Quando eu era criança, sofria muito para dormir. Gritava de medo. Tinha sonhos, visões. Sensações horríveis. Fazia das noites de meus pais, um inferno. Até meu irmão mais novo, entrava na dança.
Meu pai, então professor
primário, lidava bem com crianças. Sempre
paciente, se deitava comigo a contar histórias afim de me acalmar. E assim eu podia dormir em paz, embalado por
sua voz e por seu talento, nas diversas fantasias que narrava.
A cada dia era um conto novo,
ou um repetido com outros finais e personagens diferentes. Criatividade nunca
lhe faltou. Emprestava autores diversos como os Irmãos Grimm, Andersen e até Monteiro
Lobato, mas também criava seus próprios.
Talvez por isso eu não me
curava desse terror noturno que nutri até a adolescência. Afinal, pra mim era
seguro e educativo dormir embalado por meu pai.
Uma vez, após algumas coisas
estranhas acontecerem em casa, meus pais chamaram um padre para um tipo de
“limpeza” do ambiente. Eu já era adulto, meu irmão também, mas na ocasião contaram
um pouco do meu caso de infância a ele.
O padre levou o fato para o campo psicológico, alegando um possível
receio de perde-los, mal resolvido em mim.
Inconscientemente, eu temia eles irem embora ou morrerem, ao que eu
reagia dessa forma, segundo sua teoria, para chamar-lhes a atenção e tê-los por
perto ao dormir.
Sabe, pode ser mesmo. Eu tinha um medo danado de ter que sepultar
meus pais. A maior parte de minhas
orações, era devotada a essa finalidade, digo, para distanciar ao máximo esse
momento.
Quando eu ainda era um bebê,
meus pais perderam uma filha. Minha
irmãzinha que foi muito esperada por eles.
Morreu logo após nascer. Consta
que uma dor forte e muito sofrimento se abateram sobre minha família. Eu então,
embora sem entender nada, fui apresentado à morte, a perda, de maneira brutal. Vi e registrei em meu subconsciente, o que isso
causou a eles. Tal coisa me foi revelada mais tarde quando fiz regressão de
idade com um terapeuta e depois, novamente, numa sessão de constelação familiar
com outro profissional. Ou seja, cresci
com esse receio profundo, do dia em que seria apartado de meus amados
genitores.
Hoje em dia, fico pensando em
que momento da vida a gente aprende, ou se prepara para suportar e enfrentar
esse temido episódio de nossas existências, qual seja, o de enterrar quem
amamos que é sempre muito doloroso.
Mas nem todo mundo reage
igual. Alguns e logo, se desapegam um
pouco mais que outros. Vão trabalhar ou
morar longe, voluntariamente, aparecendo de quando em quando para rever os
seus. Há também quem o faz por força da necessidade e se vê, de uma hora pra
outra, do outro lado da Terra, sem poder visitar constantemente seus queridos.
Que remédio? Aceitar.
Em ambos os casos, os
encontros passam a ser raros ou fortuitos. Mas não eu. Não consegui. Morava na mesma cidade e até poucos meses, no
mesmo bairro de meus pais.
Os encontros eram constantes e
nos falávamos, pelo menos ao telefone diariamente, ainda que eu viajasse para
longe.
Os domingos eram juntos e boa
parte das tardes, mereciam ser encerradas com um café em sua casa. Éramos uma
família unida. Sem dúvidas.
Aprendi meu ofício com meu
pai. E sempre recebi dele apoio, afeto,
carinho. Jamais uma crítica, ainda que eu merecesse várias vezes.
Tudo o que consegui, ou mesmo
como me mantenho até hoje, devo a ele em primeiro lugar.
Corretor de Seguros, me
iniciou no ramo que mais adiante me fez fundar minha própria corretora e fazer
dela uma grande rede de franquias.
Quando ele se aposentou, ainda
motivado e ativo, eu podia tê-lo trazido pra junto de mim, pois sua experiência
e “cartaz” perante os grandes do Mercado, ainda era alto. Não sei porque não o fiz.
Sempre fomos parceiros. Eu e meus pais sempre nos auto socorremos quando
necessário. Claro, mais eles o fizeram
por mim que eu por eles.
No entanto, após contrair um
câncer de pulmão, meu pai começou a ficar um pouco mais dependente de mim.
E foi uma honra poder
acompanha-lo às consultas, às quimios, às internações, embora ele, sempre muito
auto suficiente, o fez por conta própria enquanto pôde.
O que me marcou, foi
acompanha-lo diariamente, em sua dor, mas sem compreender muito seus apelos.
Dentre gemidos e outras
solicitações, meu pai clamava por algum tipo de ajuda, pois se afirmava com
desespero. Como se negava a ir a um psiquiatra, eu então perdia um pouco da
paciência e não compreendia os motivos do tal desespero. Ele tinha problemas
para dormir e para se acalmar e eu, em momento algum, retribuí suas histórias,
seus contos, sua paciência, seu amor profundo, que me dedicou na infância
diante do “meu desespero”.
Pudesse então eu deitar-me ao
seu lado, segurar sua mão e contar-lhe uma história. Não seria como as suas,
sempre tão ricas. Mas eu poderia com isso vê-lo dormir aos poucos e descansar
tranquilo.
Não... não o fiz.
Minha mãe, que agora mora
comigo, ao arrumar as coisas de meu pai, entregou-me uma pasta que encontrou de
seus guardados. Nela, dezenas de contos,
engraçados, inteligentes, sensíveis, inclusive sobre meus filhos.
Olha isso. Ainda longe, em outro plano, suas histórias podem
embalar meu sono sempre ruim. Espantar
meus fantasmas. Acalmar, ainda hoje, um
pouco o meu coração.
Amor que transcende é assim mesmo.
No seu leito de morte, minutos
antes de fechar os olhos derradeiramente, me contou uma última fantasia:
“Diga aos seus filhos que
ficará tudo bem. Diga a sua mãe, que estou sorrindo. Cuide dela por mim. Diga ao seu irmão, que sou feliz.”
E dormiu, enfim.
Meu nobre amigo, que história de vida linda!! Nos traz a reflexão! Na correria da vida, quantos momentos importantíssimos perdemos. Ainda há tempo para valorizamos nossos pais, amigos que nos apoiam e sempre estão conosco e às vezes não percebemos. Obrigado por essa reflexão tão oportuna! Parabéns!! Abraço!!!
ResponderExcluirSou eu quem agradeço por suas belas palavras.
ExcluirAbraço fraterno.