segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Comunismo e Oriente Médio


Recebi o texto abaixo. Entrevista interessante cujo tema principal é o enfoque sobre a superação do capitalismo nos paises do Oriente Médio. Vale à pena conferir.

SÃO PAULO - A atual crise financeira mundial foi o tema principal do 10º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, realizado entre os dias 21 e 23 de novembro, na capital paulista. Na "Proclamação de São Paulo", assinada pelos participantes, ao final do Encontro, a ser enviada aos 55 governos de países representados pelos 65 partidos comunistas presentes, destaca-se que o ônus da atual crise cíclica do capitalismo não deve recair nem sobre trabalhadores nem sobre países pobres. Também, defende-se que o dinheiro público não deve ser usado para salvar bancos da bancarrota, mas, ao contrário, para assegurar os mercados que gerem empregos e renda. Ainda, alerta-se para a questão da soberania e para a necessidade urgente de se impedir a alienação de recursos de países emergentes ao capital internacional, assim como de se combater as políticas protecionistas das metrópoles imperialistas.
No decorrer do evento, Nilson Dalledone, Prof. Dr., especialista em Oriente Médio e professor de Geopolítica, colaborador do ESQUERDA.NET, juntamente com Khaled Fayez Mahassen, ex-presidente da FEARAB – Federação de Entidades Árabes do Brasil – São Paulo, entrevistaram Mufid Kuteish, Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista Libanês, abrangendo um amplo leque de temas, especialmente, os relacionados ao Oriente Médio e, particularmente, aqueles vinculados à questão das fontes de energia. Texto de alto teor educativo, ajuda a compreender a realidade de uma região altamente complexa e a corrigir erros de informação e de interpretação muito comuns tanto em órgãos de imprensa de direita, alinhados ao capital, como nos de esquerda, alinhados ao trabalho. Nesta entrevista, o eixo principal é a superação do capitalismo pelo socialismo, nas complexas condições do Médio Oriente e do mundo atual.

ENTREVISTA

K- Que impressões São Paulo lhes ofereceu nesta primeira visita?
MK – São Paulo não é uma cidade, mas um mundo. Apresenta muita diversidade e contradições que se vê nas ruas. É dinâmica. Até a natureza colabora para essa diversidade, com mudanças climáticas constantes. A população é muito agradável. Chamam a atenção os detalhes e isso nos faz refletir.
ESQUERDA.NET – A que vieram a São Paulo?
MK – Viemos a convite do PC do B, para o Décimo Encontro dos Partidos Comunistas e Operários do Mundo.
ESQUERDA.NET – Como avaliam o resultado do Encontro?
MK – Neste que foi o Décimo Encontro debateram-se temas preparados de antemão, entre eles, a crise econômica mundial e a solidariedade aos povos da América Latina. Nos documentos finais, tratou-se disso, centralmente. A conclusão geral foi de que não há alternativa ao caminho rumo ao socialismo, para a solução dos problemas mundiais. O outro aspecto importante se relaciona ao local ou região, onde ocorre, pois é um ato de solidariedade a esse local ou região. Decidiu-se que haverá comemorações aos 50 anos da Revolução Cubana, e que será criado um dia específico de protestos contra a crise econômica mundial, além de manifestações contra a criação da OTAN –Organização do Tratado do Atlântico Norte que chega, agora, aos seus 61 anos. Também, fizeram-se declarações sobre problemas específicos em diversos países.
ESQUERDA.NET – Quando você diz “caminho ao socialismo”, como seria? Haveria transição ou caminhar-se-ia diretamente ao socialismo?
MK – De fato, é uma pergunta muito inteligente e importante. Há possibilidade de luta pelo socialismo, em qualquer lugar. Há situações maduras que permitiriam a passagem para uma etapa superior da sociedade. Mas existem particularidades na América Latina, na África e na Ásia. Esses países estão submetidos ao imperialismo. São países capitalistas, porém dependentes. É visível que há possibilidades de crescimento dos movimentos revolucionários, em tais países, até porque estão limitados em seu processo de desenvolvimento. Quando chegarem a certo ponto, não terão permissão de continuar crescendo. Então, a luta pelo socialismo, nesses países, tem caráter patriótico. Não há como lutar somente contra a burguesia local, sem lutar contra a burguesia global. Portanto, não há uma etapa única, mas diversas etapas.
ESQUERDA.NET – Via armada ou via eleitoral?
