sábado, 20 de setembro de 2014

O grande irmão.

Eu e meu irmão tivemos muita sorte na vida. 
Nascemos em um berço que sempre valorizou o conhecimento, a leitura e as artes.
Meu pai vendeu livros para reforçar o orçamento de casa por um bom tempo, enquanto dava aulas para crianças em escolas públicas rurais. 
Minha mãe, musicista, tinha um conservatório musical na cidade de Mirassol, no interior paulista.
Que infância gloriosa!  Vivíamos entre uma enciclopédia e uma coleção de Monteiro Lobato, ao som de Mozart, Bach, Beethoven e outros.
E isto aconteceu por um longo tempo. 
Meu pai, depois de certa idade e muitos empregos, passou a escrever poesias e até romances.
Minha mãe, depois de conviver com gente como Lydia Alimonda e Aracely Chacon (concertistas renomadas no exterior), também criou lindas composições em tecido como estilista nas lojas de sua confecção, que não possui mais.
Agora, ambos estão aposentados das suas profissões, mas nunca de sua arte e de seu talento. 
Em sua chácara florida e gostosa, se misturam os rascunhos do vô Tato (apelido que meus filhos deram a meu pai) com o artesanato criativo da vó Darci.
Talvez por isso meu irmão enveredou-se uma época para a música, fazendo parte do Movimento Coral Rio-pretense, então  sob a regência do Maestro Buchala, o que lhe permitiu conhecer a Alemanha, país que não só chamaria sua atenção, mas por certo ajudaria com influências no curso que tão bem concluiu na UNESP, sendo hoje doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP.
Já a mim, o envolvimento com as letras e a música ajudou a cultivar a sensibilidade n’alma.  Acho que tenho um pouco dela desenvolvida demais e espero que isso não pareça “lambido”.
Mas o fato é que também gosto de leitura e música e iniciei a leitura muito cedo.
Tinha problemas para dormir e esperava “meu pessoal” se recolher para então mergulhar nos livros, que nunca faltaram.  Foi assim que logo cedo o mundo mágico do Sítio do Pica-pau Amarelo passou a fazer parte de meu ideário.
Mas não parou por aí.  E mais tarde, começaram as obras mais fortes.
Eu tinha 14 anos quando tive contato, pela primeira vez, com a obra 1984 – do escritor britânico George Orwell.
Lembro bem do enredo e como me pareceu distante, naquela oportunidade, a possibilidade de ser vigiado em casa, ter que falar sussurrando e viver sem liberdade por conta da presença dele: o grande irmão, por toda parte.  E olha que eu vivia ainda no Brasil do regime militar, quando não era muito comum externar os pensamentos e ideias.  Credo!  Tempos idos, graças a Deus.  
Mas a obra de Orwell era exagerada, pelo menos pra época.
E essa “coisa” de viver sob olhares alheios não é tão nova assim.  Desde o início da humanidade que o Homem se imagina sob os olhares auspiciosos das divindades.  Nas civilizações mais jovens, o Cristianismo prega “sem discussões” a presença em nossas vidas de Deus, Maria, anjos e santos no que seria uma verdadeira plateia a nos vigiar o comportamento.  
Mais tarde um pouco, o kardecismo defenderia a participação permanente em nossas vidas, daqueles que nos antecederam no “desencarnar”.  "Que falta total de privacidade", penso sempre.
Tem uma música de Raul Seixas muito engraçada e que se chama Paranoia.  Parte dela diz algo assim:
“Se eu vejo um papel qualquer no chão
Tremo, corro e apanho pra esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
E eu gosto de escrever, mas...
Mas eu sinto medo!”
E por aí vai a letra da música falando do medo que ele tem de saber que até no banheiro ele “estava com Deus”.
O que me levou a falar sobre isso aqui no blog foi uma matéria que minha mulher leu esta manhã em uma revista, sobre o vazamento das fotos da atriz americana Jennifer Lawrence para a internet, o que não aconteceu pela primeira vez com famosos.
Caroline me explicava que alguns androides gravam fotos nas chamadas “nuvens” e que não duvida de que em alguns casos isso possa ser feito “sem querer” e depois então, alguém, de alguma forma, acessa aquela informação.  No caso da atriz, afirma ela, parece que foi exatamente isso o que aconteceu.
Daí pra uma fofoca é um simples clique.  Que falta de pudor no divulgar assim, a vida dos outros.
Contudo, mais despudorado que qualquer fofoqueiro, o facebook revela hoje tudo a todos e sob o mais completo consentimento.
Ainda que não houvesse consentimento, noticias recentes da espionagem americana em telefonemas e e-mails de um infinito número de pessoas em diversos países mostraram que, realmente, o “big brother” de Orwell já está ultrapassado.
No filme “A Hora mais Escura” sobre a caça e morte de Osama Bin Laden, o rastreio efetuado via satélite chama a atenção para o grande poderio da tecnologia na invasão da vida das pessoas. 
Quem é que ainda não ficou surpreso ao ver a foto de seu próprio cachorro na calçada pelo google street view?
Só fico imaginando quem consegue controlar ou utilizar tanta informação.  Pentágono?  CIA?  FBI? Não estariam estes também sob os olhares de uns outros?

