sexta-feira, 22 de setembro de 2017

As peripécias de Baía - Remanescências de Carlos Alberto Gomes (Gomes de Castro)



As peripécias de Baía.
 
              "É desnecessário que se diga o porquê do apelido desse rapaz. Muito pouco crédito se deu ao que dizia “Baia”, porém pelas suas características físicas não há como discordar que fosse oriundo da “boa terra”. Tive o “prazer” de tê-lo como colega em 1950, na terceira série do antigo curso primário, hoje ensino fundamental. Na verdade, ele foi meu colega por apenas três semanas. Eu disse que tive prazer de tê-lo- como colega pelo fato de ele nos ter brindado com algumas atitudes dignas de serem relembradas. Nesse ano, não sei se estou certo, mas foi o último em que o Grupo Escolar funcionou lá, no bairro São Benedito, local da fundação de Nova Granada, e apesar de ainda existir o prédio, já naquela época ele se apresentava bastante desgastado e necessitando de reformas, que devem ter sido realizadas, pois eu lembro que em determinada época, ali funcionou a Escola de Comércio, a popular “Escola do Jucão”.
              Suas portas eram bem altas, com quase dois metros de altura e, de modelo antigo, possuía duas folhas de madeira. As janelas, como as portas, também eram maiores que as atuais, sendo venezianas compostas por duas folhas cujas trancas eram ferrolhos do tipo Cremona. Obviamente, as janelas eram de madeira.
Nosso diretor, se não me falha a memória chamava-se Nelson. Nossa professora era dona Olga, esposa do diretor. O servente – hoje denominado inspetor de alunos – era o senhor Guy. Para mim, todos saudosos!
              No primeiro dia de aulas, ao formarmos fila para adentrarmos à sala de aulas, nós tivemos a surpresa de saber que entre nossos colegas se encontrava o endiabrado maquiavélico “Baía”.
Nosso horário de aulas era o vespertino. Um belo dia nossa professora havia faltado e a substituta, apesar de que naquela idade não percebíamos, parecia estar insegura. Após o Hino Nacional, naquela época o cantávamos todos os dias antes de entrar em classe, fomos autorizados a entrar em sala de aulas. Cada qual procurou sua carteira e assentou-se. Minha carteira ficava junto à parede, mais ou menos no meio da sala. A carteira ocupada por Baía ficava na mesma fila que a minha, mas no final, junto à parede detrás da sala. Há alunos que adoram quando a professora é uma substituta, pois gostam de aprontar.
              Meia hora foi o suficiente para que acontecesse! A professora passava pelas carteiras a fim de corrigir os exercícios que nos passara. Ao chegar junto à carteira de Baía ela percebeu o espelhinho colocado estrategicamente por ele, no solo. Pisoteou o espelho fazendo-o em mil pedaços e, para complicar, deu um tremendo tapa na cara de Baía, solicitando em seguida que um dos alunos fosse chamar o servente. Esquecia-me de dizer que Baía era um garoto de físico avantajado em seus já doze, treze anos.
              Naquela época nossas canetas eram compostas de um pedaço de madeira roliço com um encaixe onde colocávamos a pena – de metal – e que para escrever, molhávamos no tinteiro. A lousa era de madeira pintada de preto, colocada bem à frente da sala.
              A professora, após ter dado o tapa nele, pegou um giz e foi à lousa, onde começou a escrever enquanto aguardava a vinda do servente. Baía pegou sua caneta e – acredito que ele poderia ficar mais dez anos jogando-a que não conseguiria a proeza que acabava de fazer – atirou-a em direção às costas da professora. Por sorte, não conseguiu seu intento, mas como disse acima, a caneta, por incrível que possa parecer, ficou cravada na lousa. Foi então que tanto o servente quanto o diretor entraram na classe, pois ambos foram atraídos pelo grito de terror da professora ao ver aquela caneta fincada na lousa, próxima a sua cabeça. Corre daqui, corre dali e Baía pulou pela janela, passando a ser o primeiro caso de aluno evadido que tive conhecimento em minha vida."


Mais um dos textos de meu pai em seu livro de remanescências.  
Desejo que publique em breve.  Vale à pena.

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