O MPL cumpriu seu papel histórico... É hora da unidade da esquerda
Vimos nestes últimos dias a emergência do resultado de anos e séculos de opressão e de descaso dos dominadores para com as necessidades do povo. Aquilo que parecia ser um país pacífico e cordial, mostrou a verdadeira face: a força gigantesca de um povo que só estava quieto porque era mantido sob os grilhões do
pão, circo e tropa de choque.
Mas toda anestesia e todo estado letárgico de repente parecem ter cessado. O gigante despertou... como dizem as massas nas ruas.
Isso ocorreu como a água que se derrama do copo quando embaixo de uma goteira, e ocorreu como o rompimento de uma barragem: um processo que leva anos para saturar. Mas saturou! Transbordou! E isso ocorreu quando, motivados pelo espancamento dos manifestantes em SP e a luta pela diminuição das tarifas do transporte, apareceram em cena. Desde o surgimento da Internet, a massa anestesiada pelo circo ficou potencialmente menos refém das grandes mídias e esse é um caminho sem volta. Assim, a mentira não pode mais ser repetida mil vezes até se tornar verdade, pois a internet apresenta fontes alternativas da realidade. O que as lentes profissionais escondiam, as novas lentes de cada indivíduo nas ruas agora mostram. O controle que o Grande Irmão almejava se torna quase impraticável. E assim, de compartilhamento em compartilhamento, os homens e mulheres deste país tiveram acesso ao real, sem simulacros. E vendo que é possível sonhar sem estar dormindo, resolveram sair da frente dos monitores e ganhar as ruas, apoiando um movimento legítimo, construído ao longo de 8 anos, chamado Movimento Passe Livre (MPL). O movimento cresceu dia a dia e angariou novas pautas reivindicatórias. As contradições se explicitaram, como a gritante incoerência de se gastar bilhões para estádios de futebol num país de fome e não ter leitos hospitalares e nem aparelhos para exames de urgência. As pessoas começaram a enxergar a sua realidade pelas lentes da contradição... E a COPA que era um fetiche dos brasileiros apareceu como o que verdadeiramente é: um megaevento puramente mercadológico no qual setores do capital se aproveitam para sugar o que resta dos salários dos fanáticos torcedores. E os jogadores nada mais que mercenários da indústria de entretenimento vulgar. É que quando a vida é lamentável, a criatura oprimida quer um suspiro, mesmo que ilusório, seja este suspiro uma Copa, uma novela ou uma crença.
Mas o suspiro apareceu como engodo e o vale de lágrimas se revelou por completo. E assim, a acomodada classe-média e alguns trabalhadores despertaram para receber a
verdadeira seiva das ruas. Saímos todos gritando contra um mar de calamidade e injustiças. E todos parecíamos uma só nação. E todos praticamos o sacro direito da desobediência civil.
No entanto, somente os ingênuos não se aperceberam que há algo abaixo e além da política que nos separa. Logo o movimento apareceu na sua riqueza e na sua multiplicidade. E o que relativamente é majestoso, como o caso da diversidade, logo mostra sua outra face. Há dois tipos de diversidade: aquelas que são complementares e aquelas que são excludentes. E logo ambas apareceram: De um lado meninos e meninas comportados e de outro aquilo que a mídia insistia em chamar de "vândalos". E logo o movimento incorporou este jargão forjado pela grande mídia para criticar aquela diversidade que via no movimento ativo uma tática mais radical para apressar a transformação. E se não cabe justificar, cabe ao menos compreender: ou eram PMs infiltrados ou parte da população que deu vazão à revolta guardada por anos de uma vida capitalista superficial e sem sentido.
Mas apareceu também uma nova diversidade excludente: entre aqueles que se organizam por partidos revolucionários e os que se dizem apartidários. E como é uma diversidade que a mídia diz ser excludente, de convivência diversa, passamos a vivenciar uma hostilidade. Grupos de partidos revolucionários, quase seculares, e que já lutaram contra duas ditaduras truculentas e assassinas, como é o caso do PCB e de outro partido que durante quase duas décadas também luta com heroísmo junto à população neste país, caso do PSTU, acabaram alvos de ofensivas mais violentas.
A manifestação pacífica parecia agora mais violenta. E a violência era também interna. A hostilidade contra as bandeiras de partidos ganhou força ainda mais com a presença cínica de militantes cujos partidos (PT e PCdoB) governam esta nação (em tese). É fácil entender a ira do povo contra suas instâncias representativas quando estas traíram e traem sua base. Se com a eleição de Lula, a
esperança venceu o medo... após 10 anos de governo PT, podemos finalmente dizer que a traição venceu a esperança. E com isso, a generalização burra e simplista ganhou força nas ruas, num coro de "fora partido".
