Nascemos em um berço que sempre valorizou o conhecimento, a leitura e as
artes.
Meu pai vendeu livros para reforçar o orçamento de casa por um bom
tempo, enquanto dava aulas para crianças em escolas públicas rurais.
Minha mãe, musicista, tinha um conservatório musical na cidade de
Mirassol, no interior paulista.
Que infância gloriosa! Vivíamos entre
uma enciclopédia e uma coleção de Monteiro Lobato, ao som de Mozart, Bach, Beethoven
e outros.
E isto aconteceu por um longo tempo.
Meu pai, depois de certa idade e muitos empregos, passou a escrever
poesias e até romances.
Minha mãe, depois de conviver com gente como Lydia Alimonda e Aracely
Chacon (concertistas renomadas no exterior), também criou lindas composições em
tecido como estilista nas lojas de sua confecção, que não possui mais.
Agora, ambos estão aposentados das suas profissões, mas nunca de sua
arte e de seu talento.
Em sua chácara florida e gostosa, se misturam os rascunhos do vô
Tato (apelido que meus filhos deram a meu pai) com o artesanato criativo da vó
Darci.
Talvez por isso meu irmão enveredou-se uma época para a música, fazendo
parte do Movimento Coral Rio-pretense, então sob a regência do Maestro Buchala,
o que lhe permitiu conhecer a Alemanha, país que não só chamaria sua atenção,
mas por certo ajudaria com influências no curso que tão bem concluiu na
UNESP, sendo hoje doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP.
Já a mim, o envolvimento com as letras e a música ajudou a cultivar a
sensibilidade n’alma. Acho que tenho um
pouco dela desenvolvida demais e espero que isso não pareça “lambido”.
Mas o fato é que também gosto de leitura e música e iniciei a leitura
muito cedo.
Tinha problemas para dormir e esperava “meu pessoal” se recolher para
então mergulhar nos livros, que nunca faltaram. Foi assim
que logo cedo o mundo mágico do Sítio do Pica-pau Amarelo passou a fazer parte
de meu ideário.
Mas não parou por aí. E mais
tarde, começaram as obras mais fortes.
Eu tinha 14 anos quando tive contato, pela primeira vez, com a obra 1984 –
do escritor britânico George Orwell.
Lembro bem do enredo e como me pareceu distante, naquela oportunidade,
a possibilidade de ser vigiado em casa, ter que falar sussurrando e viver sem
liberdade por conta da presença dele: o grande irmão, por toda parte. E olha que eu vivia ainda no Brasil do regime
militar, quando não era muito comum externar os pensamentos e ideias. Credo! Tempos idos, graças a Deus.
Mas a obra de Orwell era exagerada, pelo menos pra época.
E essa “coisa” de viver sob olhares alheios não é tão nova assim. Desde o início da humanidade que o Homem se
imagina sob os olhares auspiciosos das divindades. Nas civilizações mais jovens, o Cristianismo
prega “sem discussões” a presença em nossas vidas de Deus, Maria, anjos e
santos no que seria uma verdadeira plateia a nos vigiar o comportamento.
Mais tarde um pouco, o kardecismo defenderia
a participação permanente em nossas vidas, daqueles que nos antecederam no “desencarnar”. "Que falta total de privacidade", penso sempre.
Tem uma música
de Raul Seixas muito engraçada e que se chama Paranoia. Parte dela diz algo assim:
“Se eu vejo um papel
qualquer no chão
Tremo, corro e apanho pra esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
Tremo, corro e apanho pra esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
E eu gosto de
escrever, mas...
Mas eu sinto medo!”
Mas eu sinto medo!”
E por aí vai a letra da música falando do medo que ele tem de saber que até no
banheiro ele “estava com Deus”.
O que me levou a falar sobre isso aqui no blog foi uma matéria que minha mulher leu
esta manhã em uma revista, sobre o vazamento das fotos da atriz americana
Jennifer Lawrence para a internet, o que não aconteceu pela primeira vez com famosos.
Caroline me explicava que alguns androides gravam fotos nas chamadas “nuvens”
e que não duvida de que em alguns casos isso possa ser feito “sem querer” e
depois então, alguém, de alguma forma, acessa aquela informação. No caso da atriz, afirma ela, parece que foi exatamente isso o que aconteceu.
Daí pra uma fofoca é um simples clique. Que falta de pudor no divulgar assim, a vida dos outros.
Contudo, mais despudorado que qualquer fofoqueiro, o facebook revela hoje tudo a
todos e sob o mais completo consentimento.
Ainda que não houvesse consentimento, noticias recentes da espionagem
americana em telefonemas e e-mails de um infinito número de pessoas em diversos
países mostraram que, realmente, o “big brother” de Orwell já está
ultrapassado.
No filme “A Hora mais Escura” sobre a caça e morte de Osama Bin Laden,
o rastreio efetuado via satélite chama a atenção para o grande poderio da
tecnologia na invasão da vida das pessoas.
Quem é que ainda não ficou surpreso ao ver a foto de seu próprio cachorro na
calçada pelo google street view?
Só fico imaginando quem consegue controlar ou utilizar tanta
informação. Pentágono? CIA?
FBI? Não estariam estes também sob os olhares de uns outros?
Ufólogos de plantão defendem o acompanhamento sistemático da humanidade
por avançadas civilizações. E se isso
parece também impossível, queria lembrar que para mim, o livro de Orwell
pareceu, à primeira vista, o maior dos absurdos.