Ufólogos de plantão defendem o acompanhamento sistemático da humanidade por avançadas civilizações.  E se isso parece também impossível, queria lembrar que para mim, o livro de Orwell pareceu, à primeira vista, o maior dos absurdos.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Marina - Salvadora da Pátria ou Rainha da Incoerência?

Recebi o texto abaixo do amigo Reinaldo Volpato, uma pessoa pra lá de especial.
Gostei a tal ponto que acho conveniente repartir.
Segue:


"Depois de romper com Lula, com o PT, com o PV, e isolar-se no PSB, Marina Silva é uma salvadora da pátria que quer juntar Neca (Setubal) e Chico (Mendes). Pode?
Foi possível comprovar no debate da Bandeirantes que Marina Silva escolheu o caminho mais
 confortável para fazer campanha eleitoral.
Se você passar as ideias de Marina numa máquina de fazer suco, irá sobrar um ponto: a pregação da unidade. Marina diz que o Brasil está cansado da polarização. Diz que o tempo de conflito entre PT e PSDB acabou. Afirma que é preciso unir os bons, os capazes, os honestos, que estão em toda parte, em todos os partidos. Diz que o país está cansado de criticar uma “elite” onde se encontram Neca Setubal e Chico Mendes, e também lideranças indígenas e grandes empresários. Olha que bonito. Não há poder econômico, nem desigualdade, nem poder de classe. Não há, é claro, um sistema financeiro de um país que, tendo a sétima economia do mundo, possui bancos cujo rendimento encontra-se entre os primeiros do planeta.
É bom imaginar que o mundo é assim. Relaxa, conforta. Permite interromper o debate e tirar férias. Pena que seja uma utopia de conveniência.
Mais. É uma fantasia que não cabe na biografia de Marina Silva. Pelo contrário.
Poucas vezes se viu uma história de divisão e desagregação como método de ação política.
Veja só. Ela rompeu com o governo Lula, onde fora instalada no Ministério depois da campanha — de oposição — contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Saiu do PT e foi para o PV. Saiu do PV e foi para a Rede. Incapaz de unificar os militantes e ativistas que queriam transformar a Rede num partido, bateu às portas do PSB depois de denunciar a decisão do TSE. Criou casos, brigas e divergências desde o primeiro dia. Brigada à esquerda e à direita do partido, era protegida por Eduardo Campos, a quem interessava contar com seu Ibope para evitar um desempenho pequeno demais no primeiro turno. Marina estava isolada dentro do PSB, afastada dos principais dirigentes, quando, por “força divina”, como ela diz, ocorreu a tragédia que permitiu que se tornasse candidata a presidente. Seguiu brigando: logo de cara o secretário-geral, homem de confiança de Miguel Arraes, patrono histórico do PSB, foi embora da campanha, dizendo que não iria submeter-se “àquela senhora.” Outras brigas ocorreram. Outras foram suspensas porque, pela legislação eleitoral, já venceu o prazo para candidatos a deputado, senador e governador trocarem de partido.
O discurso da unidade pode ser real. Depois da posse de Lula, o país buscou e construiu uma unidade política real, que nunca esteve isenta de conflitos, mas se destinava a atender a uma necessidade histórica reconhecida: ampliar os direitos da maioria, diminuir a desigualdade, desenvolver o mercado interno e definir um papel altivo do país no mundo. Melhorias que estão aí, à vista de todos.
