domingo, 7 de dezembro de 2014

Saindo do Fundo do Poço

Uma das coisas que mais me trouxe orgulho foi a publicação, pela Editora Paulinas, de meu modesto trabalho "Saindo do Fundo do Poço", em meados de 1999.
Como eu costumo chamar, um bate-papo sobre o mau humor, o desânimo e quem sabe, sobre a preguiça.
Ao longo da minha vida, tive uns episódios que nunca soube muito bem explicar.
Com o passar do tempo, algumas reportagens e conversas, acabaram por me mostrar que aquilo era mais normal do que eu pensava.  Tratavam-se de pequenos sintomas de "depressão".
Hoje muito em voga, o termo em minha adolescência era ainda meio desconhecido e para os pais de todo mundo, recebia o nome de "frescurite".
Frescurite era o medo de ficar sozinho, mas também o fato de se sentir sozinho no meio de muita gente.  Era o desânimo em fazer as coisas, mas a vontade de ve-las feitas. Eu mesmo pensei e não foram poucas vezes... "Devo estar com poucos problemas, então os crio".
Mas era também tristeza sem motivos e medo de tudo sem motivos.  Horror descontrolado e falta de confiança em si mesmo.  Achar que, em qualquer momento, aqueles a quem mais amamos não estarão mais por perto e inclusive pensar que a própria vida está por um fio, sem que estejamos doentes, sem nada.
Não era só eu.  Diversos amigos se confessaram com o problema.  Uma querida amiga, aos 16 anos, talvez por isso, se suicidou de forma inacreditável (era muito sorridente, simpática e rodeada de amigos).  Fomos todos jogados frente ao espelho.  Precisavámos falar a respeito e com gente que sabia do que se tratava.
Os anos 80, não eram ainda muito abertos para papos descontraídos com os pais.  Muitos não falavam com os seus sobre sentimentos e coisas assim.  E embora meus pais sempre foram muito carinhosos e presentes, conversar com os amigos parecia ser mais prático.
Enquanto eu ficava nessa, minha mãe tinha altos ataques de depressão, coisa que só depois vim saber. E também meu irmão mais novo, que enfrentava em silêncio.  Tudo teria ficado tão mais simples se tivéssemos falado sobre.
No meu caso, no entanto, precisou que a coisa começasse a ficar feia pro meu lado, para que eu fosse realmente atrás de alguma informação mais precisa.
Certa feita, dirigindo em uma avenida movimentada da cidade, detive-me no semáforo.  Tudo bem até então.  Mas quando o sinal abriu, descobri que não sabia mais dirigir. Na verdade estava em pânico. Não avancei e acabei causando um pequeno transtorno no trânsito.  Mas com um pouco de calma, consegui estacionar o carro até a calçada, descer em uma lanchonete, ligar para o meu pai (na época ainda não havia celular) e me acalmar para poder voltar para casa.
Na igreja, talvez, o episódio mais engraçado (se não fosse trágico).  Achei que, em meio ao culto, gritaria para todos que eu estava com o "demônio" no corpo.  Com medo de transparecer e sabendo que não devia realizar nem um movimento brusco, fui caminhando aos poucos e de costas, até sair do templo.  Ufa!
O medo irracional de achar que vou pular de prédios, pontes e qualquer outro precipício, me acompanha até hoje.  Quase sempre durmo longe de janelas nos hotéis e não muito tempo atrás, tive que ligar para minha mulher enquanto atravessava um viaduto a pé.
Sim, penso em todo instante naqueles que vou enterrar.  Penso também nos perigos que rondam minha casa, meus filhos e a mim próprio.  Penso também nas doenças agressivas e quase mensalmente tenho falta de ar, aumento inexplicado de pressão e a certeza de que "não vou passar daquela noite".
Mas tudo se acalma em seguida.
Por coisas como estas, vividas desde os meus 14 anos, fui prestando a atenção nas pessoas.  E quando falava com elas, via que tudo era muito igual.
"Quando vai anoitecendo, eu rezo para chegar visitas.  Odeio ficar em casa só com meus pais".  - dizia um amigo.
