quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

"E como as andorinhas, eu vim fazer meu ninho..."

 

Vítima de um calor mais agressivo que de costume, ao final dessa tarde, deitei-me em uma cadeira de descanso no quintal a fitar o céu, suplicante por uma nuvem que prometesse chuva ou o que o valha.
De repente, uma a uma, comecei a perceber a formação de um pequeno bando de andorinhas a sobrevoar meu "espaço aéreo".
Um sentimento de alegria bem grande tomou conta de mim, pois suscitou-me a esperança de que algo do passado iria se repetir.  Mas não.  Terminei frustrado, pois logo se foram e não passaram disso.  Um pequeno bando.
Muita gente, sobretudo nascida a partir de 1989, pode não saber, mas a cidade que hoje tem a capivara como mascote, já foi conhecida como lar adotivo de andorinhas azuis vindas do Canadá.
Isso mesmo.  Ano após ano elas saíam de sua terra natal em busca do calor de nossa região e encontravam nas duas praças principais de São José do Rio Preto, lugar para pousarem e dormir por seguidas noites durante praticamente quatro meses ou mais.
Ao final do entardecer, milhares ou milhões, nem sou capaz de precisar, vinham fazendo acrobacias incríveis pelo céu numa dança que durava quase meia hora, até descerem em grupos distintos nas árvores e por lá pernoitarem.


Ao amanhecer simplesmente partiam para as lavouras locais afim de caçar insetos, deixando pra trás a causa de seu desaparecimento.
Suas fezes fétidas, pintavam de branco toda a paisagem.  Era então necessário que a prefeitura providenciasse a lavagem das praças e calçadas do centro da cidade, o que fazia todas as manhãs. Claro, telhados e sacadas dos prédios, marquises de lojas e carros estacionados, se mantinham tingidos por mais tempo ficando sua limpeza aos encargos dos próprios proprietários.
Mas nem isso tornava menor a beleza ou o privilégio de tê-las adornando os céus do final do verão e do outono.  
Quando findava esse tempo, assim como chegavam, partiam para só voltarem no ano seguinte. E voltavam.
A população da cidade vivia dividida.  Os adoradores da natureza defendiam sua permanência.  Estudiosos de várias partes, pra cá chegavam afim de estudá-las. Turistas e até mesmo imprensa do Brasil todo, faziam fotos e escreviam sobre elas. Contudo, outra parte, sobretudo a de moradores da área central e comerciantes, insistiam por providências que pusessem fim a essas visitas.
Tanto fizeram esses que as árvores foram envenenadas, iluminadas, latões de óleo colocados sob elas, tudo para matar, expulsar e coibir seu retorno.
Por fim, nunca mais. O ódio venceu o amor.  O "comércio" venceu a beleza.  
Já sei que muitos não concordam comigo.  Afinal, vão dizer, não era eu quem tinha que sentir o cheiro.  Só pra salientar, minha mãe tinha uma loja de roupas femininas no centro da cidade.  Minha avó morava no prédio ao lado da Catedral.  Eu mesmo, muitas vezes, peguei o carro chamuscado, pra não dizer outra coisa.  Mas valia à pena.


Se fosse possível, e houvesse à época celulares como hoje, tenho certeza que muitos teriam feito vídeos aos borbotões.  Era barulhento, espantoso e sobretudo lindo.
Infelizmente não tenho nenhum filme para postar aqui.  Seguem então imagens tímidas e estáticas que não vão ilustrar, nem de perto, o que eram esses espetáculos.
Só espero que elas nos perdoem e quem sabe um dia voltem.  Podiam mesmo vir pra cá, na minha chácara.  Tenho poucas árvores, mas estão ao dispor delas ou de qualquer ave que queira descansar.


domingo, 23 de janeiro de 2022

Uma brisa suave (mas devastadora) em nossa história


Se me fosse possível voltar no tempo, eu faria algumas coisas bem inusitadas. Dentre as várias, pois seriam muitas, uma delas seria buscar conhecer pessoalmente, conversar e registrar esse encontro maravilhoso com um dos ícones políticos mais importantes da história do Brasil. 

No último dia 22 de janeiro, se vivo fosse, Leonel de Moura Brizola, completaria seus 100 anos de vida.

Após ter seu partido de origem (PTB) sequestrado e convertido em outra coisa ele funda o PDT que até hoje é um dos mais relevantes na luta pelo socialismo em nosso país. Claro, como todas as demais legendas, o PDT é cheio de contradições e gente que não devia estar ali. 

Tive o privilégio de ouvir Brizola pessoalmente sobre um caminhão há alguns metros de distância quando visitei um assentamento do MST no Pontal do Paranapanema no início dos anos 90s. Seu discurso sempre vibrante mexeu muito comigo. Mais adiante, na Marcha dos 100 mil em Brasília, voltei a ouvi-lo, dessa vez de longe. Mas nunca tive a sorte de encontrá-lo para uma conversa ou foto. O que eu diria? Bem, talvez eu falasse que diante da avassaladora lógica de cronos, ele partiria antes de mim, e se fosse para viver num país sem ele, que eu aprendesse dele tudo o que pudesse antes disso. 

Sim, esse grande líder carece de alguém que o tenha por mestre. Que siga sua coragem e determinação em prol de algumas lutas concretas, eficientes e eficazes pelo povo que tanto amou. 

Há um episódio, não me lembro bem, em que a então senadora Heloísa Helena ao visitá-lo em seu apartamento, o encontra olhando pela janela com os olhos marejados. Ele tinha mais de 80 anos e naquele momento revelou a ela seu temor: "Vai ter alguém pra cuidar da nossa gente, não vai?" 

