Não porque pense que vá mudar convicções ou crenças. Tampouco imaginando uma devastadora
distribuição do mesmo. É que acredito poder contribuir com uma ou duas pessoas
que porventura percam seu tempo com essa leitura e necessitem divagar sobre o
que estão vendo por aí. Nem todos tem oportunidades de um debate tranquilo nos
meios em que estão inseridos, ou nas redes sociais cada dia mais brutalizadas pelo
excesso.
Além disso, não é normal que tão perto do pleito que pode
comprometer nosso futuro, ainda haja tanta dúvida ou tanta indecisão.
O momento é outubro de 2022, um ano que foi difícil por
vários motivos. Ressaca de uma pandemia mal curada, crise econômica que nos
impulsiona ao desânimo constante, ano eleitoral com profunda distorção da
prática política, ameaça real de conflito nuclear no mundo e tudo isso sem
falar nas questões de cada um de nós, no meu caso específico, relacionadas a
trabalho e saúde na família.
E é nesse cenário que precisávamos de luz. De clareza nos pensamentos afim de darmos um
voto sério para presidente. Seria, quem sabe, o início firme e compensador de
um novo tempo a resgatar nossa economia, nossas perspectivas e principalmente a
nossa sanidade mental.
Mas fica difícil.
E por quê? Porque não estamos numa
dimensão normal. Não estamos no planeta que conhecíamos. Parece que fomos lançados a um pesadelo sem
despertar. Será que fomos invadidos pelo famoso vilão dos quadrinhos Mister Mxyzptlk? Aquele inimigo do Superman que transporta as
pessoas para uma outra dimensão e só é derrotado quando se fala seu nome ao
contrário? Deixe-me tentar: “Oranoslob.”
Não... continuamos aqui.
Resta então refletir um pouco mais sobre tudo o que
temos presenciado e visto nos últimos dias.
Padres e pastores sendo seriamente arrastados,
empurrados e xingados dentro de seus próprios templos, pra não falar do vexame promovido
por alguns “devotos” na Basílica de Aparecida em pleno dia da padroeira.
Violência física e verbal contra militantes opositores,
integrantes das minorias ou pessoas oriundas do Nordeste de nosso território.
Também temos visto mentiras tão ridículas, que colocá-las
em prática seria impossível como fechar igrejas, instalar banheiros unissex em
escolas e implantar o comunismo no Brasil. Coisas que fazem da “mamadeira de
piroca ou kit gay”, que nunca existiram, parecer anedota. Se é que não eram.
Isso só pra falar de uma ou outra coisa desse universo
de Mxyzptlk.
Busco justificativas desse descompasso talvez no cerne,
no nosso surgimento histórico.
Somos fruto de um grande desastre. Moramos num lugar
que já existia há muito tempo, com riquezas naturais invejáveis à fria e cinzenta
Europa do século 16, cujos reis gananciosos mandaram invadir e explorar. Nos
acostumamos com a exploração e dessa invasão não nos livramos mais. Sua imposição cultural e religião nos tornaram
eternos reféns de seus hábitos, crenças e vontades. E é dessa herança que se
nutre boa parte de nossa sociedade que sonha em retornar ao berço que sequer
conheceu.
Só que se eu ficar nessa discussão, a coisa vai tomando
uma tal profundidade que não vou chegar aonde quero, a saber, demonstrar que
tudo isso só está acontecendo devido ao gritante e escandaloso desconhecimento
do pertencimento de classe de nossos cidadãos.
Essa ignorância custa caro. Nos divide e confunde e sobretudo permite que sejamos
conduzidos por quem, ao contrário, conhece muito bem o seu lugar e seu papel na
força e no poder. E óbvio, não será agora ou em poucos dias que resolveremos
essa questão.
Questão senhor presidente, não qüestão.
Há cerca de 4 anos, enquanto caminhávamos de um
equívoco ao outro, tropeçando em planos econômicos e trafegando por ideologias
pouco diversas, surgiu de repente um espectro aparentemente inofensivo,
alimentado pelas beiradas, de um lado por artífices do mal que operam muito bem
a tecnologia e por outro pelos herdeiros do mando que há mais de meio milênio
se apoderaram de nossa pátria.
Encontraram em nossa cidadania mal formada, um terreno
fértil e com ajuda dos chamados algoritmos da internet, rapidamente desenvolveram
um plano. E para impulsioná-lo, precisavam de alguém e o criaram. Transformaram um “nada” em estandarte e
depois o fizeram mandatário da nação.