Mas se a manifestação apartidária é justa e se o sentimento antipartidário é compreensível em tal conjuntura histórica, fazer uma tabula rasa entre os partidos burgueses que sempre estiveram no poder e os partidos revolucionários que sempre estiveram nas ruas, é injustiça e desconhecimento histórico das suas lutas junto ao povo. Mas agora era tarde e o cheiro de golpe começa a aparecer. De uma manifestação linda e livre, exigindo reivindicações progressistas, passamos a ver e ouvir um ruído de fundo que não tem muita tradição nas ruas. A classe-média trouxe junto de si para as ruas aquilo que
parte das massas tem de pior: ingenuidade política, obscurantismo e ranço nacionalista. E de um ruído de fundo, passamos a ouvir ecos mais fortes na multidão. É que a extrema-direita, por pequena e insignificante que seja, é boa nadadora e nada velozmente no mar da ignorância das massas. Ela as utiliza e as manobra com seu discurso asséptico e ufanista, apelando para o lado mais irracional dos homens e mulheres. E para os ouvidos treinados, o eco soou o alerta: reprimir partidos de esquerda e gritar pelo nacionalismo é uma receita muito conhecida das ditaduras ocorridas aqui e do Nazi-fascismo! Junto a eles, os partidos de direita, que sabem que não precisam estar nas ruas com suas bandeiras para manobrar e utilizar os movimentos, numa clara demonstração de oportunismo camuflado, já incitava nos bastidores um "fora Dilma"...
O governo Dilma e o governo Lula não passaram ou não passam de um governo que traiu a classe trabalhadora. Não porque mudaram de lado, pois nunca foram revolucionários e nunca foram necessariamente contra a origem destes nossos males, que é o capitalismo. Mas traíram a esperança que o povo ingênuo depositava neles. Todavia, não se conserta o mal criando mal maior. E assim, "cortar a cabeça" de Dilma é tudo o que a direita e os abutres reacionários querem. E é o que não iremos dar de bandeja. Este governo podre deve cair, mas junto com o sistema que é o verdadeiro causador da corrupção do homem e da vida: o capitalismo!
O Movimento Passe Livre, que não é tão ingênuo assim, percebeu a armadilha que as dimensões colocaram aos protestos e por isso se retiraram. Por certo, viram este filme acontecer na Venezuela recentemente, quando a direita convocou a classe-média e a pequena burguesia para as ruas contra Chavez. A tentativa reiterada de golpe era clara. Com a ação da CIA na Venezuela, no golpe contra o presidente paraguaio, Lugo, e o histórico de intervenção estadunidense na América Latina (vide a operação Condor que instaurou as ditaduras aqui e nos países vizinhos), o quadro se tornou nítido e a manobra da direita nas ruas manifestou-se evidente.
Assim, a dimensão assustadora dos protestos, a perda de controle e o cheiro de golpe de direita fizeram nossos jovens heroicos vacilarem. Em parte por consciência e em parte pelo despreparo, adotaram a medida mais irresponsável (embora compreensível), que foi tirar o time de campo. Mas esta atitude tomada pelo MPL nesta altura só agrava a situação, entregando o movimento nos braços da burguesia reacionária e a ultra-direita fascista. E por isso é irresponsável. Talvez pagam agora o preço da ingenuidade de crer que a neutralidade de um movimento é garantida pela refração a partidos políticos, quando na verdade é justamente o contrário. Os partidos têm acúmulos de experiência de anos de
história e é justamente este acúmulo que garante a estas organizações o preparo suficiente para estes momentos convulsivos da sociedade. Por isso é compreensível que os militantes, que não esperavam pelas dimensões nem pelas direções que o movimento tomou, afastem-se para respirar. Mas ser compreensivo não quer dizer que seja a atitude mais coerente e responsável para o momento.
Assim, é hora de convocar o MPL para juntar-se novamente às fileiras desta demonstração maravilhosa da força das massas nas ruas. Os protestos não podem parar agora. Mas também não estarão sozinhos. É hora de entrar em cena outros movimentos com acúmulo de experiências para ancorar e garantir a vertente progressista dos protestos. É hora da classe trabalhadora também ser convocada para juntarmos uma pauta ainda maior, pois quando a classe trabalhadora para, o Brasil para! As organizações de esquerda, juntamente com os trabalhadores do campo e da cidade, devem reconduzir os protestos para o caminho da transformação, da tolerância e da democracia radical.
Estudantes e trabalhadores, devemos nos unir novamente, porque ante esta união o poder treme! Esta união cria a maior força social que um país pode conhecer. Ante ela nenhum sistema, por mais desigual e injusto que seja, permanece inalterado.
Para as ruas todos!