Cuidar dos mais pobres, das crianças principalmente, era sua obsessão. 

Brizola lutou incansavelmente e sem medo nos momentos mais cruéis em que a ditadura o forçou a partir daqui. Depois da anistia, em sua volta, lutou contra a força da mídia, em especial da Rede Globo, que o perseguiu sem piedade ou descanso. 

Mesmo assim foi aclamado e amado pelos que abraçou. Foi o único político daqui que conseguiu a façanha de ser eleito governador por dois estados diferentes: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. 

Seus discursos e combates disponíveis no Youtube são apaixonantes. Recomendo. Com jeito de falar, um tanto diferente, mas grave sempre. 

Faz falta. Muita falta. Que Deus possa suscitar entre os nossos jovens, mais espíritos como o dele, pelo nosso bem e pela nossa vitória contra o mal.

#Brizola  #Política  #PDT  #Trabalhismo  #Democracia

sábado, 15 de janeiro de 2022

O amigo Padre Miguel Lucas

De repente a internet começa a falar de Baba Vanga com insistência.  Claro, início de ano é até normal que essas coisas reapareçam.  Baba Vanga é uma famosa vidente, já falecida, que fez algumas previsões bastante assertivas ao longo de sua vida e que tem, para 2022, algumas outras já afirmadas.

De vídeos falando sobre isso, migrei automaticamente para os vários e divertidos vídeos do padre Oscar Quevedo, também falecido recentemente e cujo prazer era desmistificar adivinhos e outros sensitivos.

O fato é que tudo isso me lembrou sobre temas que eu gostava muito.  Paranormalidade e fenômenos da mente que foram assuntos os quais fui obrigado a descobrir ainda muito jovem.  

Em 1980, por ocasião da visita de um padre ao colégio onde eu estudava, fui introduzido a um mundo totalmente novo e que claro, não fez nada bem para minha cabecinha de criança.  Eu tinha somente 12 anos de idade quando conheci o Padre Miguel Lucas Peña que se tornou um grande amigo meu, pois já era, de certa forma, conhecido da minha família. Havia sido pároco, nos anos 60s, em Nova Granada onde meus pais se conheceram.

Padre Miguel era parapsicólogo.  Após visitar minha sala de aula para fazer o convite para uma palestra sua, realizou um pequeno exercício que todos nós, alunos, fizemos.  Por algum motivo, ao final, ele veio até minha mesa e entregando um convite pediu que eu viesse a noite na palestra com meus pais.

Até aí, nada de espantoso.  Estivemos lá a noite.  Gostei do que vi embora sem entender muito.  Minha mãe e uma amiga preciosa, depois de assistirem a palestra fizeram sua inscrição para o que seria um curso de uma semana.  

Na tarde seguinte, sem que eu me lembre de que modo isso se deu, eu estava com minha mãe e essa amiga na diretoria da escola para uma reunião com esse padre.

Primeiro entraram minha mãe e sua amiga.  Conversaram com ele algum tempo.  Depois me introduziram na sala. 

O padre e elas continuaram conversando, agora sobre mim.  Ele perguntava para minha mãe se eu me impressionava facilmente com as coisas.  Se estudava muito ou se simplesmente fazia as provas.  E finalmente pegou um pêndulo e colocando-o sobre a palma de minha mão, fazia perguntas e diante de minhas respostas o pêndulo oscilava ora no sentido anti-horário, ora no sentido do relógio.

Terminado isso, uma professora minha (de português) bateu na porta para entrar.  O padre a recebeu e a convidou para se juntar a nós.  Pediu que eu segurasse os pulsos da mulher e me concentrasse.  Depois que eu respirasse fundo e tentasse ver algo como que a adivinhar o que ela pensava.

Sinceramente eu não me lembro em detalhes agora.  Mas descrevi uma cena que ela teria vivido horas antes (ou visitando seu pai no hospital, ou no seu leito de morte).  Diante de meu relato, que não sei se foi perfeito, ela chorou dizendo que eu estava certo e o padre, satisfeito, pediu a minha mãe que me levasse no curso por cortesia.

Jamais adivinhei qualquer outra coisa na vida. Nem numero de rifas. Bem, minha mãe atendeu.  Naquela noite, o padre me chamou no palco para aplicar radiestesia em voluntários que se apresentavam com dores e mal estar. E dali pra adiante, muita coisa mudou pra mim.  Pelo menos na minha cabeça. Por isso disse que não me fez muito bem.  Me achei uma espécie de Uri Geller ou o que o valha.  E claro, isso não é bom aos 12 anos. Por exemplo, já no dia seguinte, em plena aula de história, o professor perguntou bem alto quem era o aluno que tinha lido os pensamentos da professora de Português. Não movi uma célula, mas pensei mil coisas. Dentre elas: "Ual, posso ler pensamentos". Tá bom. 

Alguns meses depois, enquanto eu brincava na frente de casa, um taxi parou à minha porta.  Era o Padre Lucas, com quem eu trocava correspondência (que era costume na época entre quem morava longe).  Ele viera para falar com meus pais.  Assim que eles chegaram, ele fez um pedido que se feito a mim, sobre meus filhos, eu não autorizaria. Meus pais, talvez relutantes, aceitaram. Ele queria autorização deles para eu fazer uma viagem com ele e apresentar seu curso em algumas cidades, dentre elas Belo Horizonte.

Claro que eu adorei.  E claro que eu fui.  Primeiro viajei para São Paulo sozinho de Cometa aos 12 anos de idade. Uma baita aventura.  Depois fiz o primeiro voo em um avião da Vasp para a capital mineira onde o papa João Paulo II estava em visita. Eu não fui ver o papa, embora eu quisesse.  Mas ele foi com alguns outros padres e trouxe um autógrafo de Sua Santidade que tenho até hoje entre meus guardados.

