domingo, 27 de dezembro de 2020

Nada como um dia(ano) atrás do outro.

Antigamente eu pensava em quais parâmetros, aqueles que dividiram o tempo, se basearam.  Me parecia ilógico um mês possuir apenas 28/29 dias, com tantos meses tendo 30 e outros até 31.  Não poderiam pegar um dia de agosto e um de janeiro, por exemplo e emprestar para fevereiro? Daí ele teria 30 dias durante 3 anos e 31 no quarto, aquele a que chamam de bissexto. No meu mundo de criança isso me parecia bem mais inteligente.

O fato é que não vem ao caso.  Queria mesmo é falar de tempo, de ano, desse nosso ano.

Definitivamente eu não posso me queixar de 2020. Apesar de tudo, até aqui ele me parece um ano muito especial. Precioso. Se feliz, não sei. Com certeza para muita e muita gente, as tristezas e perdas, marcaram muito mais que as alegrias.

Tenho visto muita gente gritando aos quatro cantos pelo fim imediato desse ano, como se fosse uma praga.  Algo ruim.  E claro, eu compreendo.  A pandemia arrasou planos, sonhos, economias, metas, encontros, viagens, aprendizado e sobretudo e mais cruelmente, separou pessoas, aqui no mesmo plano, pelas regras de isolamento, e pior, conduzindo boa parte para um plano inacessível ainda para nós. O "outro lado".

Em muitas famílias, as lembranças desse tempo serão trágicas e levarão muitos outros anos para serem superadas. Se é que serão.

Ao mesmo tempo que vimos cemitérios e UTIs cheios, assistimos comércio fechado, ruas vazias e empresas sólidas e tradicionais fechando as portas definitivamente.  Não sei você, mas eu vi amigos queridos e capacitados perdendo seus empregos.  Outros tantos, hospitalizados.  Mas ainda tem mais. Amazônia e Pantanal em chamas, superando todas as estatísticas mais terríveis que nosso meio ambiente já registrou.  Vimos a volta do Brasil para o mapa da fome da ONU e direitos trabalhistas serem dissolvidos aos poucos com a desculpa de efeito da pandemia. O nosso país foi levado a um patamar de vergonha internacional nunca dantes experimentado. Bagunças administrativas na gestão federal demonstraram incapacidade total dos mandatários e insatisfação grande dos representados.

Em resumo, um arraso total e generalizado causado pela pandemia da COVID 19 e pelo pior governo de todos os nossos 520 anos.  Destaque para o fato de que, em plena crise da saúde, não conseguiu manter vivo seu Ministério.  E perdemos assim a oportunidade valiosa de mostrar nosso valor ao mundo. Ou alguém tem dúvidas que poderíamos, se mantidos investimentos na ciência como há alguns anos e equipe competente na pasta, termos sido os precursores da vacina, ao invés de estarmos na fila para comprá-la? 

Vou deixar de lado o fato de que negacionistas contumazes que se destacaram ao longo desse ano, ainda fazem a campanha antivacina, de certa forma apoiada pelo irracional que chefia a nação.

Se o cenário é esse e esqueci muita coisa, como ouso dizer que "pra mim" o ano foi especial?

É que especial tem duplo sentido.

Olha, eu costumo acreditar nas mudanças como sendo necessárias e representando o fim de um ciclo e início de outro.  E claro, mudanças e reformas são sempre dolorosas, fazem barulho e sujeira. Por vezes a gente se fere durante o processo, quebra coisas.  E para mim, o que estamos vivendo, no meu caso inclusive é uma grande mudança.

No micro, depois de anos com sucesso nos negócios e certa tranquilidade foi necessário desligar pessoas importantes de nossas empresas, devolver o prédio que ocupávamos, distratar diversos parceiros, interromper contratos e enxugar despesas ao limite mínimo. No final, passar uma das marcas adiante.  