MK – Não acredito que haja alguém capaz de responder isso, nesses termos. O povo deve lutar dentro de suas condições, inclusive, dentro do sistema democrático, unindo todas as partes interessadas da sociedade. Mas sempre o povo enfrentará resistência das forças burguesas. A América Latina está diante de uma grande prova. Grandes tarefas estão sendo executadas, apesar das limitações da esquerda. Assim, deve-se estar preparado para a luta armada.
ESQUERDA.NET – No Oriente Médio, no momento, quais as possibilidades estratégicas de Israel manter o poder hegemônico diante do Líbano, da Síria, da Palestina, da Jordânia, do Egito, considerando-se a derrota do Iraque diante dos EUA e a resistência do Irã?
MK – Nossa percepção, em relação a Israel, vai além do fato de Israel ser uma estrutura estatal. Não seria apenas isso. Aliás, há a possibilidade de a questão da criação de um Estado palestino, ser resolvida em detrimento dos palestinos. Israel é uma entidade a serviço do imperialismo. Sua finalidade política, no momento de sua criação, era tornar-se um policial na Região. Difere, por isso, de todos os movimentos de libertação. Israel, no ano 2000, foi expulsa do Líbano por uma força armada. Desde então, ao não conseguir liquidar a resistência libanesa, deixou de ser capaz de executar a função para que foi criada, mesmo considerando que vários países árabes tenham assinado acordos. Esse foi um dos motivos que levou os EUA a usarem sua força diretamente, na região. Depois de 2006, sua presença foi ainda mais prejudicada. Na Guerra de julho, mais de um milhão de cidadãos israelenses tiveram que abandonar o norte de Israel. Houve, então, um movimento oposto da população que, ao invés de vir para Israel, começou a partir. Israel não esqueceu a derrota. De qualquer forma, sabem que não podem continuar enfrentando nem o Hizbollah, nem a Síria, nem o Irã. Se fossem capazes de fazer alguma coisa, já teriam feito. A única coisa que fazem, agora, com sucesso, é impedir a destruição do Estado de Israel. Egito e Jordânia têm acordos com os EUA.
ESQUERDA.NET – Na Faixa de Gaza, os palestinos romperam as barreiras que impedem o trânsito rumo ao Egito. O governo egípcio, ao invés de dar-lhes ajuda, fez o contrário. Como entender uma situação como essa?
MK – Todos os governos árabes estão calados. Até a Arábia Saudita participou de uma reunião religiosa com a presença de Israel. São parceiros de Israel. Por isso, têm ódio à resistência palestina e libanesa. São eles que financiam os ataques israelenses contra essas forças.
ESQUERDA.NET – Até o final da Guerra Fria, em 1989, era possível dividir os países árabes em dois blocos. A Síria, de algum modo, confrontava Israel. A Líbia, em 1986, sofreu, inclusive, um ataque direto dos EUA. Também, formavam a linha de frente a Argélia, o Iêmen do Sul e o Iraque. Na contrapartida, havia outro bloco de países árabes feudais ou semifeudais, como a Arábia Saudita. Atualmente, seria possível fazer uma divisão como essa?
MK – De fato, houve muitas alterações na correlação de forças. A Argélia está quase mergulhada numa guerra civil. O Iraque está ocupado pelos EUA. Os países do Golfo, em geral, estão sob domínio direto ou indireto da Arábia Saudita e dos EUA. O Sudão está mergulhado em seus problemas internos, como Darfur e outras regiões. A Líbia está condenada a aceitar as exigências norte-americanas. Tudo isso levou à vitória dos norte-americanos em seu eixo de ataque, constituído por Arábia Saudita, Jordânia e Egito. Sobrou, então, só a Síria, que, nos seus melhores momentos, consegue, somente, fazer oposição, mas sem qualquer perspectiva de enfrentamento. Em realidade, esse país tem procurado negociar com o Ocidente. Talvez, isso não seja um erro, mas o estilo de sua atuação deixa muitas dúvidas. Ao mesmo tempo, há um movimento fundamentalista tanto na Síria como no Líbano, e a Síria decidiu enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, isso abriu um novo canal de comunicação entre a Síria e o Ocidente. O Ocidente está interessado na Síria, na mesma medida em que esta poderia oferecer seus serviços. Por outro lado, é evidente o confronto entre Síria e Arábia Saudita, o que afeta toda a Região. De qualquer modo, a Síria tem tido um papel positivo, ainda que limitado.
ESQUERDA.NET – Em relação ao Líbano, o Hizbollah tomará o poder com o apoio do Irã. E, então, Quanto tempo levará para massacrar os comunistas?
