domingo, 13 de janeiro de 2019

Cobras e Mentiras

Acredito que muitas pessoas já tiveram oportunidade de acompanhar a brilhante atuação do ator Jim Carrey no filme "O mentiroso" de 1997.
Uma boa comédia que recomendo a quem não assistiu ainda.
No filme, o personagem fica privado de dizer mentiras, o que era um hábito seu até em pequenas situações.  A partir daí então ele precisa se adaptar a uma nova forma de viver. Falar somente a verdade e com isso, acertar sua vida profissional e pessoal.
Pois é.  Faz tempo que eu queria escrever um pouco sobre isso aqui no blog. 
A mentira.
Pessoas inseguras tem o hábito de duvidar de todo mundo.  De desconfiar até das sombras.
Por isso, "dormem com olhos abertos" e falam sempre com meias palavras. Vigiam permanentemente os outros, tentando controlar-lhes a vida e o que fazem, pensam ou falam.  Confrontam histórias de um com as de outro e estão sempre acreditando que a qualquer momento, tomarão alguma rasteira.
Mas esse não é só um comportamento dos inseguros.  É mania também de quem vive escorado em mentiras grandes ou pequenas, que fabrica ou de fatos que oculta o tempo todo, quase sempre como solução de seus pequenos conflitos, ou para evitar desconforto.
Pessoas com esse desvio de caráter, geralmente avaliam essas mentirinhas como algo sem maldade e maiores consequências.  Com isso, poder-se-ia dizer que a mentira lhes é um "meio de vida", como também era do personagem de Carrey, no filme.
Em casos mais graves, e já vi isso, há pessoas que se habituam tanto a usar da mentira que passam a vive-la e acreditar que sua versão é real.  Já não notam a diferença entre verdade e o mundo ilusório criado por si mesmas.  E não raramente levam vida dupla ou tripla. Um sofrimento absurdo e desnecessário pra si e outros envolvidos.
Não dá pra dizer que é maldade.  Acho que ninguém está livre de usar pequenos subterfúgios quando algo que é verídico possa complicar as coisas.  O problema é usar isso com frequência, de maneira descontrolada.
Eu mesmo, por insegurança ou movido pelas minhas próprias pequenas mentiras (desculpas amarelas), já vivi a tendência de duvidar de todo mundo e acreditar que sempre havia uma segunda intenção por traz disso ou daquilo e confesso, viver assim é doentio.  Se não é maldade, o exagero ao usar disfarces, faz com que o problema acabe virando falta de amor.  Afinal, desconfiar dos outros, não é um ato de amor.
Há uma grande chance de que as pessoas não tenham culpa alguma de serem assim, sendo essa forma de agir possivelmente oriunda de problemas tidos na formação de sua personalidade, lá atrás e que agora surge transposto nas relações do dia a dia.
Veja o que diz Erich Fromm sobre quem tem dificuldades no seu relacionamento amoroso, por exemplo:  "Enquanto tememos conscientemente não sermos amados, o temor real, embora inconsciente é o de amar".
Pronto.  O que temos aqui?  A transposição do conflito sobre o proceder diário.  E se ela serve para justificar problemas no amor, serve para o mau hábito de mentir.
Não sou nenhum cientista, muito menos especialista no relacionamento humano.  Também nada sei de psicologia, salvo o que leio por aí.  E pra dizer a verdade, tenho até dificuldades de aceitar, tranquilamente, qualquer diagnóstico sobre comportamento meu ou de alguém que eu conheça.
Não contrariando isso, no entanto, costumo dizer para minha mulher e companheira, que conservo muita atenção nas minhas intuições.  Tenho por elas bastante respeito, por acreditar que são um mecanismo natural de auto preservação e proteção.
Assim, embora eu não admita que alguém afirme, de bate pronto, "não ter ido com a cara de tal pessoa", também não desacredito que impressões devam ser consideradas e entendidas como alertas.
Sem, por favor, julgar ninguém pela aparência.  Isso sim é outro problema de caráter e pra lá de mero desvio.
É fato que todos nós precisamos avaliar, o tempo todo, nosso "modus vivendi".  Cuidar mesmo de nosso comportamento e vigiar o que pensamos e falamos pra não corromper nosso espírito.  Autocrítica pesada e contínua. Pois mentir é fácil, embora seja concreto que a "mentira", seja ela qual for, tem pernas curtas.
Senso comum, para mim, pode ser definido como uma das grandes forças da humanidade.
Se eu tivesse que citar algo para exemplificar o senso comum e sua relevância na vida das pessoas, eu falaria, por exemplo, das propriedades curativas da Erva de Santa Maria ou do Boldo, esse último para o fígado.  Coisas que mais adiante, a própria ciência foi capaz de reforçar ou aprovar.
Se as ciências tem suas bases em seus experimentos empíricos, o senso comum não deixa de ter as suas razões em situações vivenciadas pelas gerações que se seguiram.
Minha avó era mestra na aplicação, pelo menos pra mim, de conceitos de origem no senso comum.  Quase sempre, ainda que na vida infantil ou juvenil, boa parte de seus conselhos me serviram como luvas em certas ocasiões.
Aprendi então a ter um grande carinho por tudo o que ela me ensinava ou falava, hoje claro, filtrando um pouco nas peneiras do discernimento.
Para ilustrar, era raro eu contar a ela algum sonho que tenha tido durante o sono e não ter respostas imediatas, fruto dessa sua aguçada análise pessoal.
