Para muita gente, o simples fato de existir pode ser um fardo bastante pesado. Afinal, quem carrega uma doença grave, ou está vivendo a perda de alguém querido, tem sobre si uma enorme carga.
Também o tem quem está desempregado, endividado ou
simplesmente acometido de forte depressão.
Mesmo pessoas assim, despertam todos os dias e querendo ou
não, tocam suas vidas, pois como diz o poeta: “Navegar é preciso”.
Se não trabalharmos constantemente a motivação, corremos também
o sério risco de ficarmos apáticos e passamos a acreditar que viver é difícil. Algo simples como acordar e arrumar a cama, parecerá a mais trágica batalha.
Aprendi isso logo cedo com minha avó.
Se ao amanhecer estivesse com dor de cabeça ou meio
adoentado, ouvia dela que se não levantasse, tomasse um banho e “desse um jeito
na vida”, aquela moleza tomaria conta de mim e a doença me derrubaria.
Com ou sem sono, ela me fazia levantar, lavar o rosto e arrumar a cama. E se eu reclamasse ela deixava claro um ditado que nunca esqueci: "A vida é dura pra quem é mole".
E isso ficou tão impregnado em mim que quando acordo
com mal-estar ou indisposição, aí é que me entupo de afazeres. Cair de cama, pra mim, será o último recurso.
Em dado momento de minha vida, precisamente aos 40 anos,
sofri um AVC isquêmico que me pôs fora de combate por um bom tempo.
Com tontura e diplopia, não sentia vontade para me levantar
da cama. Mesmo assim, acordava e tomava
um bom banho. Depois me sentava em uma
cadeira na varanda e ficava olhando para o jardim da frente de casa. Não conseguia ler ou ver TV. Caminhar era tarefa quase impossível. E em muitos momentos, fui tentado a desistir
de tudo.
Minha mulher e meus pais faziam força para me ajudar na
recuperação. Ganhei uma bengala e fui
inscrito em um programa de fisioterapia.
Mas era terrível a ideia de me locomover e então realizar
qualquer tarefa.
Tive então que colocar em prática uma tática que me
acompanharia por um longo tempo e me faria, não só dar a volta por cima da
doença, mas reestruturar toda a minha vida.
Como levantar da cama era um esforço absurdo e aparentemente
inútil, eu tive que criar um motivo pra isso. Foi
aí que peguei uma foto da família e a coloquei na cabeceira. Também a coloquei em meu bolso.
Aquele era enfim o motivo pelo qual eu levantava todos os
dias. A família.
Minha mulher estava trabalhando sozinha e tomando conta da
casa, dos filhos e colocando o dinheiro que nos sustentava. Eu devia fazer a minha parte. Então, eu precisava trocar meus filhos, e
ficar bom logo para leva-los à escola, aliviando-a de uma parte das tarefas.
Regar as plantas, lavar a varanda e fazer a comida, agora que
não podíamos mais pagar a empregada, também poderia ser suportado por mim. E aos poucos, fui assumindo esses papéis.
Enfim, o motivo estava ali e não era pouco.
Assim que o despertador tocava, portanto, e eu via a foto da
família, me punha em pé para o banho regenerador e as pequenas tarefas que me
eram possíveis de realizar.
No entanto, se por um lado o motivo me fazia levantar, era preciso
mais que isso para me manter ativo. Eu
precisava de objetivos. Então também os criei.
Voltar a trabalhar era um deles. Ser o mantenedor da casa era outro. Me formar, já que havia
interrompido há alguns anos a faculdade.
Por fim, viajar para o exterior e conhecer lugares novos com a "galera" de casa.
Me pus firme na fisioterapia.
Peguei dicas e receitas de alimentos que me seriam propícios para a
recuperação de minha saúde e sistema nervoso.
Passei a caminhar e a meditar constantemente. Brincava com os filhos na piscina e cuidava
do jardim. Em breve, a força voltara as
pernas. Também o equilíbrio e então
voltei a dirigir. Até pintar a casa me desafiei.
Busquei um emprego.
Não seria legal voltar a trabalhar com minha mulher, pois ela estava
cuidando de tudo otimamente. Eu tinha então que ganhar de outra fonte e tentar fazer algo diferente do que tinha feito até
então.
Um emprego sem muita promessa, em muito pouco tempo se tornou
uma grande oportunidade. A empresa
cresceu e me tornei um diretor.
Não demorou e com incentivo de meu cunhado, me inscrevi em um
vestibular e junto com ele e mais tarde com minha mulher, nos formamos.
Erguidos financeiramente, fizemos então diversas viagens para
o exterior como casal e também com os filhos.
Mas algo ainda estava faltando.
Se por um lado havia um forte motivo para me levantar todas
as manhãs e objetivos a conquistar, era fundamental ter uma meta. Uma meta.
De início eu não conseguia enxergar algo. Afinal, essa meta deveria pautar minhas
atitudes e pensamentos. Era pra ser "mega" especial.
Um dia, ela simplesmente se apresentou para mim.
Estava em Portugal com minha mulher e procurávamos a casa de
parentes em uma região de pequenos montes e muito verde.
Ali naquele lugar, uma casa bem pequena e antiga, cercada de
flores, tinha fumaça saindo de sua chaminé.
Embora o clima estivesse frio, havia sol e em uma cadeira confortável,
um senhor jazia sentado com um cão aos seus pés, enquanto tomava um vinho e
mantinha um livro nas mãos.
Sem falar nada para ela, declarei pra mim mesmo:
“Quero terminar meus dias aqui em Portugal. Com a idade avançada, quero ler, beber vinho,
curtir o clima ameno e sobretudo, estar em paz.
Olhar pra trás e vislumbrar uma caminhada bem trilhada. Não dever nada a ninguém e principalmente não
trazer peso na consciência por ter traído, enganado ou usurpado.”
Pronto. A partir
daquele dia, tudo o que fazia vinha sempre acompanhado desse pensamento. Algo como a balizar decisões e atitudes afim
de não macular aquela visão no futuro.
Hoje, sou cidadão português e enquanto me encaminho para a
idade avançada, faço de tudo para livrar-me de qualquer impeditivo que possa me
dificultar o alcance dessa meta.
Motivo, objetivos e meta são, portanto, instrumentos ferozes
e eficazes para a construção ou reconstrução de nossas vidas.
Digo sempre a quem posso... Encontre ou crie os seus e siga
em frente.