MK – O Hizbollah sabe que nem hoje nem daqui a cem anos assumirá o poder, pois a situação do Líbano não lhe permitiria esse passo. Segundo a avaliação dos comunistas, o Hizbollah, em sua constituição social, assemelha-se a todos os demais partidos libaneses. Sua composição inclui desde o operário oprimido até a burguesia emergente, passando pela classe média. Por sua formação, representa uma camada burguesa. Tal como outros, pensam que, para que tudo se resolva, basta expulsar o invasor e tomar o poder. Na seqüência, implantariam um governo burguês, capitalista, dentro da Nação. O Hizbollah está pronto e atento para enfrentar e expulsar qualquer invasor, mas não tem nem condições nem planos nem desejo de mudar a situação libanesa. Os comunistas e o Hizbollah são parceiros na solidariedade ao Irã e na luta contra os norte-americanos, mas estão em lados opostos em todas as questões internas libanesas. Seria possível reverter esse quadro em alguns aspectos. De momento, os comunistas avaliam positivamente o papel do Hizbollah, na luta contra Israel.
ESQUERDA.NET – Quais são as principais forças revolucionárias no Líbano, hoje?
MK – Lamento, mas a exceção do Partido Comunista do Líbano, não há forças revolucionárias, no País. Com todo o sentido da palavra, nem partidos nem grupos. Há um leque muito amplo de esquerdistas. Tenta-se agrupá-los, mas ser revolucionário implicaria em ter condições de lutar, para mudar o sistema vigente. O maior obstáculo a isso é o atual regime, no poder. Todas as demais forças são contrárias a esse ponto.
ESQUERDA.NET – Em que forças sociais o Partido Comunista se apóia concretamente?
MK – O Partido Comunista se apóia em algumas partes da classe operária, na classe média, nos profissionais da educação, desde os de nível primário até os de nível universitário, em alguns profissionais liberais e em alguns engenheiros. Infelizmente, a classe operária está dividida entre xiitas, sunitas, drusos, maronitas e outros. Ao invés de a classe operária lutar contra a burguesia, em geral, essa divisão fez com que o operariado lutasse entre si, provocando a inércia e a paralisia do movimento sindical.
ESQUERDA.NET – O Partido Comunista ou qualquer partido comunista segue, como método, o materialismo dialético e o materialismo histórico. Considerando o papel da religião no Oriente Médio, em geral, ainda muito fortemente influenciada pelo feudalismo, como consegue o Partido comunista penetrar nas camadas populares?
MK – Esta é uma questão muito importante, porque tanto a religião como a religiosidade são a ideologia do feudalismo, em geral. Hoje, a religião, em sentido amplo, não tem ideologia religiosa. A burguesia colonial do Líbano e de outros países árabes são incapazes de enfrentar uma luta de classes aberta. Recorrem, então, à religião como substituto à luta ideológica, nos marcos do capitalismo. Hoje, não são as classes feudais, clero e nobreza, que dominam a economia e a produção. Por isso, a luta não é contra a religião, engendrada, no passado por essas classes, e nem contra os religiosos, mas contra a burguesia que usa a religião e os religiosos, para defender sua posição, isto é, o capital.
ESQUERDA.NET – E o projeto do pan-arabismo e da Grande Síria neste contexto, já que o Líbano, a Síria, a Palestina e a Jordânia formariam uma unidade?
MK – O Partido Comunista, em Convenção, analisou os problemas que se enfrenta, atualmente, e concluiu que o Movimento de Libertação Árabe se encontra em crise, especialmente, quanto ao aspecto da liderança. Os líderes, em geral, originários da pequena burguesia, desejavam e desejam libertar a região, mas sem mudar a estrutura existente. Ou se caminha rumo à libertação ou rumo à traição. Morreu Nasser, assumiu Sadat. Caminhou-se para acordos com Israel e para a submissão. Os substitutos a esses líderes burgueses, isto é, os Partidos Comunistas e a esquerda árabe, se encontram em crise, até por terem sido incapazes de liderar o movimento de massas. O Partido Comunista tentou articular um programa que visava à libertação social e nacional, mas não obteve sucesso. Ao invés de unidade, cada líder ou chefe de Estado árabe tentou resolver o seu problema, em sua casa. Israel deixou de ser inimigo de todos. Alguns se tornaram inimigos do Irã. Mas há algo novo. Apesar de tudo, Israel perdeu o Líbano e os EUA estão perdendo o Iraque. Então, há esperanças de um recomeço.
ESQUERDA.NET – Como o Partido Comunista Libanês avalia a situação do Iraque e sua influência sobre a Região?
