um só conseguia poder de controlar todo o resto. 
Até que então afirma, de forma categórica, que é possível resistir à opressão, mesmo sem violência, bastando aos indivíduos se recusarem a consentir sua própria escravidão a esse ditador.
Muito bem.
Recentemente escrevinhei um texto em que questionava o estranho poder da internet, cuja força destruía famílias, conceitos, padrões, comportamentos e criava, ao mesmo tempo, tudo de novo, ao seu jeito e ao seu modo, com intensidade e objetivos bastante estranhos, pra não dizer malignos.
Por favor, note-se sempre que não há qualquer intenção de se destruir a visão de modernidade, de avanço, de tecnologia nova e abundante, componentes necessários do tão sonhado futuro e liberdade do Homem.
Mas num paralelo, o que desejo aqui é mostrar que também essa ferramenta de ascensão humana, pode ser tornada em uma criatura severa, tirana e ditatorial a nos comandar e usar ao seu bel prazer.
E de forma muito ruim, por concessão voluntária de todos nós.
Aplicativos os mais diversos são disponibilizados gratuitamente com o único objetivo de penetrarem nossos micros, celulares e dados.  A controlar informações e criar algorítimos que nos tornarão escravos de vícios (até mesmo sexuais, pois tornam seus dependentes mais acessíveis), comércios e sobretudo, controle social e político.
Nem me cabe condenar ninguém, sem antes confessar minha total submissão às redes sociais e mecanismos de comunicação eletrônica. Uso Blog, Facebook, Instagram, Linkedin, WhatsApp e o que mais tiverem paciência de me ensinar.
Não me orgulho.  Temo.  Estou tentando enfrentar sem fazer parecer uma "briga de brancaleone".
Esse texto é prova disso.  Levar-me, bem como quem o quiser, a uma reflexão profunda.
Se agora mesmo visito o Google para descobrir onde fica uma determinada cidade em Portugal, meu PC, meu IPed e meu celular passam a me enviar o tempo todo passagens aéreas, hotéis, aluguéis de carro, restaurantes etc. sobre o lugar ou suas imediações.
Se visito um site qualquer, tudo o que ele oferece, a partir de então, me fará visitas constantes, seja de forma direta, via lembretes eletrônicos na tela, seja por mensagens estranhas no meu SMS ou outro veículo.
Aplicativos variados, mesmo aqueles mais populares ou tidos por necessários, que permitem o relacionamento entre pessoas, são componentes de confecção de perfil que gradativamente são despejados no íntimo de grandes programas.
Para ilustrar com imagens claras, nada melhor que o filme que conta a história de Snowden. Sugiro que seja assistido pelos mais céticos.
Hoje conseguem nos ver no banheiro, na sala ou no quarto. Se quiserem, ligam sem que percebamos nossas câmeras, microfones.  São ainda capazes de saber que mensagens enviamos, pra quem, a que horas, de que modo.
Só não as utilizam todas, por falta ainda de espaço, tempo ou pouco interesse em nossas singelas existências.  Mas usam as principais. Para nos empurrarem coisas, produtos, manias, ideias. E se a pessoa consegue algum destaque, muito em breve, estará comendo nas mãos de alguém.
Não é à toa que figuras conhecedoras do mundo digital como Mark Zuckerberg ou Elon Musk, se recusam a usar a maioria dos aplicativos e cobrem seus equipamentos com adesivos nas lentes.
E porque faço essa ligação com a obra de La Boêtie.  Porque assim como ele afirma que nossa escravidão é voluntária, ele também nos diz que podemos interrompe-la.  Vencer essa tirania, bastando não mais nos entregarmos à rotina ridícula de nos fazemos mercadoria.
Parece simples, mas experimente viver à distância de tudo isso.  Não ter um WhatsApp ativo.  Não procurar pessoas em chats.  Não fazer conexões. 
Será tido por louco, eremita, fanático ou besta. Ficará ainda a parte do Mercado e terá dificuldades para crescer no mundo corporativo.
E esse será o preço da sua liberdade.
Agora mesmo, estou encaminhando essas palavras para amigos e familiares via web.  Que logo, por respeito ou consideração a mim, estarão lendo.  Alguns dizendo: "Puxa é mesmo".  Outros avaliando: "E daí?  O que pode acontecer de mal?".  E por fim aqueles que sequer se darão ao trabalho de pensar no assunto, pois estarão lendo ao mesmo tempo em que consultam seus recados ou mensagens.
Só que o fato é que as partículas terão entrando em cada componente eletrônico que quase 100% das pessoas que conheço possui.  Todas elas, como eu, escravos voluntários desse BigBrother poderosíssimo que vende caro nossos segredos e informações, conseguidos absolutamente de graça por nosso mais doce e devotado consentimento.

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