terça-feira, 18 de novembro de 2008

Salário contra dividendos



Michel Husson
do Golias Hebdo

As liquidações de hoje são as bolhas de amanhã e a recessão de depois de amanhã. Caso se queira romper esta engrenagem infernal, não há mais que uma solução: fechar as torneiras que alimentam o setor financeiro. O principal é o retrocesso salarial. Ele está no fundamento da crise, como explica Michel Aglieta: A evolução do salário real e da produtividade foram desconectados, provocando uma modificação da repartição do lucro. Como manter, nessas condições, o crescimento nos países ricos? Faltou separar a despesa e a renda, estimulando o consumo pelo crédito”. Essa tendência de baixa dos salários foi reforçada pela mundialização, como sublinha Frédéric Lordon, em seu último livro¹: “também a concorrência “rasteira” entre países de padrões sociais e ambientais totalmente disparatados entranha ajustes salariais por baixo, cujos termos são agora muito bem conhecidos: intensificação do trabalho, planos sociais em série e, sobretudo, pressão constante sobre os salários”.

Essa análise é compartilhada hoje, inclusive, pelos organismos internacionais como o FMI, a OCDE ou a Comissão Européia². Raros são aqueles que contestam tal entendimento. Mas é o caso de um editorialista do Echos que ousa afirmar: “Não, os assalariados não são sacrificados!” É suficiente lançar um golpe de vista sobre o gráfico abaixo, para verificar o que acontece. Na França, a parte relativa aos salários está quase estabilizada, depois de vários anos, mas a um nível historicamente muito baixo, inferior àqueles dos anos 1960. O jornalista procura justificar esta situação invocando o nível de investimentos: “as empresas renovam suas máquinas mais freqüentemente que antes (...) elas têm mais capital a amortizar”. Este argumento é completamente equivocado. Eis a questão.


A realidade óbvia, entretanto, é diferente: a participação dos salários diminuiu e a dos lucros aumentou. Mas as empresas, nem por isso, passaram a investir. Comparando o período 2000-2006 aos dois decênios precedentes, um relatório da ONU mostra que num grande número de países, incluída a França, a taxa de investimento caiu, a despeito do aumento dos lucros no valor acrescentado.

A conclusão vem por si mesma. É preciso modificar o compartilhamento das riquezas: menos dividendos, mais salários e investimentos sociais. A margem de manobra é considerável, já que os dividendos gerados pelas sociedades não-financeiras representam, hoje, 12% de sua massa salarial, contra 4%, em 1982.

E será intolerável que, dentro do mês próximo, as empresas licenciem, alonguem a duração do trabalho e bloqueiem os salários, tudo isso, na medida em que continuariam a irrigar seus acionistas. Mesmo deixando de lado o benefício social de uma tal redistribuição, a economia, não se conduzirá pior. Isso não impedirá as empresas de investir. Sua sacrossanta competitividade não será abalada, porque a alta dos salários será compensada pela baixa dos dividendos. E as finanças serão, assim, descarregadas na direção da economia real.

Mas este é um esquema um pouco abstrato, porque implica uma redução drástica de privilégios da pequena esfera social que aproveitou bem o neoliberalismo. Os rentistas não se submeterão de bom grado à “eutanásia” que recomendava Keynes, no dia seguinte à crise de 29. A questão, no fundo, não é somente a repartição dos lucros, mas também a repartição do poder de decisão.

1 Frédéric Lordon, Jusqu’à quand ? Pour en finir avec les crises financières, Raisons d’agir 2008. Leitura imprescindível !
2: ver as referências em : http://tinyurl.com/parsal

Tradução do francês:
Nilson Dalledone, Prof. Dr.
São Paulo/São Paulo/Brasil
nielsennielsen@terra.com.br

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