Em casa, eu mal dormia no meu quarto que era ao lado de meus pais.  Em São Paulo e depois em Belo Horizonte, dormi sozinho em andares isolados no Colégio Santo Agostinho (de ambas as cidades).  Até hoje me espanta ter tido coragem.

O fato é que participei dos cursos e dos atendimentos do parapsicólogo.  E pra mim, naquele momento, estava decidido.  Vou me envolver muito com isso daqui pra adiante.  Acreditava.

No entanto, penso que meus pais finalmente entenderam que a idade era pouca e que aquilo tudo poderia prejudicar meu desenvolvimento normal.  Que talvez não me faria tão bem.  E apareceram, um dia, no Colégio Santo Agostinho, em São Paulo, para me buscar.  

Participei de mais alguns cursos no futuro com o Padre Lucas.  O ajudei em atendimentos onde realizava sessões de regressão de idade, hipnose e cura.  Ajudei na organização de alguns eventos e até ganhei dedicatória em um de seus livros.  Mas como não tinha mais autorização dos pais, não "segui carreira".

Muito mais tarde, quando colaborava para a Rede Vida de Televisão em seu início, falei com uma produtora e conseguimos levar o Padre Lucas para uma entrevista.  Aquela foi a última vez que o vi.  Uma noite antes, assim que chegou na cidade, fui visitá-lo com minha namorada e apresentá-la a ele.  Ele estava tão ansioso naquela noite que não conseguiu fazer a regressão nela.  Falava muito.  Estava feliz.

Quadro da Santa Ceia - Miguel Lucas

Ao longo dos anos em que convivemos assisti missas celebradas por ele.  Me encantei com suas obras de arte.  Era um excelente pintor.  Li seus livros, assisti a seus verdadeiros espetáculos.  Acreditei piamente no seu trabalho.

Por inspiração sua escrevi meu livro Saindo do Fundo do Poço pela Edições Paulinas onde ele tinha algumas obras.  Ele me ensinou a lidar com o "medo da noite" e outros traumas terríveis.

O carinho é grande até hoje e oro por ele.  Uma grande figura que me deixou muitas saudades. Só lamento estarmos meio afastados quando de sua partida.  

Uma de suas afirmações fortes, quando ia iniciar uma hipnose, virou bordão nas brincadeiras entre mim e meu irmão até hoje.  

"Tem imã aqui, tem imã aqui e tem imã aqui. Quando contar três vai cair SEM QUERER nas minhas mãos."

# Parapsicologia  #Paranormalidade  #Mente  #Hipnose  #Regressão de Idade



domingo, 9 de janeiro de 2022

Autocrítica

Se o objetivo desse blog é promover autocrítica, então que eu dê o exemplo.

Mas por que pública?  Uma autocrítica não devia ser velada?  Fruto de um profundo estado de introspecção e autoanálise?

Sim, mas sou vaidoso.  E mais, quando escrevo supondo que alguém irá ler, me atento aos detalhes e não deixo escapar nada. Mas essa é só a desculpa.  O que fica valendo é a vaidade.

Pode ser que somente eu leia mesmo, pois nem a tudo o que posto nesse blog, dou "publicidade".  Deixo aqui para os curiosos que continuamente buscam novidades por aí.  Quem sabe acabam esbarrando em algum tema que observei.

Mas claro... o exercício é de pura vaidade. Meu maior defeito. Se é uma autocrítica, que seja no mínimo sincera.

Desejei fazê-la especial hoje, porque estou bastante tocado.  Mais uma vez fui insensível, beirando a crueldade. E ao invés de mergulhar no remorso, prefiro desabafar.  Gritar dos telhados seria o ideal.  Por isso, talvez, aqui.

É muito fácil falar, quando o problema não está diretamente ligado a nós.  Então julgar, exigir comportamentos ou atitudes "nobres", parece ser o certo, mas não é se não temos condições de uma empatia total com o outro envolvido. E essa é a tônica do que me aconteceu hoje. Julguei, critiquei e ajudar nada.

Em meu favor, só que não devia justificar, tenho vivido no limite de minhas forças e sou testado diariamente por uma série de ocorrências e mais ainda pelas situações esperadas que não ocorrem.  E isso vai me deixando amargo, ranzinza e o pior de tudo, sem paciência. Seria bom ir anotando.  Essa lista de falhas no meu caráter é enorme.

É justamente sob pressão que aflora o verdadeiro eu.  Aquele que escondo de todo mundo e que somente eu conheço, até que dê vazão ao excesso. E isso acontece pelo represamento das tensões do dia a dia provocados pela falta de "verdade" nas relações.

Um amigo que quase me conhece o bastante já dizia: "Pare de guardar as coisas que lhe aborrecem.  Melhor falar diretamente e em gotas, do que despejar baldes de maldade pelas costas ou sobre a pessoa quando então se cansa dela." Eu até tento, na esperança de ter alcançado essa grandeza.  No entanto, ser sincero demais, me parece algo rude. Deve ser falta de prática.

Ele não dizia isso para me criticar, mas por ter sido, ele mesmo, testemunha das muitas vezes nas quais agi de maneira destrutiva e irrecuperável. Injusta seria a melhor definição.

Eu acumulava pequenos dissabores, pequenas decepções e muitas vezes me vi passando por cima de minha vontade e até de posições que tinha como indiscutíveis.  Abria mão delas até que então chegava o momento de explodir.  E esse momento era sempre numa bobeira, uma "bodega" tão insignificante que fazia minha explosão parecer insana, ilógica e extremamente injustificada. Tudo para não desagradar alguém até chegar ao ponto de perdê-lo, para sempre. Moral da história, virou crônico.

