No bairro onde morei com a família, por mais de 10 anos, há uma capela em honra a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Não raramente, ainda a visito para matar a saudade de alguns amigos. Por ser pequena e atender somente ao bairro, quase todos se conhecem.
O lugar é acolhedor e agradável. Abençoado mesmo.
No dia de hoje, o padre foi muito feliz em seu sermão. Numa fala consistente, detalhou a passagem do evangelho do dia que trata da prisão, julgamento e morte de Cristo.
Após a cerimônia, do Domingo de Ramos, eu já ia me despedindo dos amigos quando uma velha amiga de meus pais, que estava à porta da saída, me perguntou indignada:
"Como é que aquela gente pôde ser tão burra? Conviveram com Jesus. Experimentaram suas ações. O viram de perto falando e fazendo maravilhas. Muitos deles foram até beneficiados por seus milagres. Caíram nas intrigas dos sacerdotes e políticos da época. Acreditaram em mentiras toscas e sem fundamentos. Renegaram Jesus sem pudor, sem piedade, sem justiça. Como puderam o entregar para julgamento, escolhendo depois em seu lugar, para ser solto, um bandido, um homicida conhecido, alguém com mãos manchadas de sangue e de pensamentos agressivos? Por sinal bem diferente dele, contra quem não havia nada de ruim. E ainda, no final, se agradaram de sua condenação. Muitos até contribuíram para a sentença."
Pois é. Eu também não soube responder à querida senhora.
Sabemos hoje, pela história, que Cristo percebeu, bem antes de acontecer, que o estavam querendo ver preso e condenado. Por mais de uma vez ele havia escapado das muitas arapucas armadas para encrencá-lo. Em vários episódios, livrou-se de armadilhas que visavam colocá-lo contra as leis daquela gente.
Jesus sempre foi hábil com as palavras. Formidável na sua comunicação com as massas. Um mestre das relações humanas.
Por que então ficou lá, no Jardim de Getsêmani, com seus amigos, só esperando que o prendessem? Por que não se refugiou em alguma casa romana, já que tinha vários amigos poderosos? Por que não se abrigou no palácio de Herodes, fazendo com ele uma aliança, como aliás fazem tantos líderes da política de hoje quando precisam se safar de algo? Igual como quando se refugiam em embaixadas ou pedem asilo em outros países. Não. Nem sequer se declarou inocente. Talvez porque esperava a justiça, já que teriam que provar seus crimes. Pode ser ainda que acreditou que o povo que tanto ajudou não o deixasse só.Com seus discursos firmes e atitudes, Jesus mexeu, ao longo de sua caminhada, com a posição de muitos privilegiados. Abalou as estruturas do poder dominante e mostrou que os mais humildes, os pequeninos, eram os preferidos de Deus. Diminuiu o abuso de poderosos e deu aos pobres de seu tempo, a esperança de melhores dias. Boas perspectivas de um futuro mais inclusivo e mais igual.
Foi demais para os fariseus. Por isso, não bastava calá-lo ou desacreditá-lo. Era preciso tirá-lo de combate. Afastá-lo do caminho. Matá-lo.
Jesus podia ter fugido. Mudado sua rota. Mas não. Mesmo cercado e protegido por seus amigos (os discípulos) que eram contra ele se entregar, simplesmente se entregou.
Por ele, seus amigos enfrentariam os policiais. Não deixariam tão barato como foi.
Só que Cristo não queria e eles, não insistiram.
Foi a julgamento. O mais ágil de sua época. Inédito, feito na madrugada. Sem precedentes. Pois é. Os tais, doutores da lei, modificaram a lei para condenar Jesus.
Sem como fazê-lo, foram escolhendo outras instâncias. Mandaram para Pilatos, que o mandou para Herodes, que o devolveu a Pilatos que, com a desculpa de lavar as mãos, entregou Jesus aos abutres.Abutres que influenciaram o povo. Falaram aos seus ouvidos implantando mentiras, palavras prontas. Distribuíram moedas e sabe-se lá mais o que em troca de apoio. E assim, mesmo aqueles que até pouco tempo passaram a enxergar, andar e comer pelas obras de Cristo, agora o renegavam.
José de Arimatéia e outros apelaram por ele, mas não adiantou. A turba, dominada e manipulada, resolveu que o queriam preso. Depois morto. Optaram pelo criminoso de fato. Por aquele que tinha as mãos cobertas de sangue.
Depois de tudo, seus acusadores, voltaram pra casa. Felizes, realizados, com sua condição de privilegiados preservada.O povo que ajudou a condená-lo, enquanto não viu verter a última gota de sangue sagrado, não se satisfez. Só depois abandonaram o calvário. Voltaram enfim para sua peleja diária, a servir aos fariseus e romandos como bons e cordatos escravos.Já os amigos de Jesus, ficaram ali, plantados, em vigília constante. Até o final.
Mas claro. Ninguém se atreveu a atacar um só soldado, nem tentou trepar na cruz, a soltar o Cristo. Sequer buscou impedir que batessem os pregos, lhe dessem vinagre.
Ficar ali, não resolveu muito. Talvez, ao invés de sentir solidariedade, Cristo pode ter questionado em silêncio sobre a apatia de seus seguidores, pelo silêncio e quietude, quase tão culpados quanto os que gritaram "crucifica-o".
É... era uma outra configuração da história.
Hoje nada parecido com isso aconteceria, mesmo que em outras proporções, né?
As turbas dificilmente cairiam em conversa fiada ou na falácia manipuladora dos fariseus.
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