terça-feira, 22 de maio de 2018

"Te conheço. Sabia que mais cedo ou mais tarde mostraria seu lado traidor."


Como é triste ter que vir justificar minhas posições explicitadas com firmeza e transparência, a companheiros de longa data, depois de tantos anos de militância juntos.
Esta semana, ao ser chamado por um amigo  petista de “traidor” por apoiar, para o próximo pleito, uma frente de esquerda encabeçada por Ciro Gomes, acabei por me convencer que estou “frito”.
Sim pois perdi, ao longo do golpe, dezenas de amigos da direita, da classe média equivocada e “coxinhas”.  Agora, perco os amigos do campo democrático, da esquerda.  E tudo por que?  Porque acredito na necessidade urgente de exercer a lucidez.
Ninguém entre estes companheiros deveria me chamar de traidor.  Sempre cumpri tarefas partidárias e sempre me coloquei ao dispor da causa onde quer que estivesse. Não “virei casaca”, não mudei meu padrão de consciência e tampouco abandonei Lula.
A discussão aqui é bem outra.  Não fui eu, mas sim o PT quem tirou o povo das ruas para convencê-lo a apoiar, de maneira resiliente, as eleições. E fez isso quando havia todo um cenário de possibilidades no qual a esquerda se unia novamente após um desastroso processo que apartou antigos companheiros.  
O PT não é nem nunca foi um partido revolucionário.  Até aí tudo bem.  Mas açoitado pelo golpe o mínimo que se podia esperar era o uso de sua força, grandeza e vigorosa militância, no enfrentamento. E os camaradas da esquerda em geral estariam dispostos a se levantar em seu apoio.  Os petistas não quiseram.  Com a "certeza" da eleição de Lula, agiram com resignação na defesa do "processo democrático" representado pelo pleito deste ano.  
Seus dirigentes e burocratas, sempre vaidosos, preferiram entregar Lula que jaz preso e portanto, fora da eleição. Aquela que o PT tanto defendeu.
Ora, Lula só será libertado com luta popular (e depois de tudo, não acredito mais que aconteça), ou então caso alguém, que conseguisse se eleger, viesse a corrigir, de algum modo, os erros do golpe.  Mas esse "justiceiro" não será Bolsonaro, nem Geraldo e nem Marina, os que de fato ganharão as eleições se não tomarmos providencias urgentes.
Fora essas duas hipóteses que citei, o golpe sozinho não deixará de ser golpe e os golpistas não sofrerão uma epifania, durante a noite, acordando pela manhã santos e justos, soltando Lula em nome da verdadeira justiça.  Milagres até acontecem, mas esse seria impossível. 
Será, companheiros, que pensam mesmo que eu não queira Lula solto?  É pura reflexão de minha parte e deveria ser de todos.  Quem faz o que foi feito (golpe) para de repente desistir e deixar tudo voltar a ser como antes?  Lula é libertado gentilmente, concorre, ganha, assume e muda tudo.  Simples assim?
Não.  E com Lula na cadeia, os guerreiros ficaram descalços e agora parte deles está acampada em Curitiba levando tiros e sofrendo frio.  Embora isso mostre ao mundo que Lula tem apoio e não está sozinho, não vai mudar nada.  O apoio já veio também de prêmios Nobel, de líderes internacionais, intelectuais, artistas e até do papa.  E aí, mudou alguma coisa? 
Silente e crente no “bom senso” de sabe-se lá quem, o partido de Lula segue dizendo que ele será candidato.  Que sua candidatura será registrada.  Que será eleito e que tomará posse.  Que há várias falhas na sua condenação.  
Meu Deus.  Me lembro como se fosse hoje que alguém também dizia com absoluta convicção que era impossível, legalmente, Dilma sofrer impeachment. 
E essas atitudes do PT não são novidade.  Meus companheiros petistas não gostam muito de autocrítica e detestam quando a gente os lembra que foi o Governo do PT que preteriu companheiros de esquerda para caminhar de braços dados com oligarcas e compadres do PMDB e outras agremiações só para garantir a governabilidade.  Que foi Lula que preferiu dar vaga à Dilma do que a Ciro, com quem havia tido esta conversa já naquela época, para não perder sua hegemonia no comando.  Estou mentindo?
Pra provar como já é hábito, tudo se repetiu quando, em São Bernardo, uma celebração ecumênica marcou a autoflagelação de Lula que se entregou à polícia mesmo sabendo que ali camaradas e companheiros estavam dispostos a chegar às últimas consequências. E de novo, no 1º de maio, já em Curitiba, quando a verdadeira esquerda não pôde discursar dando lugar a shows ou a autoridades petistas que precisavam se reforçar para manter seus cargos e se reelegerem.  Sempre escolhas erradas.  Uma atrás da outra.
Mas o que me leva a estar bravo não é a arrogância de quem se diz “da causa enquanto me tem por traidor”.  Só fatos concretos poderiam me atingir e essa fala não é um deles. O que me causou espanto e indignação é que os meus companheiros insistem na defesa de uma bandeira pra lá de narcísica, egoísta e inconsequente: "Lula ou nada".  "Lula ou nulo". 