Dá pra imaginar quantos desafetos acumulei ao longo da minha vida até aqui? Alguém que sempre se preocupou tanto em não magoar ou contrariar pessoas, tem gigantesca coleção de inimigos e muitos que eu nem sonho que o sejam.  E o pior, continuo igual por mais que tente ou prometa melhorar. Ainda sou incapaz de dizer não, se não quero.  Quando saio em turma, jamais peço o recheio da pizza.  Sempre deixo isso aos demais comensais.  Acabo por voltar triste, frustrado ou mesmo raivoso de um passeio que tinha tudo para ser agradável.  Mas como se fui o responsável?  Que demagogia é essa que me impede de ser franco? Se o fosse, ninguém se importaria. Afinal, todos são.

Estou buscando me "vacinar" desse e de outros tantos defeitos já que consigo ver os principais fatores que os detonam.  Trabalhando já na sua origem, talvez eu evite o pior lá na frente.

Mas não, não é fácil.  E pra piorar, tudo parece ter se juntado agora.  De uma só vez, problemas de saúde minha e de pessoas queridas, se misturam aos muitos problemas financeiros que se abateram nos últimos dois anos. Sem falar no divórcio, já superado, mas que trouxe mudanças radicais.  Por fim, o cenário mundial com a pandemia e o nacional com um governo desastroso que ainda ontem suspendeu o mínimo de ajuda que prometia dar aos micro empresários.

Doses cavalares de situações desconfortáveis, num curto espaço de tempo que dimensiono em 26 fatídicos meses.

Religioso, militante político, empresário com constante sentimento de culpa por ganhar dinheiro, negligente com os amigos, centralizador, controlador, arrogante por vezes, dá pra imaginar a pressão que estou me impondo ao tentar melhorar e me livrar de tudo isso?

Ao começar de um novo ano, sempre faço o que todo mundo faz.  Anoto e pondero mudanças de comportamento que não acontecerão.  E daqui a uma década, visitarei as anotações para ver como nada mudou. 

Oras, então se tenho essa visão tão clara, algo precisa ser feito para cortar esse ciclo vicioso.

Três meses antes do fim do ano, comecei um novo estágio.  Meditação diária, leitura obrigatória, pensamento contundente recusando os ruins e fortalecendo os que são bons e agradáveis. No trabalho, mais disciplina e metas firmes, perseguidas à exaustão. Em casa, tentando não ser autoritário, controlador e possessivo.

Mudei completamente minha forma de orar. Creio em Deus.  Na verdade vou plagiar Jung.  "Não preciso crer em Deus, sei que ele existe". Sou ou não arrogante?  Pois é.  E como creio e creio muito, não me acho digno de pedir nada.  Por isso não oro mais pedindo nada. Nem pra mim e nem para os outros. Um avanço.

Meu pai está com câncer.  Minha mãe abatida.  Eu poderia pedir bençãos de saúde e longevidade para eles.  Mas prefiro agradecer a cada dia por tê-los ainda junto a mim, enquanto tantos amigos não tem os seus. Meus pais estão acima da média de vida dos brasileiros.  Apesar do que estão passando, moram bem, comem bem, se dão super bem, tem carro e estão num paraíso.  Possuem plano de saúde e aposentadoria que embora medíocre, lhes dá dignidade. Meu irmão, cuida deles e também eu.  Meus filhos, os amam e lhes dão carinho.  Moramos perto, inclusive. É por isso que agradeço tanto.

Também poderia orar para que meus filhos tivessem os caminhos abertos.  Proteção nas suas andanças.  Mas prefiro agradecer por terem nascido no meu lar, onde com certeza ouviram bons conselhos, diretrizes que os protegerão mesmo quando eu não estiver aqui para orar por eles.  Podem ainda juntar à sua genética, o gênio próprio e a personalidade que seu caráter nato lhes deu. Também agradeço por que estão bem e tem um futuro lindo pela frente, no que talvez seja a melhor fase da vida na Terra. São os três extremamente unidos. Gozam de tanto amor à sua volta, que ficam até sufocados.  Que mais posso querer para eles? 

Poderia pedir soluções para os meus problemas financeiros que são muitos.  Mas prefiro agradecer porque com mais essa queda, aprendi mais maneiras de não errar de novo.  Recomeçar e criar do zero, sempre foi estimulante para mim.  É cansativo, exige muito e não sei se tenho toda aquela disposição de antes, mas munido das experiências que me trouxeram até aqui, o desafio parece ficar ainda mais lindo.  Agradeço então por cada dia em que dou um passo adiante na solução dos problemas que ficaram e na nova picada que desejo abrir. Também com essa queda, aprendi a praticar de novo o desapego.  Aprender a "viver no muito e no pouco" como afirmava São Paulo.  E claro, correr atrás para construir de novo e de novo.  Nascemos pra isso, não foi?

Enfim, o religioso que havia em mim deixou de ser o que era.  Não mais um pedinte de joelhos e mãos estendidas, mas agora alguém que é grato e muito feliz e quer entender o motivo de ter sido escolhido para existir, se é que há um motivo, por um ser divino e todo poderoso que se basta.

Nas muitas leituras místicas que nunca deixei de lado, reli O Caibalion.  Tudo é energia.  Deus criou o universo a partir de uma única partícula de sua energia.  Sim, dEle próprio.  Só existia Deus.  Não Deus e terra, ou Deus e cimento, nem Deus e um átomo.  Mas só Deus.  Então o que foi criado a partir dEle é partícula dEle, ou seja Ele. Uma partícula dEle contém Ele.

