Islândia: do ardor revolucionário à descrença
"Manifestações derrubaram governo e prenderam
banqueiros no início da crise
Por João Moreira Salles
Recentemente surpreenderam-nos os acontecimentos de Tunísia que desembocaram na
fugida do tirano Ben Ali, tão democrata para ocidente até anteontem e aluno
exemplar do FMI. No entanto, outra “revolução” que tem lugar desde faz dois
anos foi convenientemente silenciada pelos meios de comunicação ao serviço das
plutocracias europeias.
Ocorreu na mesmíssima Europa (no sentido geopolítico), num país com a democracia provavelmente mais antiga do mundo, cujas origens remontam ao ano 930, e que ocupou o primeiro lugar no relatório da ONU do Índice de Desenvolvimento Humano de 2007/2008. Adivinhais de que país se trata? Estou seguro de que a maioria não tem nem ideia, como não a tinha eu até que tomei conhecimento por acaso (apesar de ter estado ali em 2009 e 2010). Trata-se de Islândia, onde se fez demitir a um governo ao completo, nacionalizaram-se os principais bancos, decidiu-se não pagar a dívida que estes criaram com Grã-Bretanha e Holanda por causa de sua execrável política financeira e se acaba de criar uma assembleia popular para reescrever a sua constituição.
E todo isso de forma pacífica: a base de caçarola, gritos e certeiro lançamento de ovos. Esta foi uma revolução contra o poder político-financeiro neoliberal que nos conduziu até a crise actual. Aqui está o motivo por que não se deram a conhecer estes factos durante dois anos ou se informou frivolamente e de passagem: Que passaria se o resto de cidadãos europeus tomasse exemplo? E com isto também confirmamos, uma vez mais por se ainda não estava claro, ao serviço de quem estão os meios de comunicação e como nos restringem o direito à informação na plutocracia globalizada de Planeta S.A.
Esta é, brevemente, a história dos factos:
Ocorreu na mesmíssima Europa (no sentido geopolítico), num país com a democracia provavelmente mais antiga do mundo, cujas origens remontam ao ano 930, e que ocupou o primeiro lugar no relatório da ONU do Índice de Desenvolvimento Humano de 2007/2008. Adivinhais de que país se trata? Estou seguro de que a maioria não tem nem ideia, como não a tinha eu até que tomei conhecimento por acaso (apesar de ter estado ali em 2009 e 2010). Trata-se de Islândia, onde se fez demitir a um governo ao completo, nacionalizaram-se os principais bancos, decidiu-se não pagar a dívida que estes criaram com Grã-Bretanha e Holanda por causa de sua execrável política financeira e se acaba de criar uma assembleia popular para reescrever a sua constituição.
E todo isso de forma pacífica: a base de caçarola, gritos e certeiro lançamento de ovos. Esta foi uma revolução contra o poder político-financeiro neoliberal que nos conduziu até a crise actual. Aqui está o motivo por que não se deram a conhecer estes factos durante dois anos ou se informou frivolamente e de passagem: Que passaria se o resto de cidadãos europeus tomasse exemplo? E com isto também confirmamos, uma vez mais por se ainda não estava claro, ao serviço de quem estão os meios de comunicação e como nos restringem o direito à informação na plutocracia globalizada de Planeta S.A.
Esta é, brevemente, a história dos factos:
- - No final de 2008, os
efeitos da crise na economia islandesa são devastadores. Em Outubro
nacionaliza-se Landsbanki, principal banco do país. O governo britânico
congela todos os activos da sua subsidiaria IceSave, com 300.000 clientes
britânicos e 910 milhões de euros investidos por administrações locais e
entidades públicas do Reino Unido. A Landsbanki seguir-lhe-ão os outros
dois bancos principais, o Kaupthing e o Glitnir. Seus principais clientes
estão nesse país e na Holanda, clientes aos que seus estados têm que
reembolsar suas poupanças com 3.700 milhões de euros de dinheiro público.
Por então, o conjunto das dívidas bancárias de Islândia equivale a várias
vezes seu PIB. Por outro lado, a moeda desaba-se e a carteira suspende sua
actividade depois de um afundamento de 76%. O país está em bancarrota.
- - O governo solicita
oficialmente ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que aprova um
empréstimo de 2.100 milhões de dólares, completado por outros 2.500
milhões de alguns países nórdicos.
- - Protestantes em frente
ao parlamento em Reykjavik sempre a aumentar. Em 23 de Janeiro de 2009
convocam-se eleições antecipadas e três dias depois, as caçaroladas já são
multitudinárias e provocam a demissão do primeiro-ministro, o conservador
Geir H. Haarden, e de todo seu governo em bloco. É o primeiro governo que
cai vítima da crise mundial.
- - 25 de Abril
celebram-se eleições gerais das que sai um governo de coalizão formado
pela Aliança Social-democrata e o Movimento de Esquerda Verde, encabeçado
pela nova Primeira Ministra Jóhanna Sigurðardóttir.
- - Ao longo de 2009
continua a péssima situação econômica do país e no ano fecha com uma queda
do PIB de 7%.
