domingo, 13 de outubro de 2024

Políticas públicas de meio ambiente para além do indivíduo

 



Silvana Torquato Duarte

Engenheira Florestal
Mestra em Agronomia - UFRRJ
Especialista em Educação Ambiental - UNB
Carioca, mãe de 4 filhos, 
militante ecossocialista e antinuclear.




Sempre que sou convidada a falar de meio ambiente faço referência à necessidade de instituirmos políticas públicas de meio ambiente. Esse mantra encontra justificativa na contraposição a algo falacioso em que querem que acreditemos: que a preservação ambiental é possível a partir de mudanças individuais.

 

Confuso? Então vamos trazer alguns exemplos para ajudar na reflexão que proponho nesse texto.

 

Um dos problemas provocados pelas mudanças climáticas é a alteração dos ciclos hidrológicos, e aqui em São José do Rio Preto temos ano a ano lidado com estiagens mais prolongadas. Se chove menos temos menos água disponível para consumo. Sendo assim, é razoável pensar que precisamos racionar o consumo. Campanhas orientando a população a não regar plantas, não lavar calçadas, para que diminuam o tempo no banho, reduzam o uso da máquina de lavar, etc., são veiculadas nas mídias. Tudo certo, mas tem um probleminha. Os maiores consumidores de água no Brasil, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA) são a indústria e o agronegócio, que juntos são responsáveis pelo consumo de 70% da água doce disponível. Então, é razoável considerar que, ainda que toda a população de Rio Preto decida reduzir a níveis mínimos o uso/consumo de água, ainda assim, a economia de água gerada ficará aquém do necessário para evitar um colapso hídrico.

 

Seguindo com nossa reflexão, quando pensamos na emissão de CO2 na atmosfera lembramos da queima de combustíveis fósseis, que produz o efeito estufa, que, por sua vez, contribui para as mudanças climáticas. Se todos nós parássemos de usar nossos carros e motos menos CO2 seria lançado na atmosfera, porém cerca de 85% do combustível fóssil queimado é para produzir energia gasta pela indústria/agroindústria.

 

Com esses dois exemplos creio que começa a ficar claro que atitudes individuais, mesmo que sejam adotadas por todos os indivíduos de uma sociedade, são insuficientes para impedir o avanço da crise climática e seus eventos extremos.

 

A ideia de que cabe ao indivíduo e não às corporações a responsabilidade por estabelecer padrões adequados de consumo dos recursos naturais é, no mínimo, equivocada. Antes do indivíduo, a indústria que lucra com a exploração dos bens naturais, que mesmo diante de crises produz bens na lógica da obsolescência programada, que limita sua vida útil para manter o consumo contínuo e crescente, cabe a essa indústria rever padrões de produção no que se refere ao uso dos recursos naturais.

 

Podemos citar também os resíduos sólidos e a pressão para que as cidades implantem programas de coleta seletiva. Para além da cobrança sobre o consumidor, que deve se responsabilizar pela destinação adequada do seu lixo, vemos novamente as indústrias, que são as maiores produtoras de lixo, sendo deixadas em segundo plano. Ou seja, coloca-se o indivíduo no centro da causa e solução do problema, e deixa-se de lado o que de fato precisa ser pensado, que é o sistema produtivo: quem produz, o que produz, quanto produz e pra quem produz.

 

Diante do desafio de reverter as condições que alimentam a crise climática, acreditar que basta que individualmente se faça a escolha certa é, além de tudo, desconsiderar que em sociedades tão desiguais como a nossa nem sempre é possível fazer escolhas. Enquanto a classe média pode optar por roupas ecológicas, alimentos orgânicos, deslocar de bike ou mesmo a pé até locais de seu interesse, a maioria da população brasileira, e em Rio Preto não é diferente, não tem escolha. Consome o que pode, quando pode.

 

Se você chegou até aqui, espero que agora entenda porque falo tanto em políticas públicas de meio ambiente. Justiça ambiental se conquista com justiça social e regulação do capital. Antes de pedir a uma dona de casa que não regue suas plantas, pense em dizer para a indústria que ela está obrigada a promover novas tecnologias para uso e consumo dos recursos naturais, e que é obrigada a produzir bens duráveis, reduzindo o consumo e a geração de lixo.

 

Só com políticas públicas de meio ambiente assertivas e controle social conseguiremos avançar!



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