quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O trabalhador e a crise do capital




Marcelo Gomes



Há alguns anos o noticiário anuncia taxas recordes de lucros privados por parte dos grandes bancos brasileiros. São bilhões de reais de lucro que são acumulados pelos principais acionistas e donos destas grandes instituições financeiras. O governo brasileiro assiste e permite esta atividade parasitária em nosso país. Enquanto isso, o pobre trabalhador recebe estas notícias como um ruído ambiente, ou seja, como mais um som imperceptível do cotidiano. O trabalhador pensa consigo mesmo que o mundo que vê à sua frente é um mundo natural. Os ricos ficam sempre mais ricos e os empresários e capitalistas enriquecem como num passe de mágica, tal como os cogumelos parecem brotar após uma noite de chuva. De sua parte, sabe que não importa qual seja a manchete de jornal ou assunto de botequim, tem ele de trabalhar duro no outro dia para continuar colocando comida à mesa. Como então explicar a ele que o mundo social em que vivemos não é natural? Como mostrar a ele que o banqueiro se enriquece às custas do sistema produtivo e de seus milhares de “clientes”? Ninguém pediu uma conta salário, mas agora o trabalhador é compelido coercivamente a utilizar os serviços de um banco e, pior, acaba sendo invariavelmente ludibriado e paga taxas e mais taxas para usar algo que não pediu. O dinheiro que ele deixa no banco ou na poupança rende-lhe 1% ao mês, mas o banco usa esse dinheiro para emprestar a outros por uma taxa muito maior. Eis um dos “passes de mágica” que promovem o enriquecimento.
Para o trabalhador a vida é algo imutável e as adversidades não são vistas como obras do próprio homem. Ele vê os eventos sociais tais como se fossem naturais. Vê o enriquecimento de um capitalista como um dom natural deste empresário para o enriquecimento, assim como vê o desemprego como uma falta de sorte. Vê a pobreza que “agarra” um vizinho como um infortúnio, tal como um temporal que se abate sobre uma cidade. Muitas vezes esta visão é ainda mais embaçada graças à sua religiosidade e, por isso, acaba fazendo uma leitura mistificada de seu cotidiano. Vê o desemprego e a pobreza arrastando milhares de trabalhadores e julga que isso deve ser alguma provação divina, alguma falta ou pecado que está sendo expiado por esta provação. Mas na sociedade humana não há provação divina. As crises da sociedade capitalista ou o desemprego causado pela ávida exploração do capital não são castigos dos deuses (dêem-lhes o nome que se queira). As aflições pelas quais passa a classe trabalhadora são produtos humanos, fruto de uma sociedade que insiste primitivamente em usar o trabalho coletivo como forma de enriquecimento individual. Isso é tão primitivo e arcaico quanto o sistema político da teocracia egípcia, mas ainda assim o homem insiste em se valer desta exploração anacrônica.
Agora estamos diante de mais uma crise do capital e o trabalhador deve entender de onde virão as aflições que em breve sentirá na carne. Devemos entender que o que ocorrerá nos próximos meses não tem nada a ver com castigo divino ou pragas do Egito. Esta crise não é de agora, mas possivelmente muitos ainda não se deram conta de que ela já se instalou. Os homens continuam com sua vidinha cotidiana tal como aprenderam desde a infância. No entanto, já há uma década o sistema capitalista prepara um desastroso fechamento para seu período de crescimento do pós-guerra. Este período “dourado” do capitalismo só parcialmente foi atacado na crise dos anos 70. Naquela época novas tecnologias surgiram para alavancar um novo período de exploração capitalista; o capitalismo promoveu a busca de mão de obra barata ao longo do mundo e criou a divisão internacional do trabalho, correndo atrás da oportunidade de extração da taxa de mais-valia mais alta possível; viu a implosão das economias do leste europeu e da União Soviética e ganhou novos mercados; mas ainda em meio a uma grande crise que dava sinais claros e inequívocos, usou um fantoche insipiente com o nome de George W. Bush para promover uma guerra contra os países do Oriente Médio, numa vã tentativa de tirar vantagens da indústria do petróleo e da “economia de guerra”.