Também li, por indicação de uma prima querida, O Desaparecimento do Universo.  Não é Deus e o Homem.  Deus e o mundo.  Deus e Jesus.  Tudo está junto e misturado.  Tudo é uma coisa só. Por isso Pai, Filho e Espírito Santo são Deus.  Por isso eu, você e Deus, somos Deus.

E também vi palestras e livros de Neville Goddard, que falam praticamente a mesma coisa.  Tudo existe a partir de nós.  Projeção de nossos pensamentos para que possamos nos relacionar com o Universo onde estamos. A partícula de Deus, para interagir, cria (mentalmente) seu habitat e tudo o que o circunda.

Tá, são autores. Pessoas como nós. Como tantos outros.  Há vários textos similares como os Pergaminhos do Mar Morto, os Evangelhos apócrifos e os próprios textos do Novo Testamento. Todos afirmando a mesma coisa de maneiras diferentes: "O pai e eu somos um só.  Quem conhece a mim, conhece aquele que me enviou", disse Jesus.  E ainda: "Seja feito como vossa fé", quando curou os cegos de Jericó.

Metafísica, autoajuda, misticismo?  Não importa.  Estou lendo, estudando, avaliando.  Afinal, nasci em berço católico, filho de mãe do Apostolado da Oração.  Na Igreja de Roma "finquei os pés" tendo sido até catequista.  Mas fui também educado na fé por uma avó com claras influências espíritas e depois me casei com uma.  Fui DeMolay, Rosacruz e Maçom. Coisas assim sempre me chamaram a atenção.  Não estive nessas instituições milenares como Igreja Católica e Rosacruz só por causa da pujança material e poder que possuem.  Nem por suas promessas de salvação e Vida Eterna. Havia um chamado lá.  Uma vocação. E isso, feliz ou infelizmente está em mim ainda.

Gosto do oculto.  Do esotérico. Mas claro. Que ninguém olhe pra mim como medieval.  Respeito sobretudo a ciência.  Mas afinal, ciências ocultas, não são também ciências?  E metafísica, não é também física? Se meu amigo Alfio ainda estivesse aqui, concordaria, eu acho. Também acredito que Einstein e Freud "passariam pano" pra mim nesse caso.

Devo reconhecer minhas tragédias.  Tentar ser culto, nessa encarnação, não deu.  Tentar ser materialista dialético, também não.  Tenho profundas divergências com Darwin, só pra começar. Mas parece que ser religioso convencional também não me cai bem.

Na política eu queria encontrar uma razão de vida.  Nunca imaginei ter vindo ao mundo "a passeio".  Mas quanto mais me enfronhei nos meandros dessa prática, mais me deparei com a contradição. Comecei onde começam todos os descendentes de europeus de direita.  Pela direita. Não extrema e nem agressiva. Aquela, do bem estar social. Do liberalismo disfarçado. Era criança, pensava como criança.  E como criança mimada.

Acho que se naquela época existisse o tal "Novo", eu teria caído nesse engodo. Mas graças a Deus eu tinha amigos interessantes.  O então vereador Carlos Feitosa, o advogado Waldemar dos Santos e outros célebres companheiros com quem fui convivendo aos poucos e construindo o ente político mais consciente.  Vasconcelos, Galvão, Claudinho, Cavaco, Rillo, Eni, Cacau, Messias, Lúcia Galli, Tidda, Dalledoni e meu grande incentivador e provocador irmão Marcelo. Esse é fera.

Saí da fundação do PSDB para o PCdoB, passando entre um e outro por PPS, PCB, flertando com PSOL, PMDB e PT.  Ah, o PT.  Ali eu vi política de verdade. Sabe, gosto do projeto do centenário PCdoB e de sua insistência pela formação.  Uma escola de quadros, sem dúvidas.  E esses quadros são, acredite, o sustento de muitas outras legendas. Mas aquela garra e chatice do petista são essenciais na reconstrução desse país. Para mim o ícone de político sempre foi Brizola, mas o PDT nunca sequer me fez um aceno até meses atrás.

Pois é. Ao entrar no PCdoB me declarei comunista.  Mas quanta distância há da minha vontade à concretização. Há muito o que aprender e sobretudo vivenciar. Fora as minhas contradições a serem resolvidas.  E por tudo o que estou passando por agora, me afastei da direção do partido no momento mais importante de minha história militante.  Fui candidato a prefeito de minha cidade no último pleito como sempre imaginei que seria um dia.  Primeiro para estudá-la.  Depois para expor suas feridas. Contribuir para seu progresso, direta ou indiretamente. Enfim, para testar a minha capacidade ou incapacidade de aglutinar pessoas em torno de um projeto.  Nula.  Entre 10 candidatos, fui o último.

Mas pelo menos estava posto.  Era então preciso seguir adiante.  Influenciar, construir, moldar, convencer, agregar.  

No meu partido, ainda em construção na cidade, ou melhor, reconstrução, estão grandes figuras. Dentre elas minha vice e que assumiu agora o comando.  Merli Diniz saberá conduzir como ninguém os rumos dessa importante escola de política que completa, em 2022, seus 100 anos de história. Eu queria estar lá.  Precisava estar lá.  Desde os 15 anos meu objetivo de vida era um dia ser Deputado Federal. Função mais adequada para se alterar rumos, corrigir defeitos históricos, juntar tijolos nas muralhas de uma nação. Oras, mas claro que as condições objetivas para isso inexistem. Sobretudo nesse momento em que mal me mantenho.  A tristeza fica por conta do fato de que se eu persegui essa meta por tanto tempo, largar agora não tem lógica.  Mas é que estou em reconstrução de mim mesmo.  Não há espaço para reconstruir o partido ou mesmo construir a persona que um candidato deveria ter.