"Odeio estudar, odeio trabalhar, odeio ficar em casa, odeio ir ao cinema..." - destampava outra amiga.
Passamos então a fazer uma espécie de "círculo" e em breve, todo mundo chorava seus problemas... alguns de verdade e outros, apenas dramas sem sentido (estes sim, os deprimidos de verdade).
Fui juntando os cacos, pensamentos e de repente eu tinha uma pequena palestra para falar no grupo de jovens da Igreja, que evoluiu para outros cenários e que evoluiu para uma tentativa solo de fazer palestras.
De tanto revirar o assunto, consegui um folheto que fora distribuído no metrô de Nova York com a seguinte manchete em letras garrafais: "DEPRESSÃO MATA.  LIVRE-SE OU FALE SOBRE ELA".
Dali pra frente entendi que devia conhecer melhor esta "bandida".
Vendo minha mãe e meu irmão, além de outras pessoas conversarem nos domingos em família ou rodas de amigos, sobre seus sofrimentos, encontrei uma diferença entre eles e eu.
Por algum motivo, eu conseguia me recuperar no dia seguinte, em instantes ou de algum modo.  Com eles, os episódios pareciam durar semanas, meses, anos... (Para entender melhor vide observar entrevista recente do Padre Marcelo Rossi sobre o assunto que o deixou bastante debilitado).
Quem sabe, aquilo que eu fazia, pensava ou lia, eram as ações que me ajudavam a superar?
Comecei uma série de apontamentos que foi parar nas mãos de um grande amigo.  O padre e parapsicólogo Miguel Lucas (já falecido).  "Por que não faz um livro?  Tenho amigos na Paulinas e vou lhe dar o contato." - incentivou-me.
Tentei uma última palestra por conta própria em um hotel da cidade, ajudado por uma prima, que a organizou.  Não foi um "bum" de sucesso, mas alguém da Paulinas na cidade a ouviu e quando falei sobre a dica do padre, também me recomendou escrever.
Em pouco tempo, havia mandado um manuscrito que virou este pequeno livro.
A Paulinas o levou para a Feira de Livros de Frankfurt e hoje ele se encontra na sua 5a edição.   Não sei exatamente quantos foram vendidos e já perdi as contas dos tantos e-mails e cartas que recebi de leitores que se disseram ajudados.
Também recebi convites para palestras e mesmo para visitar pessoas.  Acompanhei alguns relatos bastante chocantes, para confessar.
Sei que não é nada de muito especial, não sou douto no assunto e nem especialista em psicologia ou comportamento humano.  Mas dentro de minha vaidade, não posso deixar de falar com orgulho que minhas palavras, acabaram por fazer algum efeito aqui ou ali.
O livro também acabou valendo algumas matérias de jornal local ou mesmo de outras cidades, onde fui palestrar e lançar o "Saindo do Fundo do Poço".  Em uma delas falei num ginásio de esportes lotado.  Minha mulher me acompanhou.
A reportagem que anexei a este texto, foi uma entrevista que concedi à Rede Vida de Televisão em 1999, logo após o lançamento.  Não estava muito preparado para ela, e não a tenho inteira.  Mas sei que me trouxe a felicidade de uma carta que, embora não tenha mais, não será esquecida.
Uma moça do Estado da Bahia, que logo após a entrevista, comprou o livro e me enviou algo como:  "Obrigada Carlos... Talvez a partir desta leitura, eu tenha condições de enfrentar por mais alguns meses a vida, da qual já desistira".  Ela contava de como estava perturbada e como pensava, diariamente em dar fim aos seus dias.
Durante um bom tempo aquela pessoa esteve em minhas orações.  Espero sinceramente que tenha superado.
Quanto a mim... Bem, ainda amarro as janelas quando fico em torres altas.  Ainda vou dormir, algumas noites, sem saber se vou acordar... Uma neurose... Mas minha vida tem sentido e todos os dias eu não deixo de declarar o quanto sou feliz.


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