Mas a “unidade” pode ser um recurso retórico para apagar as diferenças — reais e importantes — entre os candidatos a presidente. Permite fugir do debate real, desfavorável quando travado com lucidez e racionalidade. Ajuda a fingir que todos são equivalentes em virtudes e defeitos, e podem ser colocados no mesmo nível. Elimina-se a história, num esforço para apagar a memória.
Marina precisa minimizar os bons dados do emprego, do consumo, do salário mínimo, preparando o terreno para revogar essas mudanças.
Este comportamento ajuda a criar a ilusão de que todos — banqueiros e seringueiros para começar — têm as mesmas ambições e mesmos projetos. A mágica fica aqui: basta que surja uma liderança providencial — olha a força divina, de novo — para convencer todos a dar-se as mãos em nome do bem, sob liderança de Marina Silva. Não há projeto, não há o que fazer. Tudo pode ser o seu avesso.
A sugestão é que só faltava aparecer alguém com tanta capacidade permitir que isso ocorra em 2014. Felizmente, essa personagem apareceu. Sou totalmente favorável a liberdade de religião mas temo que, em breve, alguém possa sugerir que oremos olhando para cima para agradecer.
Essa linha de argumentos é uma tentativa de eliminar as conquistas e vitórias importantes dos últimos anos, passar uma borracha nos avanços obtidos e preparar a revanche dos derrotados de 2002.
Por isso Marina fala de uma unidade que esconde dados reais. Os economistas de seu círculo são tão conservadores que já reclamaram dessa “extravagância” brasileira que é comer um bife por dia, como já fez Eduardo Gianetti da Fonseca. Dizem que a humanidade andou consumindo demais e que o regime de contemplação típico da religião budista pode ser uma condição para o progresso, como já disse André Lara Rezende, que, coerentemente, já escreveu que a posição do país na divisão de riqueza mundial não lhe permite ambicionar um crescimento econômico em taxas mais do que medíocres.
Todos ali celebram o governo de FHC como patrono da moeda sem lembrar que em seus dois mandatos a inflação subiu mais do que nos anos Lula e também nos anos Dilma. Todos lamentam o Brasil de 2009 — justamente o momento em que Lula reagiu a crise mundial e impediu que o país afundasse como a Grécia, a Espanha, a Irlanda, quem sabe a França. Balanço para 2014: defender a independência do Banco Central em cima desses selvagens, entendeu? Como se atrevem a tentar — mesmo parcialmente — encarar o mercado?
O esclarecimento das opiniões e o conflito de ideias são elementos indispensáveis da democracia, como ensinou Hanna Arendt, autora essencial para se entender que as ditaduras e governos autoritários nascem pela negação da existência de classes sociais e interesses divergentes.
Foi este o aprendizado que, numa longa caminhada iniciada no ABC de Luiz Inácio Lula da Silva, nos estudantes que enfrentaram a ditadura, nos trabalhadores rurais do Acre de Wilson Pinheiro e Chico Mendes, foi possível construir uma aliança política nacional capaz de abrir brechas num sistema de poder eternizado pela força bruta dos cassetetes e por vários salvadores da pátria."


Paulo Moreira Leite 

Ser uma nova versão.

Muitas vezes eu me ponho a aconselhar pessoas.   Desde os filhos, companheira, amigos e até quem não pede conselho algum. Feio isso, né? A...