Sim... essas coisas todas me angustiam muito. E não param por aí.

Visionário, sempre dediquei esperança em certas datas. Algumas trazem por si grande expectativa. Eu acreditava que ao atingir certa idade, tal coisa aconteceria. Mas ao chegar em cada uma delas, decepção.  Ninguém nunca me preparou para pensar que não existe esse tipo de padrão.  

Foi assim com os 18, quando achei que ia me tornar adulto, autossuficiente, dono de mim.  Depois quando fiz 21, pois na minha época, essa era a maioridade absoluta.  Enfim os 32, pois era o ano 2000, mudança de milênio.  Como nada mudava, eu resolvi acreditar na promessa que afirmava sempre: "A vida começa aos 40".  Mas a minha quase se foi justamente aí.  Tive um AVC que me jogou no mais profundo abismo. E então passei a vociferar.  "Quando eu tiver 50 anos, ninguém me segura". Aos 50, veio o divórcio e o início do fim dos negócios.

Olha, não dá pra negar que as idades trouxeram mudanças. Não estou sendo muito sincero se só ficar nisso. Já que ao invés de pedir, estou aprendendo a agradecer, seria melhor, no lugar de murmurar, reconhecer os saltos.

Aos dezoito anos meu pai me ajudou a assumir o emprego em uma companhia de seguros, profissão que até hoje me sustenta.  Também aos 18 comecei uma relação meio tímida com uma garota um pouco mais velha e que morava em São Paulo. Era linda, inteligente e tinha uma carreira pela frente. Durou pouco, mas elevou muito minha autoestima e me ajudou a descobrir que enfim, eu não queria ir para o seminário.  Essa era uma vontade secreta que jamais dividi nem com meus pais.  Ah, um amigo, que um dia me confidenciou ser a sua vontade, ouviu de mim um idem. Não era vocação.  Talvez fruto de uma desilusão de paixão adolescente que vivi. Poderia ter sido um grande erro. Eu não era celibatário, nem tinha repulsa por mulheres, muito pelo contrário. Mas eu pensava que devia cumprir o que meu pai um dia deixou. Ele abandonara o seminário, como eu certamente faria se tivesse ali entrado. Foi melhor assim.

Aos 21, abandonei a "putaria", a bebedeira, a traquinagem. A auto estima elevada traz consequências incontroláveis. E eu já estava sem rumo. Foi aí que, graças a Deus, encontrei uma doce jovem, muito criança por sinal, com a qual resolvi construir uma família. Ela nem sonhava, mas eu havia decidido. Bem, formamos uma família e por um tempo, uma grande empresa.  Serei sempre grato.  Mas há coisas que só nós sabemos e portanto estamos melhores agora. Sei que ela concorda.

Aos 32 anos, no ano 2000, veio ao mundo meu primogênito.  Isso não só mudaria tudo em mim, para sempre, como iniciaria uma invasão no meu coração.  Logo viriam seus irmãos.  São sem dúvidas minha maior glória, minha maior conquista e meu maior desafio.  Mas agora estão livres.  São do mundo.  Como afirmou o escritor Kalil Gibran: "Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas."

O Acidente Cerebral dos 40 anos, me fez parar tudo, repensar tudo.  O que o gerou só eu sei.  Essa ferida talvez me persiga até outras vidas. Mas a dor passou.  E claro, no fim foi bom.  Me deu mais amor próprio. Aquele aparente desastre ou infortúnio mudaria tudo.  Decidi crescer, ser eu.  Ter controle de minha vida, de meus esforços.  Seria um bom pai, excelente marido, mas um vencedor.  Ganharia dinheiro, guardaria dinheiro, construiria um negócio próprio e conheceria o mundo.  Ainda no hospital prometi.  Mais dez anos de vida, irei à Terra Santa. Viajei pra muitos lugares, ainda não fui pra lá. Também sou péssimo com promessas.

De bengala e óculos, com vertigem e pouca desenvoltura, recomecei a trabalhar.  Em três anos ganhava mais que jamais sonhei. Todos os tropeços do passado, pareciam ter ficado para trás.  As escolas, lojas, escritórios.  Eu estava vencendo sozinho e por meus próprios e venerandos esforços.  (Mais uma pitada de arrogância para não perder o costume).

Um homem sem faculdade.  Lembrei então que era melhor tratar disso.  Com incentivo de meu ex-cunhado, comecei e conclui um curso. Tenho diploma e de Universidade Federal.

Eu e minha ex-mulher havíamos fundado um negócio próprio há muitos anos e que por sinal ela tocava, mesmo sem gostar muito, com maestria.  Então eu estava sempre atrás de outra coisa na qual eu pudesse por o meu talento em evidência. Machismo?  Não.  Apenas auto afirmação.  Não porque não gostasse, mas eu precisava provar para mim que seria capaz de fazer algo grandioso. 

Enfim chegara o momento. Embora eu tivesse que recorrer a terceiros e constituir sócios, eu criei o nome, a marca, a cor, o sistema, o formato e os primeiros detalhes de um negócio próprio e inovador que faz sucesso até hoje, embora eu não o tenha conservado. Penso que até mesmo pela minha ideologia, tenho o hábito de me sabotar assim que começo a ganhar dinheiro.

Vendi minha parte aos sócios, mas vaidoso, eu não dormiria bem hoje se não tivesse mencionado aqui essa história.  Soube que fotos e alusões a mim foram retiradas da sede.  Mas acho justo.  Eu saí, eu abandonei primeiro.  Não se pode exigir de uma filha ou filho, a devoção por um pai ausente.