Por que o chamo de nada? Despeito, ideologia ou antipatia? Embora a resposta seja evidente, há o componente
principal. Na realidade é o caso dessa
figura.
Despreparado, preguiçoso e incauto, entrou para a
política no Estado do Rio de Janeiro no qual foi eleito Deputado Federal, posição
que exerceu por 28 anos, sem qualquer relevância em qualquer que seja a área.
O que chamou a atenção sobre ele era que caminhava fazendo
sua imagem explosiva, de nervosinho, indignado, machão, corajoso, ao mesmo tempo
que destilava conceitos que boa parte de nós carrega no caráter tentando
esconder (racismo, homofobia, moralismo, repressão sexual, desejos incontidos,
autoritarismo), ou seja, os algoritmos ideias a servirem de alavanca.
Sim... ele serviria ao propósito. E serviu bem.
Percebe? Não
veio de marte e não se criou por iluminação divina como seus adeptos mais
inflamados defendem. Foi escolhido e
cooptado por quem precisava dessa matriz para implantar a semente do mal.
Sua vaidade e arrogância facilitaram o acesso.
E foi tão bem trabalhado que independente de todas as
acusações que pesam sobre ele como os escândalos ligados a funcionários
fantasmas e divisões de salários com assessores de seus gabinetes, os ministros
corruptos que dirigiram pastas relevantes como Saúde, Educação, Meio Ambiente e
outras, seu descaso perante a solução da pandemia, o enriquecimento inexplicável
dos seus com compras em dinheiro vivo de imóveis e muito mais, o que importa é
que nunca ofereceu qualquer risco aos seus criadores. Era desconhecido, sendo inclusive considerado
pertencente ao baixo clero do Congresso.
Assim, como ascendeu facilmente pode ser botado abaixo. Descartado após cumprir sua tarefinha. Ser
preso ou ir para o lixo. Não faz diferença.
Esse mesmo projeto que o tornou “mito” de um certo
grupo, também fazia suas amarras em outros ambientes internacionais, como no
ideológico proposto pelo autoproclamado “filósofo” Olavo de Carvalho que
mantinha seguidores de suas ideias estapafúrdias. Outro fornecedor de algoritmos.
Medindo as opiniões generalizadas e marginalizadas na
sociedade, os arquitetos do caos trabalharam com a ajuda dos tais algoritmos
para entregar a essa “grande fatia” de gente, o exato modelo que os
representaria. Numa analogia desproporcional, é como se entregassem o “bezerro
de ouro aos dissidentes de Moises”.
Essa articulação já houvera triunfado em outros
rompantes mundiais com destaque na Itália, nos movimentos da Primavera árabe e
no caso do Brexit.
Sabe-se Deus com que intenções além das que são muito
concretas, há esse movimento triunfando em diversos lugares em nossa
atualidade. Agora mesmo ganhando eleições ou ressuscitando o que houve de pior
como nazismo e supremacia. Pra quê? Por
puro poder ou talvez tentando, quem sabe, causar um efeito anestésico que evite
se enxergar o desastre do capitalismo decadente.
Em muitos lugares mundo afora já se consegue elucidar
essa tramoia, sem precedentes na curta vida da civilização humana. A própria imprensa, sempre serviçal, ajuda
agora a fornecer alguns antídotos seja por peso de consciência, ou por questão
de sobrevivência futura.
Só que no Brasil, além do mal persistir, ganha forças,
raízes e faz parte do ideário de boa parte de nossa gente que até ontem
defendia a paz, o respeito entre os povos, a convivência tranquila com as diferenças
e mesmo a defesa da livre opinião e pensamento.
Do nada, familiares e vizinhos, colegas do escritório e
estranhos, adentram nossas redes sociais com agressões, penduram bandeiras em
seus portões arrogando-se de patriotas e achincalham quem veste qualquer cor
que possa suscitar pensamentos progressistas.
Sem nunca trafegarem por textos de filosofia ou
economia, cospem longe ao falar de correntes como socialismo ou comunismo. E tão desinformados são, que confundem tudo
julgando até políticos liberais e outros como pertencentes a correntes de
esquerda.
Reacionarismo e conservadorismo, termos antes usados
para se definir o atraso são agora exaltados com orgulho por pessoas de todos
os níveis culturais e sociais. Tem até que ache chique ser chamado “conservador”.
Em pouco tempo, oportunistas do mundo religioso
vociferam para fazer crescer suas agremiações e políticos de diversas linhagens
surfam nas ondas do momento para angariarem simpatia. Votações expressivas de
gente até ontem sem expressão, não desmentem.