Quando eu sonhei com cobras, por exemplo, vindo em minha direção ou em meu entorno, pedi a ela que me ajudasse a entender, pois eram muito reais e coloridas.  Ela me falou para prestar bem a atenção sobre pessoa próxima que estaria mentindo pra mim.  Não uma mentira, contada ao léu, mas uma mentira constante, por isso está no gerúndio.  Não sei se é algo a dizer a uma criança, mas pelo menos naquele episódio, vivi meu colega de escola causando um entrevero grave entre mim e meu melhor amigo do colégio.  Coisinha pequena, mas proporcional a minha pouca idade. Uma decepção que culminou numa grande perda.
Daí pra adiante, toda vez que sonhava com cobras, enroladas, perto, infestando o ambiente onde eu estava, passava a trilhar um caminho de buscar qualquer coisa que remetesse a alguém me traindo ou mentindo pra mim.
Não duvido, se alguém da área da psicologia me disser, que ao me abrir para aquela visão particular, com certeza encontraria o que estava procurando, pois afinal vivemos o tempo todo entre coisas do tipo que só percebemos quando lhe damos atenção ou foco.
Tipo quando compramos um Jeep e ao passear pelas ruas, a marca que pouco conhecíamos ou não víamos antes, agora está por toda parte, inclusive dirigida por quem não nutrimos simpatias.
Com ou sem essa teoria do foco, o meu sentimento com relação aos sonhos ofídicos, permanece.
Sigo nessa de procurar e encontrar mentiras e traições sempre que sonho com cobras.  Acho até que passou a ser natural pra mim.  E olha que, de tempos em tempos, vem uma coral, jararaca ou naja frequentar minhas noites sem qualquer convite.  Até acostumei.  Tanto que resolvi usar a cobra como meu "amuleto" de boa sorte.
Em 1988, quando ainda não sabia nada sobre blog ou redes sociais, criei um jornalzinho impresso, como atividade paralela, chamado Lítera, cujo "l" era uma serpente.  Era a força da verdade que, como uma cobra, mataria a mentira, a ilusão e a ignorância.  A experiência durou pouco, pois sem ganhar o suficiente para mante-lo e querendo que o informativo fosse gratuito, não passou da segunda edição. Talvez eu tenha um ou dois exemplares de cada edição guardados em casa.
Bom, mas voltando a mentira, não foram poucas as vezes que os sonhos me abriram os olhos e acabei enxergando melhor.
Sabe de uma coisa?  Todo ser humano normal carrega uma ou outra mentira mais séria.  Aquele segredo que não conta a ninguém.  Ao mesmo tempo, conserva um baú com grande quantidade de pequenas e inocentes mentirinhas.  Algo como responder a mulher que já está chegando em casa, quando nem saiu do escritório e coisas do tipo.
Dá pra perdoar.  Mas por trás dessa mania aparentemente inofensiva, há um peso enorme sobre o nosso caráter.
Lembra?  Caráter é aquilo que aprendemos na fábula do Sapo e o Escorpião.
O fato é que a sinceridade nunca foi remunerada com muito afeto ou carinho.  Talvez por isso tanta gente opte por esconder o que pensa ou sente, ao invés de declarar aberta e sinceramente.
Só que é impagável a serenidade de quem deita sua cabeça sobre o travesseiro sem qualquer preocupação em ser desmascarado, ainda que em miúdas verdades descobertas por descuidos.
Não há dúvidas então e isso me faz crer que é melhor levar constantes ferroadas de amigos "super sinceros" do que o afago traiçoeiro de quem só diz o que soa bem aos ouvidos da gente.  Afinal, não é esse um outro formato de corrupção?
Comprar afeição por dinheiro ou palavras reconfortantes que não condizem à verdade é tão sujo quanto trocar favores nos balcões de uma repartição pública.
Mais escolado pelos meus quase 51 anos bem vividos, ainda sonho com cobras.  E ainda "dou minhas buscas" como um feroz Poirot.  E se pego uma linha, descubro o novelo.  E sou implacável.
No mundo dos negócios ou na política, estar cercado pela mentira é tradicional, mas não aceitável.
Qualquer postura é mais honrosa sob a luz do sol.  A boa política, a verdadeira concorrência e as transações diversas deveriam ser sempre às claras.
Fico "roxo" de me imaginar sendo manipulado por pequenas mentiras. De ter alguém do meu dia a dia ocultando alguma coisa de mim.
E assim como não suporto cercear nos outros a liberdade, seja ela qual for, jamais perdoo quem possa querer tirar a minha. E não há liberdade se nos constroem um labirinto a percorrer com buracos e falsas saídas.
Uma vez descoberta a fraude, tornam-se lícitas algumas medidas mais drásticas para colocar as coisas no seu devido lugar. Amputar o membro necrosado. Afinal é preciso proteger o todo em detrimento da parte.
Um bom gestor, seja de sua vida ou de seu negócio, não pode se descuidar disso. Jamais.
Na política então, o anúncio de uma mentira descoberta já derrubou reinos, repúblicas e sonhos acalentados.
Em tempos que "fake news" ganham eleições, tomam conta dos meios de comunicação oficiais e livres, cultivar apreço pela verdade é quase declarar-se louco.
Salve então os loucos.
Se o pai da mentira é o diabo, sua filha tem proliferado visivelmente, sem no entanto deixar de ser sub reptícia. E assim voltamos às cobras.

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