Mas aquela experiência me deu força e coragem.  Venci o derrame e recomecei tudo muito melhor.  Então, busquei com minha ex-mulher aquele nosso antigo negócio e com outro sócio, os três, edificamos uma fortaleza.  Ah, tem um número gigante de pessoas a quem agradecer que não caberia aqui. Até os sócios do empreendimento que mencionei contribuíram muito. Só que preciso ser justo e por isso dou ênfase a dois, cuja saída repentina me doeu mais que ter abandonado aquela minha antiga criação.  Carvalho e Alessandro eram essenciais.

Não nego, graças a ajuda de minha ex-mulher fomos ao topo.  Viajei muito.  Além de todo o nordeste e sul do Brasil, fui a  Portugal, França, Itália, Inglaterra, Croácia, Estados Unidos, Chile, Aruba, Espanha, até mais de uma vez com e sem os filhos. Isso mexe com a cabeça de alguém.  Anote. 

Aos 50,  bem... faz pouco tempo.  Começou uma esquisitice. Crise de meia idade? Sei lá.  Me enchi de tudo.  Me cansei de tudo. Comecei a me apegar a mim mesmo.  Viver uma individualidade perigosa. A não me importar mais com quase nada. Me afastar aos pouquinhos das pessoas.  Talvez estivesse prevendo o que viria a seguir, talvez provocando. Mas em divórcio quase sempre é a mulher e não o homem quem toma a atitude e foi a minha esposa quem decidiu partir. Ela viajou e me vi com a casa, os filhos e os negócios. Por incrível que pareça, no início vem uma sensação esquisita.  Como que sendo eu, controlador, não controlei isso?  Então o primeiro sentimento é confuso. Mas em seguida, vem o acalentador pensamento: "Agora sou eu por eu mesmo".  E isso é empolgante demais.  Deve aliás ser para ambas as partes. De conselheiro em antigos cursos de noivo da Igreja, me vejo agora um constante defensor dessa experiência.  É um renascer.  Não porque nos livramos de alguém, mas porque descobrimos que ainda existimos sem o outro e sem que ninguém precise ter morrido. 

Só que nos negócios parecia não haver mais motivo para prosseguir num projeto que nunca fora só meu.  Não foi premeditado e nem foi essa a causa, na verdade são muitas, mas por uma incrível coincidência, o castelo começou a desmoronar e aos poucos, algo gigante se dissolvia dia a dia. O casamento desfeito, a sociedade, com o amigo que esteve junto esse tempo todo, rompida, eram os aparentes sinais de um novo ciclo.

Até hoje estou juntando os cacos. Negociando dívidas.  Avaliando erros.  Tentando alternativas e saídas não para a reconstrução, mas para um recomeço. Um algo diferente.  Dessa vez, sem depender de ninguém. Sou corretor de seguros há 30 anos. Mas se tiver que jurar por Deus, eu diria há um.  Desde janeiro vendo, esculpo, bordo e encanto ao negociar uma apólice.  Cada novo negócio tem sabor de chocolate e cheiro de terra molhada.  Mas claro. Pra crescer de novo, tenho que ser rápido.  Usar as demais armas e expertises reunidas em meio século de vida.

Então qual é o problema?

Explico.  

Já tentou montar um negócio próprio?  Agora acrescente essas demais questões. Sem dinheiro?  Com um caminhão de dívidas?  Com o peso de uma derrota recente?  Tendo que se manter e se ajustar no cotidiano? Com idade um pouco além do comum? Precisando ainda ser forte para acarinhar e apoiar os próximos que estão igualmente necessitados de ajuda? Mandar filhos à faculdade?  

Como dizia Gandhi: "Grandes batalhas são para os grandes guerreiros". Então, "bora lá" grande general.  Pelo menos nome de dois grandes líderes, você tem. Carlos Magno e Alexandre, o Grande. Veja que a vaidade é culpa de meus pais.

Pois é. Medo não tenho. Aliás de meus pais e antepassados herdei coragem, determinação, criatividade, desassossego.  Sangue, exemplo e nome não são problema.  Em que pese eu me chatear por não ter levado o sobrenome dos dois avós.  Esse equivoco não cometi com meus filhos.  É justo.

Herdei o Gomes que no caso de meu avô paterno, era o nome do meio.  Ele se chamava Gomes de Castro.  Seria correto que eu recebendo o sobrenome de ambos os avôs me chamasse Antunes de Castro. 

Alguém com esse nome já tem ingresso grátis em qualquer sorveteria.  Mas não foi meu caso.  Meu pseudônimo caso vire escritor ou autor, por certo será esse.

Mas gosto do meu nome, apesar de composto e portanto démodé. Se pudesse eu ficaria só com o Alexandre.  Aos clientes novos é assim que me apresento.  Não gosto menos do Carlos.  Mas como "odeio" o diminutivo, acho que seria difícil me chamarem de Alexandrinho como o fazem com o Carlinhos.

Recomeçar em várias esferas.  Ser um novo pai, um novo filho enquanto ainda tenho os pais, um novo irmão, um novo tio.  Preciso ser também um novo amigo.  E claro, não há homem feliz sem um novo amor.

Tempos depois do divórcio, poderia até se dizer pouco tempo, eis que surge uma linda garota.  Trazendo consigo a bagagem de uma história.  Sua linda filha, uma bela família e suas emoções.  Foi impactante.  Logo ao nos conhecermos, muita coisa em comum.  Religiosa e meio controladora como eu, mas com virtudes importantes para o meu momento.  Doce, carinhosa, firme, lutadora, bem humorada, reservada, inteligente. Me mostrou um lado diferente. As experiências obviamente são a cada encontro inéditas.  Em todos os sentidos, a gente não repete nada.  Uma novidade a cada dia e em tudo o que fazemos.