- - Mediante uma lei
amplamente discutida no parlamento propõe-se a devolução da dívida a
Grã-Bretanha e Holanda mediante o pagamento de 3.500 milhões de euros,
soma que pagarão todas as famílias islandesas mensalmente durante os
próximos 15 anos ao 5,5% de interesse. Os cidadãos voltam à rua e solicitam
submeter à lei a referendo. Em Janeiro de 2010 o Presidente, Ólafur Ragnar
Grímsson, nega-se a ratificá-la e anuncia que terá consulta popular.
- - Em Março celebra-se o
referendo e o NÃO ao pagamento da dívida arrasa com um 93% dos votos. A
revolução islandesa consegue uma nova vitória de forma pacífica.
- - O FMI congela as
ajudas económicas à Islândia, à espera de que se resolva a devolução da
sua dívida.
- - A tudo isto, o governo
iniciou uma investigação para dirimir juridicamente as responsabilidades
da crise. Começam as detenções de vários banqueiros e altos executivos. A
Interpol dita uma ordem internacional de detenção contra o ex-Presidente
do Kaupthing, Sigurdur Einarsson.
- - Neste contexto de
crise, elege-se uma assembleia constituinte no passado mês de Novembro
para redigir uma nova constituição que recolha as lições aprendidas da
crise e que substitua a actual, uma cópia da constituição dinamarquesa.
Para isso, recorre-se directamente ao povo soberano. Elegem-se 25 cidadãos
sem filiação política dos 522 que se apresentaram às candidaturas, para o
qual só era necessário ser maior de idade e ter o apoio de 30 pessoas. A
assembleia constitucional começa o trabalho este mês de Fevereiro de 2011
e apresentará um projecto de carta magna a partir das recomendações
acordadas em diferentes assembleias, que celebrar-se-ão por todo o país.
Deverá ser aprovada pelo actual Parlamento e pelo que se constitua depois
das próximas eleições legislativas.
- - E para terminar, outra
medida "revolucionária" do parlamento islandês: a Iniciativa
Islandesa Moderna para Meios de Comunicação (Icelandic Modern Média
Initiative), um projecto de lei que pretende criar um marco jurídico
destinado à protecção da liberdade de informação e de expressão.
Pretende-se fazer do país, um refúgio seguro para o jornalismo de
investigação e a liberdade de informação onde se protejam fontes,
jornalistas e provedores de Internet que hospedem informação jornalística;
o inferno para EEUU e o paraíso para Wikileaks.
Pois esta é a breve história da Revolução Islandesa: demissão de todo um governo em bloco, nacionalização da banca, referendo para que o povo decida sobre as decisões económicas transcendentais, encarceramento de responsáveis da crise, reescritura da constituição pelos cidadãos e um projecto de blindagem da liberdade de informação e de expressão.
Disseram algo os meios de comunicação europeus? Comentou-se nas repugnantes tertúlias radiofónicas de políticos de médio cabelo e mercenários da desinformação? Viram-se imagens dos factos pela TV?
Claro que não. Deve ser que aos Estados Unidos de Europa não lhes parece suficientemente importante que um povo pegue as rédeas da sua soberania e plante contra o rolo neoliberal. Ou quiçá temam que se lhes caia a cara de vergonha ao ficar uma vez mais em evidência que converteram a democracia num sistema plutocrático onde nada mudou com a crise, excepto o início de um processo de socialização das perdas com recortes sociais e precarização das condições de trabalho. É muito provável também que pensem que ainda fique vida inteligente entre as suas unidades de consumo, que tanto gostam em chamar cidadãos, e temam um efeito contágio. Ainda que o mais seguro é que esta calculada desvalorização informativa, quando não silêncio clamoroso, se deva a todas estas causas juntas.
Alguns dirão que Islândia é uma pequena ilha de tão só 300.000 habitantes, com uma estrutura social, política, económica e administrativa muito menos complexa que a de um grande país europeu, pelo que é mais fácil organizar-se e levar a cabo este tipo de mudanças. No entanto é um país que, ainda que tem grande independência energética graças a suas centrais geotérmicas, conta com muito poucos recursos naturais e tem uma economia vulnerável cujas exportações dependem num 40% da pesca.
Também haverá quem dirá que viveram acima de suas possibilidades endividando-se e especulando no casino financeiro. Igual que o fizeram o resto dos países guiados por um sistema financeiro liberado até o infinito pelos mesmos governos irresponsáveis e suicidas que agora se jogam as mãos à cabeça. Eu simplesmente penso que o povo islandês é um povo culto, solidário, optimista e valente, que soube rectificar-lhe mostrando valentia, indo contra ao sistema e dando uma lição de democracia ao resto do mundo.
O país já iniciou negociações para entrar na União Européia. Aguardo, por seu bem e tal e como se estão a pôr as coisas no continente com a praga de vigaristas que nos governam, que o povo islandês complete sua revolução recusando a adesão. E oxalá ocorresse o contrário, que fosse a Europa a aderir à Islândia, porque essa sim seria a verdadeira Europa dos povos."
Fonte: NSMB
Tradução do Diário Liberdade, rectificado
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