MK - O Iraque é importante militar e economicamente. Esse País foi governado durante 20 anos por um ditador ignorante. Nem seu próprio Partido, o Bath, se movimentou para protegê-lo, quando foi capturado. Ele entrou em disputa direta com o imperialismo norte-americano. No momento em que o Iraque caiu sob domínio estrangeiro, os comunistas foram os primeiros a convocar todos para a luta unificada contra o invasor. Infelizmente, tal objetivo não foi alcançado e a luta entre as forças de resistência acabou por justificar a ocupação. O ocupante, então, para prevenir-se, passou a buscar apoio em cada uma dessas forças, em separado, articuladas com novas frações, criadas por ele próprio. Mas, mesmo assim, a luta patriótica avançou. O soldado americano foi igualado ao cidadão comum iraquiano. Essa guerra destruiu o Iraque, porém o imperialismo não conseguiu realizar seus objetivos. Os norte-americanos continuarão a usar a mesma estratégia para dividir, até que surja um movimento realmente democrático no Iraque. O agressor, nessas condições, não pôde reagir contra o Irã e contra a Síria. Isso explica, em parte, a tentativa dos EUA de avançarem sobre os interesses russos na Geórgia. O sentimento é de que a derrota norte-americana é certa. A divisão feita entre xiitas e sunitas é baseada na religião. Usaram o modelo libanês. Quanto ao Curdistão, nenhuma das partes pretende permitir a criação de um Estado curdo independente.
ESQUERDA.NET – Como avaliar a atual situação no Afeganistão, comparando-se com o período de presença da URSS no País?
MK – Num aspecto, pelo menos, não há grande diferença, porque tanto aqueles líderes afegãos do passado, quanto os atuais, defendem o atraso de seu povo. Os norte-americanos estão procurando algum modo, para negociar com os Talebans e com a Al-Qaeda. Por isso, é preciso tomar muito cuidado nas atitudes favoráveis ou contrárias a esses movimentos. Há um novo cenário.
ESQUERDA.NET – No Brasil, houve uma grande descoberta de petróleo. Os EUA mobilizaram sua Quarta Frota. Isso indicaria alguma possibilidade de a pressão se reduzir sobre o Oriente Médio e recair sobre o Brasil? Em que isso facilitaria ou dificultaria as relações do Líbano com o Brasil?
MK – Os norte-americanos estão dispostos a tudo por petróleo. Estão assustados com os estudos que indicam que nem mesmo todas as descobertas de petróleo serão capazes de satisfazer a seis bilhões de pessoas. Haveria duas saídas. Uma seria o uso de tecnologias alternativas com a diminuição da dependência de petróleo, solução não disponível até o momento. A outra seria conquistar todas as riquezas naturais, em qualquer lugar. O problema de Darfur tem uma relação direta com o petróleo sudanês. A guerra do Iraque, também. O conflito com o Irã não tem nada a ver com armas nucleares, porque os EUA sabem que esse País não tem condições de criá-las. Portanto, também se trata da questão do petróleo. Na América Latina, ocorrerá o mesmo, não por causa das atuais descobertas de campos petrolíferos. Mas será colocada a questão do petróleo venezuelano, do gás boliviano e outras. Se eles perderem em algum lugar, serão incapazes de ganhar em outro. E eles estão com pressa. Acreditam que o diálogo histórico seria com a China, seu real concorrente no consumo de petróleo. Desejam chegar a Ásia Central antes da China, por isso.
K – Muitos questionam a razão pela qual o Partido Comunista Libanês tem relações políticas cordiais com o PC do B, mas não com as outras forças da esquerda brasileira.
MK – É apenas uma coincidência. Para o Partido Comunista Libanês não haveria nenhum problema em manter relações com todas as forças de esquerda brasileira. O PC do B não se constrangeria com isso, certamente. Para que se iniciem relações, basta que uma das partes tome a iniciativa. Todos ganhariam com isso. Os participantes desse evento não atuam em bloco. Nem haveria um porquê.
K – A que se atribuiria a fraca participação da comunidade árabe nos movimentos de solidariedade a palestinos, a libaneses, dentre outros?
MK – O imigrante que veio ao Brasil procura garantir sua sobrevivência e há um sentimento de que sua pátria não o acolheu e, por isso, teve de deixá-la. Além disso, não há hegemonia de um grupo. Há uma mistura de trabalhadores e empresários. Estes são contra as forças democráticas seja no Oriente Médio, seja no Brasil e América Latina. Não se trata de irresponsabilidade, mas de posição. É preciso se inserir nessas comunidades e organizá-las.

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