Ao começar um novo relacionamento, o erro mais grave seria comparar.  E nós, eu e ela, não fazemos isso um só momento.  Preferimos então variar e criar um novo encontro a cada encontro.  Mesmo os mais simples, em casa. Talvez aprendemos alguma coisa com nossas histórias anteriores. Recomendo.

Dei uma pausa para reler o que escrevi até agora. Isso aqui não tem graça nenhuma.  Ao reler percebi que se fosse alguém de fora das minhas relações, ou mesmo um conhecido, ficaria entediado no segundo parágrafo.  "Que graça tem um ilustre desconhecido falando de si mesmo"?  Pois é.  Me parece o cúmulo da vaidade, ou até da prepotência.  Mas nem sou louco em apagar tudo agora. Dane-se você.  

Ufa... acho que estou descobrindo como ser sincero.

É que também, enquanto escrevo, rememoro muito alguns pontos que tenho meio que deixado de lado.  Salutar, me parece, esse tipo de terapia.  E economiza um bocado.  Se vou ganhar mais desafetos, serão de estranhos.  Conhecidos raramente leem o que posto aqui. Na verdade, escrevi um livrinho de 32 páginas.  Foram vendidos 6 mil exemplares.  Os mais próximos a mim, nunca o leram, pois fiz dedicatória a alguns deles e nunca me falaram nada.  Isso não me incomoda.  Nem todo mundo é como eu que leu a tese de faculdade de um amigo na íntegra com medo de ele perguntar alguma coisa que eu não soubesse responder. Aquela velha mania de dar importância demais em não desagradar alguém parece ser só minha.  

Agradar todo mundo é impossível e extremamente desnecessário, vi outro dia numa publicação de alguém.

Quando comecei essas linhas, foi por um remorso.  De ter sido rude e agressivo ao invés de temperado e humano.  Porque além de todos os defeitos que tenho e são muitos, um deles me enfraquece.

A autocomiseração ou fraqueza de alguém em enfrentar uma situação, ao invés de despertar em mim o que seria fundamental, compaixão e solidariedade, desperta agressividade.  Eu preferia não ter que passar por isso e portanto não consigo deixar de falar.  Falta em mim aquele amor vibrante que todo ser humano deveria perseguir mais que tudo. E essa frustração se mistura ao ambiente e eu então entorno. Ou sou áspero, cruel, ou pior, indiferente.  

Isso tem acontecido muito e eu fico completamente sem energia.  A aura desaparece.  Seco, por dentro e por fora, pois incapaz de aliviar o sofrimento alheio, sou insensível e grosseiro, com certeza aprofundando no outro sua mazela.

Se contudo a pessoa se mostrasse de outro modo, enfrentando com vigor, eu talvez me compadeceria.  Não sou má pessoa.  Sei que não.  Choro com filmes e poesias.  Adoro piano, flores e estrelas.  Sou incapaz de pisar em uma formiga. Mas sou impiedoso como um senhor feudal, agressivo como um feitor se alguém se posta combalido.

E isso é gozado.  Não sou sincero para escolher minha pizza preferida para não magoar ou desagradar.  Mas sou devastador na crítica ou no conselho a quem mais precisa.

Não sei se é o caso, mas um dia ao realizar uma Constelação, prática meio em voga e muito discutível, o profissional que me dirigia nesse trabalho me fez ver algo que eu nunca tinha notado. 

Eu tinha um ano apenas quando minha irmã faleceu.  Claro, lucidamente não me lembro de nada.  Apenas fiquei sabendo, em uma regressão, que acompanhara meus pais em um sofrimento silencioso em que cada um reagiu da melhor maneira que pôde.  Mas sem pensar muito em mim.  Não por culpa.  Ninguém a tem. Seu sofrimento e dor foram tão fortes que penetraram minha alma e me tornei refratário a esse sentimento.  

Aos bonecos que representavam meus pais, eu dizia sob o comando do terapeuta: "Olhem pra mim.  Eu estou aqui.  Não tive culpa.  Vocês também não.  Mas eu estou aqui."

Daí meu irmão nasceu.  E eu pareço ter vivido uma infância toda tentando agradar meus pais e ser como gostariam que eu fosse para que eles, ao olharem meu irmão, não deixassem de olhar pra mim novamente.

Não sei se tem lógica.  Mas e aí?

Tento agora sozinho em casa, sempre que posso, fazer meditações poderosas.  Voltar à infância, passar pelas vergonhas da adolescência.  Tripudiar as humilhações dos primeiros anos da vida adulta.  Corrigir as relações com todos.

Se é o caminho, o tempo dirá.  Mas para minha sorte fui bem criado, educado, amado.  Sou resolvido, me conheço bem e vou me conhecer melhor ainda.  Batalho para resolver minhas idiossincrasias. Faltam portanto esses pontos. Sinceridade que não machuque, empatia com a dor e sofrimentos de quem se sente frágil e por fim me colocar humilde sem que a vida precise me esfregar o chão na cara afim de ser menos vaidoso.

Tentativas loucas, inglórias, mas permanentes.  Talvez seja o sentido de ter sido criado.  Deus batalhando em mim, sua partícula, o desbastar de uma pedra bruta até que um dia, no infinito do cosmos, se torne uma joia e possa se reunir ao todo novamente.

Proletarier aller Länder, vereinigt Euch!

FOTO - BRASIL DE FATO Nilson Dalleldone nilsondalledone@gmail.com   Edição do riso A OTAN caiu numa armadilha... Divirta-se! A Rússia ridicu...