Repensar a própria condução da minha vida particular com avaliação de prioridades foi também tarefa difícil, mas sobretudo de muito crescimento interior. E todos à minha volta foram atingidos de algum modo. 2020 foi meu primeiro ano inteiro como divorciado, reaprendendo a ser pai de uma forma mais completa.  Também foi o primeiro ano inteiro com um novo relacionamento, o que me ensinou a doar-me e a estar aberto para receber.  Meus pais passaram a enfrentar com galhardia um grande sufoco pela saúde de meu pai.  Estão lutando tão bravamente que eu e meus filhos vimos reforçados nosso orgulho e admiração por ambos, que aliás já eram grandes.

Passei boa parte da quarentena confinado em casa ao lado dos meus rebentos. Acredito que em todos os anos anteriores, a nossa relação filial/paternal, jamais fora tão próxima. Por meses conversamos e convivemos profundamente. Cada refeição, noite ou dia juntos em casa, representou um momento de muita ligação e afeto. Como os conheci melhor!

Ah e meu irmão e sobrinha vieram de longe para ficar com meus pais em sua casa por quase 4 meses.  Se houve distanciamento por conta da segurança, ouve também muita proximidade e conversa boa em encontros salutares e claro, seguros. 

No geral, com medo, constrangimento e tristeza, vimos pelas janelas pessoas adoecendo e morrendo.  Parte delas se cuidando muito e outras abusando da sorte, negando a gravidade do coronavirus.

Num misto de revolta e "alívio", percebemos passar o tempo sem a alegria das festas, dos encontros, dos passeios. Um filho completou seus 20 anos e o outro atingiu a maioridade e concluiu o 2o grau sem celebrarem com amigos e familiares.  Talvez por isso sobrevivemos até aqui, firmes e fortes, sem resvalar no vírus "do arrebatamento".

E por falar em arrebatamento, para quem passou a infância imaginando como seria o apocalipse, vê-lo se apresentar desse modo, tão silencioso e com o sol brilhando lá fora, foi bem surpreendente.  

Nas ruas, shoppings e supermercados, o mundo caminhando de máscaras e as redes sociais tão odiadas pelos pais e desestimulada por pedagogos e psicólogos, passou a ser alternativa primeira de contato próximo/à distância, até para aulas.  Não é irônico?

Horários bagunçados.  Ninguém mais, no auge do confinamento, sabia direito a que horas deveria dormir, se banhar ou fazer suas refeições.  Não importava, na verdade. Hoje, meio que voltando aos poucos, nossos organismos ainda se rebelam. Em muitas casas, acho que nunca mais haverá regras claras sobre essas coisas.

Nessa minha retrospectiva, além dos diversos incidentes naturais que se abateram sobre o planeta (enchentes, terremotos, secas, vendavais e até praga de gafanhotos), ainda presenciamos o aumento de  feminicídios, racismo e outras formas de violência. Enquanto isso, aqui ao nosso redor, gente próxima valorizando o armamento mais acessível pra todos.  Pode?

Se os itens mencionados desenham esse painel que parece terrível, quem sabe o extrato disso tudo não possa ser a consciência ampliada e a geração da força que necessitávamos para fazer com que o novo tempo fosse diferente?  É nisso que estou apostando.

Falo de transcendência.  Espiritualidade.

Quem nunca ouviu aquela conversa toda sobre a transição planetária que tornaria nosso globo um lugar de regeneração? Parece que ganhou sentido agora.  Afinal, afetados pela trágica incidência da pandemia, todos de algum modo pudemos repensar nossos valores e objetivos de vida, não foi? Por certo um mundo diferente restará de tudo isso.  Nada de novo normal, insisto.  Diferente. Quem sabe governado por forças de luz que dispensarão os intermediários?

Gosto de misturar as coisas. Consola, sabe?

E por falar em governos, a exemplo dos estadunidenses e bolivianos, que recentemente deram um salto nos seus equívocos de há pouco, quiçá o Brasil e toda a Terra recomecem a substituição do modelo divisor, excludente e rancoroso, hoje vigente, pelo do amor, tolerância, inclusão e justiça. 

Para reformar temos que por abaixo. Para mudar temos que sair do conforto, embalar e despachar nossas bagagens. Na minha lógica, é isso que estamos vivendo agora. Então, o que vem por aí só pode ser outra coisa.  Outro tempo. 

Quem viver, verá.



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