Sobretudo, crescem a violência e a mentira usadas
diariamente como armas de combate e intimidação.
O pior é que, enquanto esse grupo se nutre, deixam de questionar,
avaliar e fazer autocrítica. Ignoram por
completo os malfeitos e os ditos desastrosos do seu “líder”, que na verdade
nada mais é que o “vampiro mestre”.
Aquele que quando aniquilado quebra o feitiço dos que foram por ele
mordidos. Mas enquanto atuante, torna fétidas e funestas suas circunvizinhanças.
Defendendo a família (sem nunca ter mantido uma
completa por muito tempo), ufanando-se de anticorrupção enquanto todos à sua
volta e sob seu controle respondem a desmandos, processos e acusações sem fim,
exalando depravação em piadinhas de mal gosto e falas absurdas como a que proferiu
sobre garotas venezuelanas de 14 anos, ainda se mantém acreditado e seguido por
tradicionais homens e mulheres “de bem”.
Nem sua convivência com vizinhos envolvidos em crimes,
como aquele que possuía um arsenal de armas ilegais em casa ou o condenado por
participar do assassinato da vereadora carioca Mariele, causam estranheza em
seus defensores. Se um desses criminosos fosse o tio do cunhado do entregador
de gás da casa do primo do Lula, ah... o mundo acabava.
Demonstrando pouco apreço pelo país ao bater
continência para a bandeira estadunidense e bajular Trump, fez nascer em alguns
o estranho hábito de carregar bandeiras de Israel (sabidamente um povo não
cristão) em marchas pró Jesus. Vejo nas pontes e praças, vendedores de toalhas
com seu rosto estampado entre a estrela de Davi e as faixas azul e vermelha do
Tio Sam.
Não admira ter despertado também apreço ao militarismo em parte desses que o admiram. Não soubemos ensinar a tempo nossos jovens que cresceram desconhecedores dos horrores promovidos pelo regime de exceção que vivemos na ditadura. Também não espanta ter ocasionado o ardor repentino pelo verde e amarelo de nossa bandeira. Afinal, ser patriota sempre será uma aspiração daqueles que amam sua origem ou sua terra. Na pior das hipóteses são filhos de uma geração ou os próprios que experimentaram a educação moral e cívica dos tempos de ferro, alimentando essa gana por conceitos que pouco se pratica no cotidiano das vidas em geral.
Só se esquecem que vestir camisas ou cravar botons com nossas cores não faz de ninguém patriota. Defender a pátria é garantir sua soberania, integridade, unidade, desenvolvimento e liberdade.
Apenas causa um certo receio o formato como tudo isso chega e é de certo modo imposto. Gritos, ataques, em alguns casos mesmo agressões físicas a qualquer um que se interponha ou que rejeite Bolsonaro ou a corrente que representa.
Como já escrevi antes, recentemente guias espirituais
como padres e pastores, receberam agressões enquanto exercendo suas
funções. Empregados veem sendo forçados
ou impelidos a pensarem como seus patrões por assédio ou receio de demissão e
principalmente, assistimos ou fazemos coro sem saber no avanço indiscriminado
de mentiras as mais diversas, mais insanas e mais improváveis.
Elas vão de fechamento de igrejas a instalações de
banheiros unissex nas escolas numa discussão moral nada prioritária aos reais
problemas a serem enfrentados por quem for eleito. Falas distorcidas e
montagens “escrotas” que tiram contextos causando pânico generalizado.
Enquanto as discussões ficam nesses termos rasos, nada
se põe quanto a projetos para o desenvolvimento e recuperação do Brasil.
Combatendo desse modo os antagônicos, fica livre o caminho para quem quiser ocupar,
daí o bote dos que pensaram tudo isso.
É como um filme... uma série a qual os expectadores
conhecem a verdade, mas os envolvidos são expostos a apenas um lado e caem como
vítimas fáceis das artimanhas bem traçadas pelos vilões.
O duro é que na tela só as personagens são prejudicadas,
ao passo que no coletivo em que vivemos, dificilmente alguém escapará.
Retornando para a cena do bezerro de ouro, quem de nós
nunca pensou: “Ingratos. Não percebem
que Deus os retirou do deserto?”. Não,
pois estão ocupados demais adorando e entregando-se graciosamente ao deleite
pagão por uma deficiência sentimental que o mundo moderno ainda não conseguiu
vacinar. E dessa festa equivocada, não haverá quem atravessará o mar a pé
enxuto.
ótimo texto
ResponderExcluirObrigado pela leitura cara. Não chega aos pés dos seus, mas a ideia é contribuir.
ResponderExcluir