Marx explicou em seu O Capital como só aparentemente o “dinheiro é capaz de fazer mais dinheiro”. O mercado financeiro vive da ilusão e da especulação. Credores emprestam para credores que emprestam para credores enquanto o dinheiro parece jorrar de uma manancial e o “preço do dinheiro” parece baixo... Contudo, chega a hora de verem que todos os empréstimos se basearam em um capital que não existia e que a inadimplência de um arrasta a inadimplência de outro. Mas como o trabalhador poderia entender isso? Nesse momento, os investidores que se aproveitavam do momento de euforia e otimismo tomam um “choque de realidade” e buscam desesperadamente vender suas ações a qualquer preço, a fim de minimizar uma perda já anunciada. Como algo que parece tão distante pode afetar o trabalhador? O estouro desta “boiada” de investidores cria um efeito em cascata e gera o caos no mercado financeiro. As empresas (reais) que tinham ações sendo fruto de especulação desta boiada acabam sofrendo com a desvalorização de seus papéis no mercado de ações. A empresa sofre diminuição de investimentos e lucros, mas quem perde é o trabalhador que dedicava seu tempo para enriquecê-la. Diminuição de produção, demissões, aumento do “preço do crédito” e, como num passe de mágica, a população compra menos e a economia se recente. Tudo isso num turbilhão criado por alguns especuladores do sistema de crédito que até então enriqueciam e apareciam nos noticiários com seus lucros recordes e bilionários... De fato, explicar este emaranhado e complexo sistema de interconexões econômico-financeiras é algo difícil. Mais difícil ainda talvez seja entender, mas o fato é que todos nós sentiremos os seus efeitos e pagaremos o preço destes porcos que buscam imoralmente o lucro privado. Na verdade, já estamos pagando por isso. Há algumas semanas vimos o anúncio de que os Estados do mundo inteiro já estão injetando bilhões de dólares para salvar a economia e o sistema financeiro. E isso quer simplesmente dizer que o dinheiro do país e, portanto, o nosso dinheiro, está escoando pelo ralo para salvaguardar os negócios da burguesia financeira. A coisa funciona mais ou menos assim nesse sistema que deram o nome de neoliberalismo: quando os negócios da burguesia vão bem quem ganha é somente a burguesia. Os lucros são privados e o Estado é visto como um diabo que deve se manter longe da economia. No entanto, quando os negócios não vão tão bem e geram prejuízos, quem paga é o Estado. No lucro, somente as empresas ganham, mas no prejuízo, todos nós somos obrigados a perder. E não é assim também na economia real ou produtiva? Quando a empresa vai bem só quem acumula e enriquece é o patrão, mas quando vai mal, a primeira coisa que o patrão faz é cortar na folha de pagamento, ou seja, demissão de trabalhadores.
Novamente a visão do trabalhador sobre isso é dizer: “sempre foi assim e sempre será!” Mas isso não é verdade. Se são os homens que produzem este sistema de exploração e decadência, então também são eles que podem destruir isso. Nossa grande opção para este momento de crise será: suportar mais estes tormentos como provações divinas e aguardar resignados os efeitos desastrosos sobre nossas famílias, ou então, se levantar como um só corpo coletivo que se recusa a continuar nas mãos de mercenários que mascateiam nossas vidas no espúrio jogo do lucro privado. Nós, trabalhadores, não devemos mais aceitar a miséria criada socialmente. Dizem que o governo dos trabalhadores não daria conta de gerir o futuro da humanidade, mas o que vemos é que os melhores economistas burgueses não são capazes de conter a anarquia da economia de mercado e que, portanto, o defeito não está no motorista, mas no próprio veículo. O capitalismo dará uma espetacular mostra de que é um sistema condenado pela história como o último modo de produção da pré-história humana. É hora, pois, dos trabalhadores unidos e dos comunistas colocarem a pedra sepulcral neste pernicioso e primitivo sistema de exploração. Disseram na década de 90 que chegamos ao fim da história e concordaremos com um simples acréscimo: chegamos ao fim da história do capitalismo. Esta crise atual pode não ser exatamente seu fim, mas com certeza indica que seu fim está bem próximo.

Marcelo Gomes é Mestre em Ciências Sociais pela UNESP e Doutorando em Sociologia pela UNICAMP

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