Isso é inaceitável do ponto de vista do pensamento de esquerda.  E nem pragmático é. 
Quando olhamos pra traz vemos Bolsonaro em segundo, seguido de Marina Silva e Alkimin.  Que raio de compromisso histórico têm meus companheiros ao me obrigarem a votar em um destes para evitar o outro?  Sim, pois é exatamente isso que vai acontecer.  Se Lula não for candidato e as chances são infinitas de que não seja, e os petistas ficarem na defesa do voto nulo ou do não voto, então sobrarão estas figuras e eu terei que escolher entre uma ou outra no que seria o trágico voto do “menos pior”, atitude que não cabe no currículo de gente séria.  Será que é tão difícil ver isso?
Ainda tem sim companheiros, um pouquinho mais avançados, que baixam guarda e jogam na hipótese de Lula não ser candidato.  E dizem que podemos até pensar em uma frente de esquerda como alternativa, desde que seja sem fulano, beltrano ou sicrano.  Mas isso é atitude democrática?
O militante mais obediente não percebe que os burocratas do PT querem mesmo é que, lá no final, quando não restar mais tempo, eles possam lançar um nome qualquer achando que o povo votará no indicado só por ser do PT ou só por "ter" o apoio de Lula.
Deixa eu dizer uma coisa.  Não é isso que vai acontecer.  Não vai haver outra Dilma.  As condições agora são outras.  Lula, o único que poderia dirigir essa ação está preso e muitos destes possíveis candidatos do PT que posam de "gente boa”,  antecipando seus nomes afim de viabilizá-los para este “plano B”, daqui há pouco podem ser descobertos como apoiadores internos do Golpe, pois alguns o foram.  Ou alguém duvida que dentro do próprio PT eles existiam?
Ainda pode ser que surjam, como indicados, nomes sem expressão.  Se for o caso, os votos de Lula simplesmente não serão migrados para estes “postes”.
Muita gente que é Lulista, não é petista.  Eu conheço um monte de gente que diz que se Lula não for candidato, não votará em ninguém do PT.  Sejamos honestos. Você também conhece.
E se o PT não tiver votos, de um jeito ou de outro, chegará um segundo turno em que os petistas não irão votar ou irão para as urnas votar nulo. Que inteligente. 
Os mais cidadãos, aqueles que decidirem depositar seu voto, terão então de escolher entre o horrível e o trágico.  Já pensaram companheiros, termos que votar em Alkimin para evitar Bolsonaro?  Não pensaram?  É só continuarem gritando “ou Lula ou nada” de forma irresponsável.
Isso sim é ser traidor.  Traidor da esquerda, traidor da pátria e traidor da história.
Todos sabem que há nomes que podem compor uma frente de esquerda.  No momento, pelo menos, há Manuela, Boulos e Ciro. 
Eu, particularmente, não creio na eleição de Boulos, sobretudo por ser um candidato de esquerda, com defesas que prestigiam nossos mais profundos anseios.  Afinal é tão indesejada pelos artífices do golpe, quanto seria qualquer nome do PT.
Manuela já saiu na frente e abre espaço para caminhar com Ciro Gomes cuja história inclui passagens pelo governo de Lula.
Mas o PT já sinalizou que não quer Ciro em nenhuma hipótese (como se ele tivesse pedido).  E não são poucos os que o demonizam, fazendo um jogo ideal para a direita.
Há ainda petistas que arriscam dizer que não querem Boulos, pois é do adversário PSOL.  Então ficarão com “sua pureza suicida” em pose de vestal.
Hoje o PT ainda garantiria, se quisesse, a negociação dos termos desta frente.  Tem uma militância aguerrida e numerosa.  Traz o respaldo da força de Lula ainda latente.  E poderia, portanto, ser protagonista do processo de união com decisões importantes. 
Até pode esperar o “barco afundar” e depois vir com pires na mão para exercer apenas a figuração no processo.
Mas se não escolher nem uma coisa e nem outra e ficar mesmo com a ideia de que será Lula ou nada, ou tramando lançar um nome qualquer do próprio PT lá na frente, terá posto fim a saga do maior partido de massas da América Latina e de forma triste e irresponsável.
É o que eu penso. E não sou só eu.  Mas não gosto de fingir.  Como sempre segue minha opinião declarada, assumida.
É bem possível que com ela eu esteja acabando com o último foco de amigos que me restaram na política, mas em compensação continuarei dormindo tranquilo por acreditar que estou pensando com clareza, sem o comprometimento das paixões, do sectarismo ou sobretudo, da vaidade.  
Ainda exclamo que Lula é inocente.  Que não devia estar preso.  Ainda grito Lula Livre ou luta.  Mas ficar esperando a banda passar como querem alguns, não vou mesmo.

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